Tantra não deveria ser reduzido e entendido como sexo, massagem erótica, nem “orgasmo de uma hora”. Para Fernanda Zorzo, terapeuta há mais de uma década e idealizadora do Heaven Tantra, trata-se de “uma autorização plena do prazer que tem o corpo como meio de transcendência”. Essa filosofia, que ela tem difundido em festivais internacionais como o Burning Man, vai ganhar espaço no Brasil: de 24 a 26 de outubro, Fernanda conduz um retiro no Rio Grande do Sul, a cerca de 100km de Porto Alegre.
A relação de Fernanda com o Tantra começou bem antes, ainda na faculdade de engenharia. Movida pela curiosidade, marcou uma massagem tântrica para descobrir se mulheres realmente poderiam ejacular. A expectativa idealizada não veio, mas a experiência foi transformadora e abriu portas que ela nem imaginava.
“Me senti fora do corpo, perdi a noção do tempo e só depois descobri que aquilo tinha sido um samadhi, um estado meditativo profundo. Eu não fazia ideia do que era, fiquei frustrada, mas senti que o tantra podia me dar muito mais.” Pouco depois, mergulhou na formação do Centro Comunna Metamorfose e nunca mais voltou atrás.
Mitos e preconceitos
Não faltam equívocos quando o assunto é Tantra. “Existe essa ideia de que é sexo, nudez e massagem. Profissionais de verdade não conduzem dessa forma. Também há o mito do ‘orgasmo de uma hora’. O que existe é o orgasmo de platô, prolongado, mas que varia muito, requer prática e que sim, pode chegar a 1h, mas se fosse tão simples, todos já tinham trilhado esse caminho e os que percorrem essa trajetória tem ganhos infinitamente maiores”.
As confusões, ela admite, já lhe custaram caro e a escolha de carreira não foi isenta de riscos. “Perdi emprego como engenheira, fui excluída de ambientes sociais e já sofri difamação”, conta.
Para ela, a manutenção desses tabus é estratégica. “A sociedade não tem muito interesse em que as pessoas encontrem felicidade dessa forma. Quando estamos bem, compramos menos, adoecemos menos e usamos menos dopaminas baratas.”
Burning Man e reality show gringo
No entanto, nem preconceitos, nem tabus impediram Fernanda de levar seu trabalho para palcos inesperados. No Burning Man, um dos maiores festivais alternativos do mundo, ela conduziu workshops para um público curioso e aberto.
“É lindo e sempre muito surpreendente ver pessoas se transformando mesmo em ambientes coletivos, sem nudez ou massagem. Receber os feedbacks depois é maravilhoso, porque prova que o tantra funciona até quando temos pouco tempo.”
Fernanda também já levou práticas para o reality show americano The Retreat USA, onde as câmeras eram a maior barreira. “Me preparei para sensacionalismo, mas encontrei diretores que queriam agregar de verdade. Ensinei técnicas de presença, conexão e vulnerabilidade, sempre dentro dos limites de classificação etária. O retorno foi incrível.”
Mesmo com a crescente popularidade do Tantra, Fernanda nunca apostou as fichas nas redes sociais. Ela conta que chegou a ficar cinco anos sem Instagram e que até hoje enfrenta restrições na plataforma.
“O Instagram bloqueia muito a entrega do meu conteúdo por usar termos que eles consideram ruins e banidos”, explica. Durante esse período, sua atuação se manteve por meio de indicações e convites. Atualmente, mantém o perfil @heaventantra para agenda e atualizações.
Histórias de transformação
Com mais de mil alunos, Fernanda já viu mulheres que nunca tinham chegado ao orgasmo experimentarem pela primeira vez, casais que haviam perdido o desejo se reconectarem, homens com vício em pornografia recuperarem a potência e pessoas trans ressignificarem o prazer em seus corpos.
“Mulheres que conseguiram entrar em paz com um aborto, casos de abusos que nunca tinham sido acessados em terapia tradicional… o corpo guarda memórias, e o tantra ajuda a liberar dores que às vezes ficam em silêncio por anos.”
A terapeuta também aplicou o Tantra em processos de fertilidade. “As sessões ajudam a regular o sono, entender hormônios e ciclos, liberar dopamina e ocitocina. Em casais, devolvem a intimidade e a sacralidade ao momento sexual, aumentando as chances de gravidez e fortalecendo a relação.”
Depois de mergulhar nos estudos da filosofia e atuar em equipes multidisciplinares na Sociedade de Psicologia do Rio Grande do Sul, Fernanda hoje coloca o prazer e a felicidade no centro da prática.
“Divido minha trajetória em três fases: estudo profundo da filosofia e foco em mulheres, os cinco anos na SPRGS, e a fase atual, pós-pandemia: o tantra como autorização plena do prazer e fonte de felicidade. As pessoas saem mais leves, mais energizadas, menos ansiosas. Parece simples e é. Às vezes só precisamos ser redirecionados à nossa verdadeira essência.”
Mais sobre o retiro:
O retiro no Montanha da Lua, a 100km de Porto Alegre, que acontece de 24 a 26 de outubro, foi pensado como uma imersão completa. Além das práticas tântricas, a programação inclui yoga ao amanhecer, técnicas de massagem neotantra e momentos de conexão e contato com a naureza.
Entre os destaques estão o temazcal, uma tradição indígena mexicana semelhante a uma sauna, usada em rituais de purificação física e emocional, e o cacau cerimonial, bebida sagrada de origem mesoamericana consumida em rodas ao redor da fogueira para estimular presença e abrir o coração, além de rituais xamânicos sem a ingestão de substâncias psicodélicas.
A imersão acontece em um espaço reservado na natureza, com trilhas e até uma cachoeira exclusiva para os participantes. A alimentação segue a linha ayurvédica, leve e natural, para complementar os processos de limpeza e bem-estar.
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