Autismo e sexualidade. Com o sexólogo Frederick Parreira

 

 

 

 

 

 

Recentemente conversei com o  psicanalista e sexólogo

Frederick Parreira , de Juiz de Foea , MG. Ele nos contou um pouco sobre sexualidade e também sobre esse assunto relacionado ao TEA. Vamos lá:

Marcos: Fale sobre você, sua formação e seu trabalho.

Frederick : Sou psicanalista clínico e sexólogo. Especialista em saúde mental e pós graduado em oscologia social da imagem pela pela USP e graduando em ciências e tecnologia de alimentos IFMG

Marcos : O que faz o sexólogo?

Frederick : Bom, primeiramente, para tornar-se sexólogo(a), é preciso fazer uma pós-graduação em sexologia. Na minha experiência, a maior parte da minha turma era da área da saúde, como médicos, fisioterapeutas e psicólogos. Um sexólogo trabalha com saúde sexual, estuda a história da sexualidade e seus vários tópicos, discutindo assuntos da atualidade e demandas da sociedade. Existem cursos que abrangem temas mais teóricos e cursos que focam na chamada “terapia sexual”, em que a prática é ensinada a partir de técnicas e instrumentalizações específicas. Em ambos os casos, o objetivo é ajudar as pessoas a buscarem autoconhecimento e, consequentemente, diagnóstico e tratamento para possíveis disfunções sexuais, problemas conjugais, etc. Esse profissional pode trabalhar levando a escolas, instituições e demais eventos a importância de debater e informar as pessoas acerca da sexualidade.

Marcos: O que é sexualidade?

Frederick : Tudo. Bem abrangente, eu sei, mas é real. Sexualidade vai muito além do ato sexual. Envolve identidade de gênero, orientação sexual, sexo biológico, papéis sociais, erotismo, prazer, intimidade e reprodução. Ela pode ser expressa através de pensamentos, fantasias, desejos, crenças, atitudes, valores, comportamentos, práticas, relacionamentos, etc. Basicamente é o eixo central de todo o ser humano, do qual irá acompanhar o desenvolvimento e a expressão da individualidade, desde a infância até a velhice. É a forma de ser e estar das pessoas do mundo.

Marcos : Por que isso é um tabu tão enorme na sociedade? Por que é ainda maior com pessoas com deficiência?

Frederick : Para entendermos melhor o tabu em relação à sexualidade, precisamos voltar alguns capítulos na história. Séculos atrás, nas épocas nômades, o sexo era livre e instintivo. Envolvia a busca pelo prazer e a saciação de um desejo que poderia ser comparado com o da fome ou da sede. Com a agricultura, caça e demais habilidades adquiridas pelo homem ao longo dos anos, tribos iam se constituindo e se reproduzindo entre si. Apesar de a vida em sociedade começar a nascer daí, nem todas as regras sociais existentes hoje faziam parte do cotidiano daquela época. Para começar, a mulher era vista com outros olhos em algumas culturas. Ela era considerada sagrada, pois dava a vida (gravidez). Os filhos eram da tribo, ou seja, não havia relações monogâmicas. Com o surgimento do cristianismo, guerras e necessidades de defender territórios, as relações começaram a mudar, e os tabus foram surgindo. O que era considerado comum agora não era mais, passando de geração para geração, esse medo de falar sobre sexo, sexualidade e busca por prazeres carnais e emocionais. Na deficiência, isso se agrava pelo fato de que pessoas com deficiência são vistas pela sociedade como incapazes e, dessa forma, ficam marginalizadas diante de questões que envolvam sexualidade e relacionamentos interpessoais. Subestimadas, ignoradas e até silenciadas, deixam de receber, muitas vezes, a estimulação necessária para o desenvolvimento de suas autonomias.

Marcos: O que são orientação sexual e identidade de gênero?

Frederick : Bom, vamos lá: esse é um assunto que daria para falar por horas e, ainda assim, teríamos papo. Ele é bem diverso e dinâmico, mas tentarei resumir à priori. Podemos dividir didaticamente o ser humano em três partes: sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual. Sexo biológico tem a ver com a genitália e características secundárias do corpo. Podemos ser homens (com pênis, próstata, barba, etc), mulheres (com vulva, vagina, útero, etc) ou intersexo (pessoas que têm características físicas de ambos os sexos – hermafroditas). Na identidade de gênero, falamos exatamente sobre identidade (a forma como você se apresenta para o mundo, independente do seu corpo físico), tendo as seguintes possibilidades: cisgênero (pessoas que se identificam com seu gênero de nascença), transgênero (pessoas que não se identificam com seu gênero de nascença) e não-binárias (pessoas que transitam entre o gênero feminino e masculino ou criam um terceiro gênero). Por fim, a orientação sexual pode ser definida como o desejo sexual e/ou afetivo que as pessoas têm umas pelas outras, sendo elas: heterossexualidade (homem e mulher), homossexualidade (homem e homem, mulher e mulher), bissexualidade (uma pessoa que se relaciona com os dois gêneros binários – homem e/ou mulher), pansexualidade (pessoas que se relacionam com pessoas independente de sua identidade de gênero) e assexualidade (pessoas que não têm atração sexual, mas podem ter atração afetiva). Lembrando que estou dando uma pincelada geral no assunto. Existem muitas nuances dentro da expressão e vivência da sexualidade.

