A Netflix continua investindo pesado nos thrillers políticos britânicos, e seu mais recente lançamento, ‘Hostage’, chega ao catálogo com uma proposta tentadora: ver duas atrizes de peso, Suranne Jones e Julie Delpy, interpretando líderes mundiais em confronto. Jones, conhecida por seu trabalho marcante em ‘Vigil’, ‘Gentleman Jack’ e ‘Scott & Bailey’, assume o papel da primeira-ministra britânica Abigail Dalton, enquanto Delpy (da famosa trilogia ‘Before’ e ‘Three Colors’) interpreta Vivienne Toussaint, a primeira presidente mulher da França.
A minissérie de cinco episódios, criada por Matt Charman (roteirista de ‘Bridge of Spies’ e da também esquecível ‘Treason’), apresenta um cenário político tenso: Dalton luta contra uma crise no sistema de saúde britânico após cortar gastos militares, enquanto Toussaint enfrenta pressões da extrema direita francesa em período eleitoral. O que poderia ser um encontro diplomático de rotina se transforma em pesadelo quando o marido de Dalton, que é médico do ‘Médicos Sem Fronteiras’, interpretado por Ashley Thomas (conhecido por ‘Black Mirror‘, ‘Them‘ e ‘Black Cake‘), é sequestrado na Guiana Francesa, e a única exigência dos sequestradores é a renúncia da primeira-ministra.
Potencial desperdiçado em caracterizações rasas
O grande trunfo de ‘Hostage’ deveria ser justamente o duelo de interpretações entre Jones e Delpy, duas atrizes com currículos respeitáveis que mereciam material à altura de seu talento. E, por momentos, a série entrega isso, especialmente quando explora como essas mulheres tentam projetar poder em suas respectivas posições. Jones, como sempre, traz sua intensidade característica ao papel, enquanto Delpy consegue transmitir a complexidade de uma líder dividida entre convicções pessoais e pressões políticas.
O problema surge quando percebemos que as personagens não passam disso: são definidas exclusivamente por suas posições de poder e pelas crises que enfrentam, sem traços de personalidade que as tornem verdadeiramente humanas. Dalton é ‘a primeira-ministra’, Toussaint é ‘a presidente francesa’, e isso é tudo que sabemos sobre elas além de suas funções políticas.
ALERTA DE SPOILERS LEVES
A situação se torna ainda mais frustrante quando observamos os personagens coadjuvantes, que são praticamente sinopses ambulantes. A filha adolescente rebelde de Dalton, Sylvie (Isobel Akuwudike de ‘The Crown’), é apresentada após uma noite problemática que poderia comprometer a família, mas essa caracterização some completamente. O enteado de Toussaint, Matheo (Corey Mylchreest de ‘Queen Charlotte’), aparece como ativista disposto a protestar contra a própria madrasta, mas novamente, nada disso volta a ser relevante.
Até mesmo atores talentosos como Lucian Msamati, que interpretou personagens marcantes em ‘Game of Thrones‘, ‘Gangs of London‘, ‘His Dark Materials‘ e no recente filme ‘Conclave‘ (indicado ao Oscar), fica limitado ao papel de Kofi, conselheiro de Dalton cujo ponto-chave só é revelado no final da minissérie para se mostrar igualmente irrelevante. É uma garantia irrefutável de que Msamati será assistível independente do material que receba, mas mesmo um ator de seu calibre não consegue elevar personagens tão mal desenvolvidos.
Thriller genérico com final previsível
O roteiro de Charman segue a fórmula conhecida dos thrillers políticos: uma conspiração que vai ‘mais alto e mais baixo’ do que imaginamos, envolvendo as duas líderes em uma teia de interesses obscuros. O sequestro, que deveria ser o motor da tensão, tem uma lógica questionável que se desfaz facilmente sob análise mais cuidadosa.
ALERTA!!!!! SPOILERS DO FINAL DA TRAMA
Embora o marido sequestrado seja interpretado por Ashley Thomas (conhecido pelo nome artístico de Bashy), que já mostrou seu talento em produções como ‘Black Mirror‘ e ‘Them‘, o personagem é reduzido a simplesmente ‘o médico refém’, sem qualquer desenvolvimento que nos faça nos importar genuinamente com seu destino.

Ator Ashley Thomas (a.k.a Bashy) na cena do sequestro / Reprodução Netrflix
A resolução da trama bebe descaradamente no filme ‘Questão de Honra’ (A Few Good Men – protagonizado por Tom Cruise, Demi Moore e Jack Nicholson) de 1992, chegando a um ponto que beira a paródia, não fosse o quão sem propósito essa ‘homenagem’ se mostra. É frustrante ver como uma premissa interessante – o dilema moral de uma líder entre o país e família – é desperdiçada em clichês batidos do gênero.
Produção enxuta e limitações visíveis
Visualmente, ‘Hostage’ sofre com limitações orçamentárias evidentes. As cenas na Guiana Francesa, filmadas nas Ilhas Canárias, resumem-se a algumas tomadas aéreas de selva sem gerar tensão ou variedade visual. Em Londres, os cenários são funcionais mas genéricos, e quando multidões são necessárias, o orçamento parece ter permitido apenas uma dúzia de figurantes.
Dirigida por Isabelle Sieb (‘The Devil’s Hour’) e Amy Neil (‘Hanna’), a minissérie funciona melhor nos momentos de confronto direto entre as protagonistas, mas falha em construir um mundo convincente ao redor delas.
Recepção morna do público e crítica
A recepção de ‘Hostage’ tem sido morna: bateu 83% no Rotten Tomatoes (mas baseado em poucas críticas), no TV Time marcou 4.7/5, tanto no IMDb quanto no Séries TV marcou 6.5/10, indicando uma produção que não empolga nem decepciona completamente. Os fãs de Suranne Jones têm elogiado sua performance, mas reconhecem que a atriz merecia material melhor para brilhar.
É impossível não comparar ‘Hostage’ com ‘The Diplomat’, estrelada por Keri Russell (de ‘Felicit‘), outra trama da Netflix que aborda temas similares com muito mais substância e desenvolvimento de personagens. Enquanto Keri Russell constrói uma diplomata complexa e fascinante, Jones e Delpy ficam presas em papéis que são mais funções narrativas do que pessoas reais.
A impressão que fica é de que ‘Hostage’ é um primeiro rascunho de algo que poderia ter sido desenvolvido em uma série substancial (tanto que o nome inicial a ser dado para a trama era ‘The Choice’, não sei porque mudaram). Com mais episódios e tempo para desenvolver seus personagens, talvez tivéssemos uma obra à altura do talento envolvido. Como está, é apenas mais um thriller político genérico que desperdiça o potencial de duas grandes atrizes.
Os únicos momentos em que a série prendeu minha atenção foram os ataques direto à primeira-ministra britânica, vivida por Suranne. Fora isso, é uma história arrastada que quando você pensa que vai acontecer algo interessante vira um simples (e brega) clichê.
Para quem é fã incondicional de Suranne Jones, como eu, vale a pena assistir para vê-la em ação, mas não esperem encontrar a mesma qualidade de ‘Vigil’ ou ‘Gentleman Jack’. ‘Hostage’ é uma oportunidade perdida que nos deixa imaginando o que poderia ter sido.
Minha nota pra Hostage: 6,9/10
A minissérie britânica ‘Hostages’ já está disponível na Netflix!
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Carioca com alma paulista. Jornalista Digital, Assessora de Imprensa, Escritora, Blogueira e Nerd. Viciada em séries de TV, chocolate, coxinha & Pepsi.