Os Irmãos Karamázov, clássico da literatura mundial, chega aos palcos brasileiros em montagem emocionante com elenco diverso e questões contemporâneas

Com direção de Marina Vianna e Caio Blat, a adaptação teatral da aclamada obra de Dostoiévski estreia dia 18/12 no Sesc Copacabana e abre 2025 em curta temporada

por Redação
Babu Santana contracena com Caio Blat, Luisa Arraes e atores premiados em Os Irmãos Karamázov - Foto Lorena Zchaber

Uma família desestruturada atravessada por paixões, disputas financeiras, dilemas existenciais e um pai perverso. Esta poderia ser a trama de uma nova série ou filme, mas foi eternizada no romance Os Irmãos Karamázov, publicado em 1880 pelo celebrado autor russo Fiódor Dostoiévski. Com adaptação de Caio Blat e Manoel Candeias, o livro – considerado por Freud obra-prima da humanidade – chega aos palcos em espetáculo inédito com estreia no próximo dia 18 de dezembro no Sesc Copacabana, em única apresentação em 2024. A temporada carioca acontecerá de 8 a 26 de janeiro, com exibições de quarta a domingo.

Dirigida por Marina Vianna e Caio Blat, a montagem traz diálogos ágeis, cenas intensas e um elenco diverso. “Sabíamos de cara que não seria possível dar conta do romance inteiro, então o primeiro desafio foi entender o que é essencial dessas mil páginas pra gente conhecer a trama e os personagens”, conta Caio. “A nossa adaptação fez uma opção radical de seguir só os três dias em que a tragédia se desenvolve. A gente acreditou que a partir da urgência e da loucura dos personagens nesses três dias, é possível conhecer a personalidade de cada um. A partir daí, o desafio foi sintetizar numa peça rápida, vertical e vertiginosa os principais temas, e revelar a alma de cada um dos personagens”, completa.

O elenco é formado por Babu Santana, Luisa Arraes, Sol Miranda, Nina Tomsic, Pedro Henrique Muller, Lucas Oranmian, além dos diretores Caio e Marina, que também atuam. Na encenação, a escolha do elenco não se ateve ao gênero dos artistas em relação aos personagens descritos. “Dostoiévski é, se não o maior, um dos maiores autores sobre a alma humana. São questões que não poderiam ser restritas a um gênero. Então a gente quis borrar essas fronteiras, mas as mulheres não estão interpretando homem, e os homens não estão interpretando mulher. Aqui são atores e atrizes fazendo seres humanos. O que prevalece sobre um personagem não é se ele é homem ou mulher, mas sim o que ele está buscando, qual é sua ânsia, qual é sua fúria. São questões de cada ser humano”, explica a atriz Luisa Arraes.

Ambientado na Rússia pré-revolucionária, o espetáculo traz para o palco temas atemporais como culpa, justiça, autoritarismo e a busca por libertação de figuras opressoras, simbolizada no desejo dos filhos de destruir o pai corrupto. O espetáculo explora essas questões com linguagem acessível e popular, aproximando-se dos temas que assolam a sociedade brasileira. “Todos os aspectos sociais da Rússia czarista que estão no texto – o abismo social, o patriarcado, o autoritarismo, a religião decadente que explora e ilude o povo – podem ser perfeitamente compreendidos pelo brasileiro hoje. A gente não precisou fazer nenhuma transposição, nem nenhuma grande pesquisa sobre a Rússia czarista, todos os símbolos que estão na peça são facilmente reconhecidos por qualquer plateia”, observa Caio Blat.

Além do elenco, estarão em cena os músicos Arthur Braganti (também diretor musical do espetáculo) e Thiago Rabello; as artistas intérpretes de libras Juliete Viana e Maria Luiza Aquino; e Sofia Badim, assistente de direção que também apoia o elenco, compondo um grupo heterogêneo de 13 atores que se revezam para contar essa história, ora em coro, ora individualmente, com seus corpos e funções diversos.