Marcos: Quais são as dificuldades mais comuns em relação à sexualidade de pessoas com TEA?

Frederick : Relacionamento. Relacionar-se interpessoalmente é, com certeza, uma das grandes dificuldades de pessoas com TEA. Essa troca com o outro costuma gerar muita angústia e incômodo quando chega a adolescência e vida adulta, em que os namoros começam a surgir como uma necessidade social e até pessoal. Toques nem sempre são bem-vindos, a depender da sensibilidade física e sensorial. A comunicação costuma gerar ansiedade na hora de paquerar ou mesmo fazer amizades. A orientação sexual pode ser confusa, pois ela se desenvolve a partir da troca de experiências com o outro. Quando deixamos de olhar para dentro de nós mesmos e nos interessamos pelo mundo alheio, abrimos espaço para desejos, eróticos ou não, mas que motivam a busca por relacionamentos. É por isso que nem sempre pessoas com TEA têm certeza quanto à sua orientação sexual. Muitos se autointitulam como assexuais, pois o ato sexual não lhes desperta interesse. Isso não quer fizer que a pessoa não possa namorar ou casar, pois alguns se apaixonam e mantêm relacionamentos afetivos apenas. A sexualidade do TEA é neurodiversa, isto é, possui um desenvolvimento e funcionamento diferente da sexualidade de pessoas típicas. Mesmo assim, ela não deixa de ser diversa!

Marcos: De que forma alguns autistas podem se beneficiar da terapia sexual?

Frederick : Bom, novamente, cabe um mundo nessas demandas. Em crianças e adolescentes, uma queixa muito comum vinda dos pais é a masturbação em excesso ou mesmo a busca por conteúdo pornográfico. Entram em hiperfoco e buscam um prazer exacerbado, que acaba comprometendo o convívio social e até a saúde física. O que mais podemos trabalhar numa terapia sexual em pessoas com TEA são o treino de habilidades sociais, a educação sexual, orientando e sanando possíveis dúvidas desses pacientes, e o desenvolvimento do autoconhecimento, ajudando essa pessoa a entender seus desejos, respeitar seus limites e aprender a se relacionar interpessoalmente.

Marcos : Já teve alguma experiência profissional com paciente autista? Como foi? Há alguma diferença em relação a outros pacientes?

Frederick : Já, sim. Na verdade, a maioria (se não todos) veio através da Clínica Integrada Mais Saúde. Já que Luciana Xavier é especialista em autismo, costumamos trabalhar juntas nesses casos. Nos meus primeiros atendimentos, confesso que tive certa dificuldade. Sou expressiva, me mexo muito em sessão (trocando a perna de lugar ou passando a mão no cabelo), o que faz com que a atenção do paciente se perca em alguns momentos. Além disso, gosto muito de usar analogias e ditados populares em sessão, e nem sempre eles compreendiam do que eu estava falando. Mas todo profissional de saúde passa por desafios até aprimorar suas técnicas. O crescimento numa psicoterapia, juntamente com um indivíduo com TEA, é lindo. Tanto o psicólogo como paciente aprendem demais! E, sim, cada paciente é um universo. Apesar de estarem dentro do espectro, a personalidade é única, e o manejo clínico também.

Marcos: O que é importante que não só a família, mas a sociedade geral saiba sobre a sexualidade no TEA?

Frederick : O essencial é que pessoas com TEA têm sexualidade! Infelizmente, por estarem fora do “padrão social”, acabam passando despercebidas diante de um assunto tão importante. Todos temos o direito de vivenciar e experienciar nossa sexualidade, tendo acesso à informação para nos prevenir de possíveis patologias, promovendo saúde física, mental e sexual.

Marcos : Você tem um projeto envolvendo sexualidade e TEA. Poderia contar um pouco sobre isso, de sua importância e objetivo?

Frederick : Bom, tenho, sim! Mas alguns deles ainda são segrado (rsrsrs). Pelo simples fato de que ainda estão “no papel”. Agora, uma novidade que já lhes adianto é que, este ano, iremos abrir alguns grupos terapêuticos com o tema Sexualidade Neurodiversa lá na Clínica Integrada Mais Saúde! A importância é toda: dar voz e escuta para pais, cuidadores e educadores que lidam com pessoas com TEA, ajudando-os a serem coautores do trabalho que fazemos na clínica. Para além disso, claro que pretendemos fazer grupos para adolescentes e adultos TEA discorrerem sobre sexualidade, tirando dúvidas e trocando ideias.

Foi muito bom conversar com o  Frederick ! Espero que tenham aprendido tanto quanto eu! Vocês podem seguir o Frederick na rede social Instagram: @psifredmartinsoficial.