A história do icônico vinil “Cadáver pega fogo durante o velório” que completa 40 anos

Pellon e o Disco - Foto; Divulgação/Antonio Batalha.

Passados 40 anos do seu lançamento, em 1984, o icônico disco em vinil Cadáver pega fogo durante o velório, do compositor Fernando Pellon continua sendo citado na lista dos melhores trabalhos autorais independentes da música popular brasileira. No mês de setembro o disco vai ser celebrado, por meio da aparição do compositor como personagem do audiodocumentário “A voz do morto”, do podcast “Histórias vizinhas”, criado pelo roteirista mineiro Felipe Ivaniscka.

O disco foi finalizado em 1983, mas só foi lançado no ano seguinte porque teve a música “Com todas as letras” vetada pela Censura do regime da ditadura militar (1964-1985), e só foi liberado depois da via-crucis que o compositor teve que percorrer para liberá-lo. E isso só aconteceu após a intervenção do musicólogo e pesquisador Ricardo Cravo Albin no Conselho Superior de Censura (órgão oficial do Ministério da Justiça, que funcionou entre os anos de 1967 e 1987), que deu o parecer favorável para a sua liberação.

Esse episódio é citado no artigo “Canção e morte em tempos de abertura política autoritária: os fúnebres sambas de Fernando Pellon”, do professor da Universidade de Brasília (UnB) Jefferson William Gohl, que afirmou que a canção “Com todas as letras”, cujo tema suicídio foi alvo do poder censório, “permite entrever um modo de tratar os temas da morte e ao mesmo tempo compreender as dinâmicas da repressão no Brasil dos anos 80”.

Cadáver pega fogo durante o velório é um disco antológico, um trabalho musical de referência de Fernando Pellon, que foi produzido durante a fase mais criativa do coletivo de artistas Malta da Areia, do qual ele fazia parte, que reunia poetas e músicos, em Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Com produção do jornalista e crítico de música Roberto M. Moura (1947-2005) e direção musical do violonista João de Aquino (1945-2022), o disco foi lançado pelo selo independente Vento de Raio e ganhou o troféu Chiquinha Gonzaga, da Associação dos Produtores Independentes de Discos (APID).

O primeiro dos quatro discos da carreira de Fernando Pellon, o vinil reúne um repertório de nove canções, entre sambas e choros, que o compositor criou com os parceiros Paulinho Lêmos (cantor e violonista) e Renato Costa Lima. As vozes são do próprio Fernando Pellon, com as participações especiais de Paulinho Lêmos, Sinval Silva, Nadinho da Ilha e Cristina Buarque. Na base instrumental estão os músicos Raphael Rabello (violão sete cordas), Helvius Vilela (piano), Marcelo Bernardes (sopros), Oscar Bolão (bateria) e o violonista João de Aquino.

A capa do disco é uma obra de arte, criada a partir de manchetes do noticiário policial e de drama social factual do antigo jornal Ultima Hora, cujas reportagens dialogam com as temáticas das letras das músicas do disco. O projeto gráfico foi considerado ousado para a época, principalmente porque traz as fotos dos cinco intérpretes do repertório simulando cartazes de procurados pelo regime da ditadura do golpe militar de 1964.

O texto de apresentação foi escrito pelo crítico musical Tárik de Souza. “Fernando Pellon vai chocar essa hipocrisia generalizada (na MPB) vendida com rótulo de bom gosto e status… Dá nome às doenças como fazia Augusto dos Anjos… Quem quiser que se assuste com Fernando Pellon… Aldir Blanc também poderia ter assinado algo tão flagrante como ‘Carne no jantar’ (uma das faixas do disco). E por aí afora, só para que não se pense que Fernando Pellon é um estranho no ninho ou um alienista fugaz”.

O disco fez parte da série on-line da Multimistura – Rádio UFMG Educativa, como um dos quatro discos brasileiros “clássicos, importantes e influentes” de cada ano, a partir de 1965. Nesta seleção, Fernando Pellon aparece ao lado de Gang 90 & as Absurdettes, João Penca e Seus Miquinhos Amestrados e Ritchie.

Cadáver pega fogo durante o velório é um disco que faz história e sobrevive ao tempo. Chama atenção pelo repertório inusitado e transgressor, cujas letras das composições revelam um compositor que se recusa em ficar na zona de conforto na hora de compor, no lugar comum, no convencional normalmente exigido pelo mercado fonográfico. Ele flerta com a morte e se importa com as dores dos oprimidos, por meio dos versos de seus sambas fúnebres e também bem-humorados.  

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