O espetáculo Os Irmãos Karamázov foi contemplado pelo edital Sesc Pulsar 2023/2024 e conta com patrocínio da Compass.UOL através da Lei Rouanet / Ministério da Cultura.

A adaptação é fruto de 10 anos de estudo de Caio Blat e Manoel Candeias sobre a obra de Dostoiévski e o romance, além de quatro meses de um intenso processo criativo, com o elenco e o grupo de artistas envolvidos para a realização do espetáculo. Isabela Capeto assina a direção de arte e o figurino; Amália Lima, a direção de movimento; Arthur Braganti, a direção musical e trilha sonora original; Gustavo Hadba e Sarah Salgado, o desenho de luz; Moa Batsow, a cenografia; Raissa Couto, a acessibilidade criativa; com a direção de produção de Maria Duarte.

Embora hoje seja considerado erudito, Dostoiévski foi um escritor popular e acessível. O romance Os Irmãos Karamazov foi publicado originalmente como folhetim, uma novela em capítulos no jornal. A montagem pretende popularizar o escritor e a sua obra no Brasil. Segundo Maria Duarte, para se produzir um espetáculo para o grande público, além da proposta artística da encenação, é preciso pensar na acessibilidade de fato. “É isto o que me move nesse projeto desde o primeiro dia: realizar um espetáculo realmente acessível. Isso implica olhar para a acessibilidade não como uma contrapartida, um problema a ser resolvido, um recurso a ser inserido depois da criação. E sim uma lente a mais para os criadores, que inspira e amplia possibilidades. Essa foi a minha proposta para a direção e toda a equipe envolvida. Quis trazer intérpretes atrizes para a cena com o elenco, e não tradutores de Libras numa lateral do palco. E o que parecia no início um problema, abriu uma explosão de ideias nesse processo, emocionante de ver”, completa a diretora de produção.

Os Irmãos Karamázov - Foto Lorena Zchaber

Os Irmãos Karamázov – Foto Lorena Zchaber

A acessibilidade como pilar criativo

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), há mais de 1,3 bilhão de pessoas com deficiência em todo o mundo. “É urgente encararmos este assunto, e considerarmos a acessibilidade como premissa da criação de um espetáculo, um show, um evento, um livro, qualquer produção cultural. Não é mais possível, em pleno 2024, se cogitar produzir um espetáculo teatral ignorando essa parcela da população”, afirma Maria. A produtora propõe a criação de um projeto inovador e ousado, que pensa a acessibilidade criativamente, entrelaçada de forma orgânica com a dramaturgia e a encenação. Todos os pilares criativos do espetáculo foram convocados – do figurino à comunicação – para o desafio de criar um espetáculo para todos, de fato.

Fugindo do literal e do óbvio, a montagem inclui artistas intérpretes no elenco e o uso da língua brasileira de sinais nos diálogos e na composição do gestual da encenação, além de soluções que incluem efeitos sonoros, suportes táteis, comunicação acessível e outras iniciativas inéditas. Para esse desafio, o projeto conta com a direção de Raíssa Couto e o envolvimento de uma equipe de consultores, com e sem deficiência, envolvidos desde o início do processo criativo. “Trabalho há quase 15 anos com acessibilidade e anticapacitismo e nunca recebi um convite parecido como este para um projeto que não tem essa temática”, comenta Raíssa.

A produção envolveu artistas com deficiência, que atuaram ativamente no processo criativo desde a montagem do espetáculo, como a consultora Moira Braga e a bailarina intérprete Maria Luiza Aquino.

Assim como a criação do espetáculo, a divulgação também considera a acessibilidade integrada. A proposta é que pessoas com deficiência também se sintam convocadas a ir ao teatro, engajando um público ainda mais amplo na formação de plateia. Nesse contexto, o projeto conta com a parceria de instituições como o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), o Instituto Benjamim Constant (IBC) e o Conselho da Pessoa com Deficiência do Município do Rio de Janeiro, bem como artistas influenciadores com deficiência.

