O sopro de suas flautas está presente em boa parte dos discos que deram régua e compasso para músicos e formaram gerações de ouvintes apaixonados por MPB, instrumental, samba e choro, e o lançamento “Andrea Ernest Dias Quarteto” (independente) “é mais do que um presente, é um bálsamo” nas palavras do jornalista Lucas Nobile, que escutou o disco atentamente e sobre ele escreveu.
O show de lançamento será na quinta, 21 de novembro, às 19h, na Casa do Choro (Rua da Carioca, 38, Centro do Rio, perto do Metrô Carioca), com ingressos a R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia entrada).
“O quarteto existe desde 2018, e começou com um convite que recebi do meu filho Miguel Dias, baixista, e Pedro Fonseca, pianista, para fazer uma participação especial no show deles, na Lapa carioca. Já gostava do som mais pop da turma do Miguel e passei a ver os rapazes como minha turma musical também”, conta Andrea – Deda para a família (de músicos!) e os amigos, que são tantos.
O repertório foi crescendo, junto com mais convites para shows. Num dia, o baterista Felipe Larrosa Moura se juntou ao trio e, no outro, o piano foi assumido por Pedro Carneiro Silva, que gravou o disco. “As escolhas foram basicamente minhas, Moacir (claro), Jobim, Edu, Francis, Chico, Caymmi, Pixinguinha, parcerias de Santoro e Vinicius, além de músicas do Miguel”, rebobina a flautista.
Em 2021, ganharam um edital da Prefeitura do Rio, o Foca, e saíram pela cidade com o show Uma Roda para Moacir Santos. “A gente queria festejar a herança musical afro-brasileira, tendo Moacir como anfitrião”, pontua Andrea. O repertório do quarteto se expandiu, trazendo, além de Moacir, Dona Ivone Lara, Dolores Duran, Letieres Leite, Abigail Moura, Carlos Negreiros, Paulinho da Viola, Maurício Tizumba, Cláudio Camunguelo e Milton Nascimento.
Negreiros, BNegão e Áurea Martins participaram de algumas apresentações. “Negreiros faleceu em nosso show no Teatro Ipanema, após brilhar e ser consagrado, aplaudido de pé durante a sua apresentação cantando, tocando e dançando. Morreu no camarim, proseando com BNegão, que o amparou em seus braços no ataque cardíaco. Foi um momento de fortíssima emoção e surpresa para todos nós. A última frase que eu ouvi dele foi ‘quero ficar nessa banda para sempre!’. Ele estava muito feliz”.
O que ressoa no “Andrea Ernest Dias Quarteto” emergiu deste roteiro. “É muito bom tocar com eles, todos na faixa dos 30 anos e com formação e sensibilidades muito especiais. Renova perspectivas, atualiza referências e sonoridades, aprendo demais e voce-versa. E os três estão muito presentes na cena musical. Tocam com Pedro Luís, Bala Desejo, Julia Vargas, Chico Chico…”, enumera, orgulhosa.
Ela e Miguel escolheram as sete músicas que foram gravadas e fizeram a direção musical juntos – ele trabalhou nos arranjos, que cresceram no estúdio – no caso, o Frigideira, de Gui Marques e Felipe Larrosa Moura. Moura também mixou e a masterização tem a arte de Lelo Nazario. Andrea fez a produção musical e a produção executiva é da Fulô Cultural, de Vera Schroeder e Renata de Oliveira.
Caco Chagas assina a capa do álbum, sobre uma fotografia do mar de Marselha feita por Andrea num passeio de barco – uma referência ao legendário “Ouro Negro” (Universal / MP,B, de 2001) -, pois as flautas de Andrea Ernest Dias estão presentes (nos dois sentidos) nesse disco duplo vencedor de prêmio e inesquecível para quem assistiu ao vivo a Orquestra Ouro Negro.
O JORNALISTA MUSICAL LUCAS NOBILE OUVIU AS FAIXAS E ESCREVEU:
O novo disco de Andrea Ernest Dias é mais do que um presente, é um bálsamo. A começar pela escolha de repertório. Um álbum que abre com duas composições de Moacir Santos – assunto sobre o qual, mais do que doutora e biógrafa, Andrea é autoridade – e fecha com Letieres Leite.
Do pernambucano Moacir são “Coisa nº 5 – Nanã” e “Mãe Iracema”. Do baiano Letieres é “Professor luminoso”, cujo título sintetiza tudo aquilo que ele representou e ainda representa, sobretudo por seu legado com a Rumpilezz: um farol de intensa luminosidade musical e existencial. Ambos muito admirados e reconhecidos mundo afora por suas divisões rítmicas, por suas concepções sobre as claves e por sua excelência em matéria de orquestrações e de arranjos. Ambos – e sobre isso fala-se pouco – melodistas primorosos.
Aliás, em assunto de melodia o disco chega a um patamar ainda mais elevado ao apresentar o conhecido tema de Dona Ivone Lara, “Nasci pra sonhar e cantar”. Tal qual as criações de Moacir e Letieres, o esplendoroso choro-canção de Ivone – gravado originalmente em 1982 na voz da própria autora, com letra de Délcio Carvalho – é também ouro negro do Brasil.
“Andrea Ernest Dias Quarteto” é um disco de intérprete, se considerarmos que não há nele nenhuma composição feita pelos integrantes do grupo. Porém, ao apresentar abordagens que combinam na medida exata criatividade, ousadia, sensibilidade e respeito a obras cujas gravações originais pareciam irretocáveis, o álbum soa como autoral. São pouco mais de 25 minutos em que tudo parece novo, de novo.
Em boa parte, isso se deve não apenas à reunião de quatro excelentes instrumentistas. Mas também, e sobretudo, ao fato de que Andrea Ernest Dias (flauta, flautim, flauta em sol e flauta baixo), Pedro Carneiro Silva (piano e teclado), Miguel Dias (baixo) e Felipe Larrosa Moura (bateria) conseguem notoriamente soar como conjunto. Parece óbvio, mas não é. Andrea e seu quarteto chegam a uma unidade desprendida de egos, algo cada dia mais raro.
A mesma unidade – tudo encaixado com muito balanço, expressividade e dinâmica – que se escuta nos temas de Moacir, Letieres e Dona Ivone ouve-se também nas interpretações do grupo para três peças de Claudio Santoro: “Acalanto da rosa”, “Em algum lugar” – mais curtas e que surgem como lindas vinhetas de passagem – e “Amor que partiu”. Originalmente criadas por Santoro como prelúdios para piano, as músicas tornaram-se canções depois de ganharem letras de Vinicius de Moraes.
Ambos, Santoro e Vinicius, com estreita ligação e profunda admiração por Moacir Santos, motor de arranque deste disco. Pelas mãos do quarteto, as peças, cada qual com uma paisagem sonora diferente, lembram trilha de cinema.
Um disco essencialmente brasileiro, muito bem gravado (com menção honrosa à mixagem e à masterização), que merece encontrar ouvidos tão abertos como a mentalidade musical de Andrea Ernest Dias – sucessora de uma linhagem superlativa na história da flauta brasileira – e seu espetacular quarteto.