MPF converte procedimento em inquérito civil para apurar possível discriminação religiosa no Réveillon do Rio

por Redação

O Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro converteu um procedimento preparatório em inquérito civil para aprofundar a apuração sobre possível discriminação religiosa em ações da Prefeitura do Rio durante o Réveillon de 2025, diante da alegação de promoção exclusiva de shows de cantores evangélicos na Praia do Leme.

• A decisão foi formalizada no Despacho nº 47277/2025, assinado em 29 de dezembro de 2025 pelo procurador da República Jaime Mitropoulos, procurador regional dos Direitos do Cidadão adjunto.

Segundo o despacho, a conversão ocorre diante da necessidade de novas diligências e da relevância do tema para a proteção dos direitos fundamentais, especialmente no que diz respeito à liberdade religiosa, à diversidade cultural e ao combate ao racismo religioso estrutural e institucional. A apuração também dialoga com outro procedimento em curso na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC-RJ), voltado ao acompanhamento mais amplo de políticas públicas da União, do Estado e do Município do Rio de Janeiro para enfrentar a intolerância religiosa.

No documento, o MPF destaca compromissos assumidos pelo Estado brasileiro no âmbito internacional, como a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância e a Convenção da UNESCO para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, ressaltando a importância de ampliar o diálogo institucional e garantir efetividade às políticas de promoção da diversidade. Como parte das providências, o MPF determinou o envio de ofício à Prefeitura do Rio requisitando informações detalhadas sobre os critérios adotados para a definição e destinação de recursos públicos voltados à organização e realização de eventos culturais na faixa de areia das praias cariocas durante o Réveillon de 2026. O prazo para resposta foi fixado em 21 de janeiro de 2026, data que marca o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.

Para a mesma data, às 10h30, foi designada uma reunião na sede da Procuradoria da República no Rio de Janeiro, com representantes da Prefeitura e de entidades da sociedade civil. Serão ouvidos o Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), o Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-brasileiras e a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa da OAB-RJ, que receberão ciência formal da decisão.

O despacho também determina a juntada aos autos de matérias jornalísticas que repercutiram o debate público sobre o formato das celebrações de Ano-Novo nas praias da cidade, especialmente críticas relacionadas à perda de protagonismo de manifestações culturais e religiosas tradicionais, como as homenagens a Iemanjá. Ao final, o MPF ordena a instauração formal do inquérito civil, a publicação da decisão e a adoção das medidas administrativas necessárias para dar seguimento às investigações, reforçando o objetivo de assegurar igualdade, pluralidade e respeito à diversidade religiosa nas políticas públicas e nos grandes eventos realizados com recursos públicos no Rio de Janeiro.

Comissão de Combate à Intolerância Religiosa pede audiência urgente ao MPF diante de escalada de ataques e discurso de ódio no Rio

A Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Estado do Rio de Janeiro (CCIR) protocolou petição junto à Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro solicitando, em caráter de urgência, a realização de uma audiência no âmbito de Inquérito Civil que apura possíveis violações à laicidade do Estado e à liberdade religiosa.

• O pedido ocorre em meio a uma escalada de ataques públicos e acusações veiculadas por diferentes meios de comunicação, às vésperas das celebrações de Réveillon na capital fluminense, e envolve diretamente critérios adotados pela Prefeitura do Rio de Janeiro na formulação e no financiamento de políticas públicas voltadas às manifestações religiosas.

Representada pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (CEAP), a CCIR informou ter tomado conhecimento da conversão da Notícia de Fato em Inquérito Civil e requereu acesso integral aos autos para melhor acompanhamento do procedimento. No documento, a entidade aponta que o objeto da investigação está diretamente relacionado à atuação do poder público municipal e ao aumento de agressões midiáticas contra a Comissão, em razão de sua defesa do caráter laico do Estado e da garantia equilibrada de políticas públicas para todas as religiões.

Segundo a petição, reportagens e publicações em veículos de imprensa e redes sociais teriam intensificado ataques à Comissão e a seus representantes, especialmente após o debate público envolvendo a presença de um palco gospel na programação oficial do Réveillon do Rio, organizada com recursos e decisões da administração municipal. O documento destaca que, nesse contexto, o pastor Silas Malafaia, líder da Igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo (ADVEC), utilizou suas redes sociais, que somam mais de 4 milhões de seguidores, para acusar o babalawô e professor doutor Ivanir dos Santos, articulador da CCIR, de preconceito contra evangélicos.

Para a Comissão, as declarações contribuíram para acirrar os ânimos e radicalizar o debate religioso na cidade, elevando o risco de conflitos em um momento de grande concentração popular, como a virada do ano. A entidade alerta para a necessidade de medidas institucionais, especialmente por parte do poder público municipal, que impeçam a propagação de discursos de ódio entre diferentes matrizes religiosas.

Diante do cenário, a CCIR requer que o Ministério Público Federal promova uma audiência, presencial ou virtual, com as partes envolvidas, incluindo representantes da Prefeitura do Rio de Janeiro, a fim de esclarecer os critérios adotados nos investimentos públicos destinados a ações de diferentes religiões. Além disso, solicita que o município apresente um Plano de Contenção voltado à prevenção do escalonamento de conflitos religiosos, garantindo um ambiente de respeito, segurança e pacificação durante as festividades de Réveillon.

A petição foi assinada pelo advogado Carlos Nicodemos (OAB/RJ nº 75.208) e protocolada durante o recesso, no dia 29 de dezembro. Até o momento, não há informação sobre a data de eventual audiência nem manifestação oficial da Prefeitura do Rio sobre o pedido.

“A construção de um Estado laico passa necessariamente pelo respeito da sociedade e por uma atuação isonômica do poder público na proteção de todas as religiões. Não podemos admitir esse desequilíbrio nem permitir que ele sirva como alavanca para narrativas de ódio em pleno Réveillon, especialmente contra as religiões de matriz africana”, declarou Nicodemos.

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