Figurinos como obras de arte e uma nova forma de fazer

Isabela Capeto assina a direção de arte e figurino do espetáculo, fazendo coro à linguagem contemporânea e inovadora proposta pela direção. Reconhecida pelo maximalismo e o uso abundante de cores em suas coleções, Isabela apresenta um conjunto de figurinos brancos, produzidos artesanalmente, a partir de material de origem sustentável.

A criação dos figurinos partiu da sugestão da obra “Branco sobre Branco”, de Malevich, além de outras referências visuais sugeridas pelos diretores Caio Blat e Marina Vianna, e mobilizou a estilista para uma imersão sobre o romance e os personagens. “Experimentamos uma nova forma de fazer. Desde o começo, foi colocado pela Maria (Duarte) a proposta de construir junto. Estou acompanhando todo o processo criativo dos atores desde o início, nas primeiras leituras e nos ensaios diários. É diferente de uma figurinista que faz o figurino, entrega e ponto. Tem uma relação. Eu quero ir a todos os espetáculos!”, conta.

Visando a economia de recursos e considerando os impactos negativos da indústria têxtil no planeta – que, somente no Brasil, gera 175 mil toneladas de resíduos por ano – a produção do espetáculo procurou a Oficina MUDA, empresa que promove a economia circular e a gestão dos resíduos sólidos da indústria têxtil brasileira, para estabelecer uma parceria em prol dos figurinos e do cenário do espetáculo. A proposta foi acolhida com entusiasmo pela fundadora e diretora criativa Larissa Greven, e o que poderia ser visto como uma dificuldade para a equipe de figurino foi o que mais entusiasmou a estilista Isabela Capeto. “Já fiz alguns figurinos, mas nunca me identifiquei tanto com um trabalho. Eles me deram liberdade para fazer o que eu queria. Me disseram, a história é essa, vamos juntos, mas eu fiquei muito livre para fazer o figurino. E ainda aconteceu essa proposta de reutilizar materiais, pensar um figurino sustentável, com restos de tecido e reaproveitamento de roupas, o que é o que eu sei fazer melhor. Quando comecei lá atrás, fazia tudo em cima da customização, está no meu DNA, eu amo fazer! O figurino é todo feito à mão, artesanal. E criamos a partir dos tecidos doados pela MUDA, sobras de materiais de coleções antigas do meu ateliê, o elenco também trouxe roupas velhas para serem aproveitadas. Todos se envolveram, isso é maravilhoso.”

Música como elemento central da encenação

Pensar a música como elemento figurativo do que é apresentado na cena em termos de dramaturgia; produzir pelo som forças que desestabilizem a cena, que abram o sentido, ou que reforcem a presença da dúvida. Essa foi a proposta do diretor musical do espetáculo, Arthur Braganti. “Caio e Marina desejavam que a música, em praticamente toda a extensão da encenação, fosse produzida ao vivo e de dentro da cena. E que os músicos estivessem integrados à cena, numa qualidade de atores e escritores imediatos. De fato, o processo de criação da música se deu em sala de ensaio. Eu e Thiago Rebello nos munimos de teclas, das cordas da guitarra e instrumentos percussivos e observamos, acompanhando e experimentando desde o começo do processo, numa prática absolutamente integrada com tudo que compõe a cena: texto, gesto, silêncios, intervalos, vazio e preenchimento. Já de antemão sabíamos que esta experiência integrada deveria acontecer multilateralmente, ou seja, os músicos como atores e escritores da cena, e também os atores produzindo o desenho de som, eventualmente assumindo instrumentos e desenhando a malha sonora com as suas vozes em coro.”

A polifonia na montagem teatral

Segundo Mikhail Bakhtin, filósofo e pensador russo, teórico da cultura e das artes e pesquisador da linguagem humana, Os Irmãos Karamazov é um acontecimento literário polifônico. A imagem da polifonia, conceito originalmente desenvolvido na música, se refere às múltiplas vozes e perspectivas que colidem sem um único ponto de vista dominante, como a do narrador, tradicionalmente. Esta característica marcante da obra de Dostoiévski norteou a criação cênica e toda a direção musical do espetáculo.

