Espetáculo de dança “Pequeno Arsenal” articula arquivos fotográficos de manicômios do século XIX com obras de artistas contemporâneas

Espetáculo de dança conduz o público por jogo simultâneo de correspondência e boicote à performance do feminino. Estreia dia 25 de setembro no Sesc Copacabana

por Redação
Pequeno Arsenal - Foto: Igor Keller

O espetáculo de dança contemporânea “Pequeno Arsenal” é idealizado pelas bailarinas Monique Ottati e Deisi Margarida a partir de uma série de fotografias feitas com mulheres internadas no Hospital Salpêtrière, em Paris, o maior manicômio feminino da França no final do século XIX. Classificadas como loucas, desobedientes e/ou selvagens, essas pacientes serviram de cobaias para a invenção de uma condição psiquiátrica que buscou patologizar comportamentos desviantes do corpo feminino: a histeria. Com direção de Lavinia Bizzotto Cheir e dramaturgia de Carolina Nóbrega, a obra estreia dia 25 de setembro, quinta-feira, às 20h30, no Mezanino do Sesc Copacabana, no Rio de Janeiro.

Foi a descoberta deste acervo fotográfico que despertou em Monique o desejo de criar “Pequeno Arsenal”. Estúdios fotográficos foram de fato instalados nos Salpêtrière como tecnologia para a reiteração das hipóteses científicas sobre a histeria. As centenas de imagens captadas não se restringiam aos círculos médicos, sendo também divulgadas através da imprensa popular.

No processo de pesquisa, ficou evidente como o corpo e o movimento eram observados como sintomas: ataques de riso, saltos, pular e pisar descontroladamente, contorcer o corpo, perda de controle, tornavam-se evidências de histeria. Tratava-se, assim, de uma doença performativa: mulheres podiam fingir comportamentos diante de comandos e plateias médicas masculinas.

“Na iconografia da Salpêtrière temos fotos em movimento e fotos posadas, utilizadas pela ciência para reforçar o que os médicos desejavam que fosse comprovado. Havia ali a fabricação proposital de uma ilusão patológica, o que escancarou ainda mais que havia um problema cênico de natureza coreográfica”, explica Monique.

A proximidade entre histeria e dança é tamanha que algumas mulheres internadas no Salpêtrière ganharam fama por suas performances como histéricas, sendo posteriormente contratadas como artistas em ambientes de entretenimento.

A ideia de um comportamento feminino ideal ainda persiste e as fotografias da Salpêtrière revelam como tentam marginalizar ou domesticar corpos divergentes. Por isso, como estratégia para lidar com os arquivos psiquiátricos, Deisi e Monique criaram um contra-arquivo que reúne fotografias de artistas mulheres do século XX e XXI que repelem, contradizem ou ao menos colocam em xeque tal visão hegemônica sobre a feminilidade. Entre as artistas que entraram nessa coleção estão Susan Meiselas, Carrie Mae Weems, Ana Mendieta, Francesca Woodman, dentre outras, cujo os trabalhos também servem de referência para a composição cênica.

Nos corpos das duas intérpretes, essas imagens ganham nova vida.  Atravessadas por suas próprias histórias e sensibilidades, elas transformam o arquivo em experiência, fazendo das fotografias um território de invenção e reinvenção de si.

“Da coleção infinita dessas imagens, captamos não só a forma — os contornos e posturas — mas também os estados afetivos, a atmosfera, as texturas emocionais que atravessam as mulheres retratadas. São memórias corporais que se insinuam: fragilidade, resistência, excesso, suspensão”, complementa Lavinia. “Esse campo sensível nos conduz a uma dramaturgia do movimento que ultrapassa a reprodução iconográfica, abrindo espaço para a imaginação, para a experiência sensorial e para a reinvenção cênica desses corpos em trânsito”.

