Após passar por dois dos maiores eventos de artes cênicas do Brasil, a MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo e o Festival de Teatro de Curitiba, o solo TRAVA BRUTA, de Leonarda Glück, ganha uma nova temporada em São Paulo, no Sesc Belenzinho, entre os dias 22 de julho e 7 de agosto.
O espetáculo é um manifesto que parte da experiência transexual da autora, e estreou em 2021, ano em que a artista celebrou seus 25 anos de carreira, propondo uma ponte e também um contraponto entre o contexto artístico e a atual conjuntura política e social do Brasil no campo da sexualidade.
Com ampla trajetória no campo das artes cênicas brasileiras, Leonarda fundou importantes coletivos nacionais como a Companhia Silenciosa e a Selvática Ações Artísticas e apresentou seus trabalhos em diversos países da Europa e América Latina. Esta é, porém, a primeira vez em que a artista aborda exclusivamente a questão da transexualidade em uma de suas criações. Para tanto, o espetáculo busca tensões entre a ficção e a realidade, costurando diversas camadas de artificialidade, como videoprojeções, efeitos sonoros, filtros de redes sociais (que modificam a aparência da atriz em tempo real) e artifícios de figurino, que ora revelam, ora ocultam.
Leonarda conta que começou a escrever o texto para a peça em 2018 em Curitiba, sua cidade natal, antes de se radicar em São Paulo. “Me veio uma possível angústia repentina: a de talvez não ter conseguido em outro momento antes escrever tão intimamente sobre o assunto da transexualidade, e seus efeitos na minha mente e na vida social da qual faço parte”, diz Leonarda, que arrastou por meses a tarefa de terminar o texto.
A direção da obra ficou a cargo de Gustavo Bitencourt, parceiro de Glück há mais de 20 anos. Juntos os dois já desenvolveram criações em performance, dança e teatro, com destaque para Valsa Nº 6, montagem do texto de Nelson Rodrigues premiada pela Funarte, feita em 2012 na ocasião do centenário do autor. A produção é da Pomeiro Gestão Cultural, produtora que realiza a gestão dos projetos de Leonarda.
Quando foi convidado para dirigir o espetáculo, Gustavo Bitencourt ficou com um pouco de medo. “Porque era um texto que falava muito da experiência dela como mulher trans no Brasil. Onde é que eu ia poder contribuir nisso? O que é que eu sei disso? Mas lendo e relendo, fui vendo o quanto esse texto também fala de muitas coisas que dizem respeito a todo mundo, e que era importante que a gente olhasse tanto pro que tem de específico nesse contexto do qual ela fala, quanto pra onde essa história se conecta com outras tantas”. Partindo daí, ele conta que foram entendendo o texto de Trava Bruta como um jeito de falar de coisas que são reais e concretas e nem por isso menos ficcionais.
Leonarda e Gustavo, então, se encontraram na ideia de ficção, como nos diz o diretor. Para Gustavo, o ponto chave da ideia de ficção explorada no trabalho encontra-se no fato de que “algumas ficções são permitidas e outras não. Quando se trata de gênero, as pessoas tendem a ficar muito assustadas”. TRAVA BRUTA desloca o seu olhar para um dos principais dilemas culturais, políticos e sociais de hoje: a ideia da diversidade. Neste caso, ela se refere muito mais ao lugar ocupado pelas pessoas trans na sociedade brasileira e mundial. Leonarda é enfática: “Chego aqui com a certeza de que o herói macho branco, heterossexual, cristão e suas ideias precisam urgentemente ser substituídos, trocados ou mesmo revisitados por outros ângulos. Estão chatos. De alguns eu ainda gosto muito, mas estão chatos.”A temporada do trabalho no Sesc Belenzinho possui um caráter especial para o espetáculo, como conta Igor Augustho, coordenador de produções da Pomeiro Gestão Cultural: “Nossa temporada de estreia em 2020, teria 20 apresentações. Em função da pandemia, acabamos realizando presencialmente apenas seis delas, já em 2021. Depois passamos pelo Festival de Curitiba e pela MIT, em apresentações pontuais, e o retorno do público foi bem interessante. Estamos muito contentes em voltar para São Paulo agora e ter mais chances de fazer com que o público paulistano assista à peça.”