O Conselho Nacional de Trânsito (Contran) protagonizou, nesta segunda-feira, a maior mudança estrutural no sistema de habilitação brasileiro das últimas décadas. Por unanimidade, o órgão aprovou a Resolução 1.020/25, que elimina a obrigatoriedade de aulas em Centros de Formação de Condutores (CFCs) — as populares autoescolas — para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
A medida, que visa alinhar o Brasil a modelos internacionais vigentes em países como Estados Unidos e Reino Unido, promete reduzir os custos do processo em até 80%. A nova regulamentação entra em vigor imediatamente após sua publicação no Diário Oficial da União (DOU).
O novo modelo: Foco na avaliação
A espinha dorsal da Resolução 1.020/25 é a inversão da lógica de formação: sai o foco no cumprimento de carga horária, entra a ênfase na capacidade técnica demonstrada nos exames.
Flexibilização teórica e prática
A mudança desburocratiza etapas que, até então, eram rígidas:
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Fim das 45 horas teóricas presenciais: O candidato ganha autonomia total. O estudo poderá ser realizado de forma autodidata (via plataforma oficial gratuita do Ministério dos Transportes), por cursos de Ensino a Distância (EaD) ou, se preferir, frequentando autoescolas tradicionais.
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Redução drástica nas aulas práticas: A exigência cai de 20 horas para apenas 2 horas obrigatórias.
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Instrutor Autônomo e Veículo Próprio: Fica permitido o uso de veículo próprio para o aprendizado, desde que acompanhado por um instrutor credenciado independente — nova figura profissional criada pela resolução — e que o carro atenda aos requisitos de segurança do Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
Outro ponto crucial é a extinção do prazo de validade do processo. O limite de 12 meses para concluir todas as etapas deixa de existir, permitindo que o cidadão adapte a formação à sua realidade financeira e temporal.
Nota para Motoristas Profissionais: Para as categorias C, D e E, a carga horária prática foi reduzida de 20 para 10 horas-aula. O exame toxicológico permanece mandatório.
Impacto econômico
A democratização do acesso à habilitação é o principal argumento econômico do governo. Dados do Ministério dos Transportes indicam que o custo médio atual de R$ 3.215,64 (chegando a R$ 5 mil em certas praças) é proibitivo.
Com o novo modelo, eliminando-se a intermediação obrigatória dos CFCs, o governo projeta que o custo final para o cidadão despenque para a faixa de R$ 600 a R$ 700, valor referente majoritariamente às taxas estatais dos Detrans.
Justificativa social e técnica
O ministro dos Transportes, Renan Filho, classificou a medida como uma ferramenta de inclusão social. O governo baseia-se em estatísticas alarmantes da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran):
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20 milhões de brasileiros dirigem ilegalmente sem habilitação.
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54% da população não possui CNH, sendo que 32% apontam o custo como a principal barreira.
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Apenas em 2024, foram registradas 900 mil infrações por condução sem documento.
“O novo modelo segue padrões internacionais onde o foco é a perícia na avaliação, não a quantidade de horas em sala de aula”, argumentou o ministro.
O que não muda?

Para garantir a segurança viária, o rigor nos exames permanece inalterado:
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Exame Teórico: Exige 70% de acerto.
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Exame Prático: Avaliado por uma comissão de três membros.
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Saúde: Exames médicos e coleta biométrica continuam presenciais e obrigatórios.
Reação do setor e risco jurídico
A medida gerou reação imediata e contundente das entidades de classe. A Federação Nacional das Autoescolas (Feneauto) alerta para um colapso no setor, projetando o fechamento de 15 mil empresas e a demissão de 300 mil trabalhadores. O argumento central é que a desregulamentação resultará em motoristas mal formados e aumento na violência no trânsito.
Batalha no Congresso
A resolução já enfrenta resistência legislativa. O Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 800/25, de autoria do deputado Coronel Meira (PL/PE), busca sustar os efeitos da medida.
O argumento jurídico é técnico: a ausência de uma Análise de Impacto Regulatório (AIR) prévia, exigida pelo Decreto 10.411/20. Especialistas em direito administrativo alertam que, se a resolução entrar em vigor sem essa etapa técnica, ela corre sério risco de anulação judicial futura, criando um cenário de insegurança jurídica para os candidatos que iniciarem o processo sob as novas regras.
Próximos passos
Apesar das ameaças de judicialização, o governo mantém o cronograma. A abertura de processos sob as novas regras estará disponível via site do Ministério dos Transportes e aplicativo da Carteira Digital de Trânsito (CDT) assim que a resolução for publicada.