Uma farsa ideal

Espetáculos cênicos envolvem necessariamente uma relação entre performer e observador. Em Pequeno Arsenal, essa situação é aproveitada para tensionar as relações que esse acervo escancara, jogando entre o ver (masculino) e o ser visto (feminino), o gesto espontâneo e a pose, a verdade científica e a farsa da representação.

“O público do Pequeno Arsenal será convidado a arranhar a sensação de que seu modo de ver é algo ‘dado’, reconhecendo seu modo de ver como algo ‘construído’, ao se colocar diante de performers que explicitam o jogo de captura e fuga daquelas que ocupam historicamente o lugar de objetos exibicionistas de um olhar masculino”, comenta Carolina Nóbrega, dramaturgista do projeto.

“Quando olhamos para os arquivos da Salpêtrière é necessário desnaturaliza-lo, deixando ver o que está também fora do enquadramento sugerido. Imaginar o excesso desse corte é algo que esteve presente no nosso processo, como um acesso à ficção necessária ao trabalho. Levamos para a cena, tanto na dramaturgia quanto na coreografia, o problema da montagem presente em toda cena e em todo arquivo.  A gente se monta e se desmonta na frente do público o tempo inteiro, com os figurinos, com a própria sequência. Tem um jogo explícito com a ideia de uma farsa encenada”, conclui Deisi.

O espetáculo “Pequeno Arsenal” foi selecionado pelo Edital de Cultura Sesc RJ Pulsar e fica em cartaz entre os dias 25 de setembro e 05 de outubro, de quinta a domingo, sempre às 20h30. A cada sessão, será disponibilizada audiodescrição por meio de QRCode. Para mais informações sobre o espetáculo, acesse o perfil oficial no instagram @pequeno.arsenal

SINOPSE

Pequeno Arsenal é uma coreografia de contra-arquivo que põe em movimento imagens de corpos femininos em negociação tensa com o olhar masculino. Neste contra-arquivo infinito, as fotos de Augustine, encarcerada em um hospital psiquiátrico na França do séc. XIX, trouxeram para perto as obras de Susan Meiselas, Jeanne Dunning, Regina José Galindo, Carrie Mae Weems, Ana Mendieta, Francesca Woodman e tantas outras que não cansam de chegar. Em Pequeno Arsenal, o corpo das duas intérpretes em cena é habitado por essa multidão.

SERVIÇO

Pequeno Arsenal
De 25 de setembro a 05 de outubro (quinta a domingo)
Horário: 20h30
Onde: Mezanino do Sesc Copacabana – Rua Domingos Ferreira, 160. Próximo à estação de metrô Siqueira Campos.
Ingressos:R$30 (inteira), R$15 (meia-entrada) R$ 10 (credencial plena Sesc), gratuito (público PSG).
Informações: (21) 3180522

Bilheteria – Horário de funcionamento:
Terça a sexta – das 9h às 20h;
Sábados, domingos e feriados – das 14h às 20h.

Classificação indicativa: 16 anos

FICHA TÉCNICA 

  • Concepção: Deisi Margarida e Monique Ottati
  • Direção:  Lavinia Bizzotto Cheir
  • Co-Direção: Deisi Margarida e Monique Ottati
  • Performers: Deisi Margarida e Monique Ottati
  • Coreografia: Deisi Margarida, Lavinia Bizzotto Cheir e Monique Ottati
  • Dramaturgia: Carolina Nóbrega
  • Figurino: Carla Costa
  • Assistente de figurino: Daniela Poti
  • Desenho de Luz: Luana Della Crist
  • Trilha sonora: Fábio Lima
  • Coordenação de produção e produção executiva: Nely Coelho / Ginja Filmes
  • Assessoria de imprensa e mídias sociais: Ana Pinto / Pequena Via Comunicação
  • Designer: Gustavo Vieira
  • Registro Fotográfico: Igor Keller
  • Registro Audiovisual: Helena Bielinski / XOT Produções
  • Audiodescrição: Luciano Pozino

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