“A gente transformou a literatura numa peça coral, uma peça coletiva em que as vozes se sobrepõem, cada personagem que entra em cena toma a narrativa do outro, e se torna o narrador por algumas cenas, depois outro personagem toma a voz. E em algumas situações as vozes começam a se sobrepor, a ecoar: repetições de frases de personagem para o outro. Tem ainda a Libras dentro de cena, como outra voz para o mesmo texto. Até literalmente o canto polifônico que abre a peça, uma canção russa de um canto polifônico ortodoxo, voltando às origens do texto”, comenta Caio. “E a dramaturgia da música que está em cena. As várias camadas sonoras: as palavras do texto, do Dostoiévski e as palavras de dentro de cada personagem, que ecoam, que multiplicam ruídos, murmúrios… Os gestos que também podem comunicar”, complementa a diretora Marina Vianna.

De forma contemporânea e também inovadora, a montagem espera levar para os palcos a polifonia característica da obra de Dostoiévski.

Arte para transformação social

Buscando a aproximação de vozes variadas e plurais do universo do autor, o projeto pretende compartilhar a pesquisa e a experimentação cênica com jovens e grupos de teatro que estão nas chamadas periferias da cidade do Rio de Janeiro, de modo a expandir as opiniões sobre o autor e sua obra.

Durante a temporada do espetáculo no Sesc Copacabana, serão oferecidas oficinas criativas com os diretores e elenco do espetáculo, em que o grupo poderá compartilhar a pesquisa sobre a obra do autor e promover reflexões e experimentações cênicas com o público participante. As atividades serão realizadas nos dias 14 e 21 de janeiro na unidade do Sesc Copacabana, e contará com a parceria da Secretaria da Juventude do Rio de Janeiro. Além do apoio logístico, a Secretaria vai mobilizar jovens líderes nas comunidades do Rio de Janeiro que participam do Projeto Pacto pela Juventude, desenvolvido em parceria com a Unesco.
Visando contribuir para a formação de plateia, o projeto prevê, ainda, a realização de ensaio aberto no teatro para estudantes de escolas públicas e integrantes de projetos sociais, bem como duas rodas de conversa sobre o processo criativo, que também acontecerão na unidade do Sesc Copacabana.
Para participar das atividades, os interessados devem ficar atentos ao perfil do espetáculo no Instagram (@OSKRMZV), onde serão divulgados em breve todos os detalhes.

Sinopse

O espetáculo se passa na Rússia pré-revolucionária e acompanha as disputas entre os irmãos Karamázov e seu pai, Fiódor, pela herança da família e pelo amor da mesma mulher. Nesse caldeirão explosivo de ressentimentos familiares, cada um dos irmãos colabora de sua maneira para o mais temido desfecho: o assassinato do pai tirano com a participação ou omissão de cada um de seus filhos.

Serviço

Os Irmãos Karamázov

De Fiódor Dostoiévski
Direção: Marina Vianna e Caio Blat
Dramaturgia: Caio Blat e Manoel Candeias
Direção de Produção: Maria Duarte
Produção Artística: Luisa Arraes
Elenco: Babu Santana, Caio Blat, Lucas Oranmian, Luisa Arraes, Marina Vianna, Nina Tomsic, Pedro Henrique Muller, Sol Miranda. Músicos: Arthur Braganti, Thiago Rebello. Artistas intérpretes: Juliete Viana, Malu Aquino. Coro: Sofia Badim.
Estreia: 18 de dezembro de 2024
Temporada: entre os dias 8 e 26 de janeiro de 2025
Dias da semana: de quarta a domingo
Horário: 20h
Local: Arena do Sesc Copacabana
Ingressos: R$ 7,50 (associado do Sesc), R$ 15 (meia-entrada), R$ 30 (inteira)
Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160, Copacabana, Rio de Janeiro – RJ
Informações: (21) 2547-0156
Bilheteria – Horário de funcionamento:
Terça a sexta – das 9h às 20h;
Sábados, domingos e feriados – das 14h às 20h.
Classificação indicativa: 16 anos
Lotação: Sujeito à lotação
Gênero: Teatro

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