A vontade de lançar um EP com as composições do seu repertório que estão na trilha sonora do cultuado curta-metragem “É Miquelina, minha mulher”, da diretora e roteirista Fátima Lannes, é uma ideia que o compositor Fernando Pellon vem amadurecendo com grande motivação, porque com essa produção musical ele pretende celebrar, com destaque, as parcerias do período de criação que compartilhou com o coletivo artístico Malta da Areia, no Rio de Janeiro, na década de 1980, que ele considera como uma das temporadas mais criativas da sua trajetória artística.
Quando fala no assunto, Pellon recorda o samba ‘Álibi vulgar”, dele (letra) com o violonista Paulinho Lêmos (melodia), que não foi gravado na trilha do filme, mas cuja letra é o único diálogo do personagem interpretado por Laert Sarrumor, integrante do grupo musical paulistano Língua de Trapo.
O lançamento oficial de “Álibi vulgar” ocorreu no álbum “Medula e osso” (2023), na voz do próprio Fernando Pellon. “Este samba foi composto no começo da década de 80 do século passado. É mais uma parceria minha com Paulinho Lêmos no âmbito da Malta da Areia”, disse Pellon. “Esta música, no entanto, não foi tocada na trilha sonora (do curta-metragem).”
A letra de “Álibi vulgar” fala de traição, morte e, se mal interpretada, pode até parecer que Pellon tinha se inspirado em uma dessas crônicas que a gente vê noticiadas todos os dias na imprensa no noticiário policial, onde o marido traído pensa em tirar a própria vida e ainda deixar uma boa pensão para a esposa infiel.
Pode me apunhalar
Pelas costas, se quiser
Perpetrar mais uma traição
Se lhe aprouver
Prometo
Vou-me descuidar
Da janela cair
Ou me intoxicar
Na verdade, o motivo que inspirou Fernando Pellon a compor a letra é outro. “A inspiração foi justamente na mensagem final deixada pelo eu lírico (como os versos abaixo), de que sua mulher lhe fosse devotamente fiel, mesmo depois de seu falecimento, com uma conotação de fervor ou compromisso quase religioso a esse sentimento de posse post-mortem”, disse Pellon.
Não lhe exijo sacrifícios
Só lhe rogo paciência
Luto e continência
Durante toda
A minha ausência
Pellon lembrou que há muitas composições de sua autoria que tratam da decadência do patriarca. Um tema que ele já havia abordado no disco “Cadáver pega fogo durante o velório”. A Fátima Lannes reuniu, então, algumas composições ainda inéditas, para elaborar a trilha sonora do curta-metragem e selecionou “Rigidez cadavérica”, “Crime hediondo”, “Jardim da Saudade” e “Não é bem assim”, músicas que foram posteriormente regravadas no disco “Aço frio de um punhal” (2010).
“Vale lembrar que a música ‘Flores de plástico ao amanhecer’, incluída no disco ‘Cadáver pega fogo durante o velório”, deu origem à ideia central do roteiro e também remete a tal questão. Esse é o contexto em que ‘Álibi vulgar’ foi composta”, explicou.
Fernando Pellon é autor de um repertório que há décadas vem sendo interpretado por grandes nomes da MPB, como Cristina Buarque, Fátima Guedes, Alice Passos, Mariana Bernardes, Marcos Sacramento, Mariana Baltar e Rose Maia. O seu último álbum “Medula e osso” ganhou as participações de Moacyr Luz, que gravou o samba “Ruínas da cidade”, e da cantora Luísa Lacerda, que interpreta a faixa “Via oral”.
O compositor revela que a música que produz tem a ver com a influência da pluralidade de gêneros musicais que ele ouvia nas rodas que eram organizadas no quintal da sua própria casa, em um bairro da zona norte do Rio. “Sim, a sonoridade advinda das serestas no quintal de minha casa no Grajaú é o caldo de cultura que forneceu os nutrientes essenciais para meu crescimento como compositor popular, com pitadas de Nelson Rodrigues, Jards Macalé e Aldir Blanc.”
Ouça “Álibi vulgar” no link: https://open.spotify.com/intl-pt/track/5j3ZOnjQDHGcQxcwjEeZoi?si=d0e6a815fd7e461e