Baque é, segundo o dicionário, o atrito provocado entre um corpo e algo sólido. Baque também pode significar um revés, um contratempo ou um dissabor. Para o jornalista israelense Tom Orgad, baque é o resultado do espanto com algo totalmente diferente da sua realidade. A realidade é, no caso, Israel, seu país de origem, e o baque – uma série deles, na verdade – dá-se a partir da sua mudança para o Brasil. Tom dedicava-se ao estudo de cultos xamânicos para seu doutorado quando decidiu sair em campo. Sua primeira parada no país foi no Acre. Ele não esperava que outro baque – o do samba – mudasse sua vida. Nascido numa família de músicos, sendo ele próprio violonista, encantou-se pelo violão de sete cordas. Do Norte do país rumou para o Rio de Janeiro, berço do gênero, onde se aprofundou nos estudos da nossa música, passando a conciliar os trabalhos no jornalismo (ele é correspondente da Kan, rádio estatal israelense) com o de músico. As vivências do jornalista não são poucas e inspiraram uma série de contos, escritos em bom português, nos quais ficção e realidade, invenção e memória misturam-se. Os textos estão agora reunidos em Baque, seu livro de estreia, que chega às livrarias em maio pela 7 Letras.
Em Israel, o alistamento militar é mais do que um ato cívico; dogmático em razão dos conflitos vizinhos. Pacifista e humanista, Tom usa de caôs para liberar-se da rotina de treinamentos puxados. Magérrimo após abdicar da própria alimentação, tem numa consulta médica sua atenção chamada para o fato de estar mancando – fato pelo qual não esperava. Ao narrar seu calvário no Exército, cheio de reviravoltas, Tom acaba por expor pontos de vista relacionados a questões ideológicas e maniqueístas do seu país natal. Esse olhar crítico e contundente o acompanha na vinda ao Brasil, inspiração para os demais relatos da coletânea.
“Tem um israelense aqui?”, brada o policial federal aos estrangeiros na sala de espera. Tom, que buscava legalizar sua estada no país, é escalado como intérprete e, touché, acaba por fazer um favor ao funcionário aduaneiro. O golpe de sorte é apenas uma das reviravoltas surpreendentes que acontecem durante suas peripécias por plagas brasileiras. Uma fina ironia permeia as narrativas, como a do festival do qual participou e que, na última apresentação, os chicletes oferecidos ao público viraram, após mascados, inesperados objetos de cena.
A fina ironia não abandona o narrador em momento algum. Alguns relatos são, por eles mesmos, deliciosos episódios anedóticos. Um exemplo é o a da reunião sobre massagem tântrica da qual acabou expulso. Outro episódio divertidíssimo é o das travessuras cometidas pelos pais – um músico e uma ex-hippie – relacionados ao uso recreativo da canabis nas ocasiões em que vieram visitar o filho.
Há momentos hilariantes e outros em que a barra pesou. E Tom não poupa nada e ninguém. Ele passa pela perseguição por uma vizinha, da qual foi vítima, trata do surto psicótico que sofreu e dos episódios, regados a álcool e drogas, em que fez samba (e amor) até mais tarde.
Tom Orgad tem 41 anos e já viu (e sentiu na própria pele) o que Tom Jobim (1927-1994) imortalizou ao constatar que o Brasil não é para principiantes. E suas vivências deram um livro. E não um livro qualquer, mas uma coletânea de narrativas no limiar entre o relato factual e o ficcional, muito bem realizadas por um jornalista estrangeiro. Basta saber narrar um fato – e isso Tom Orgad sabe bem.
O autor:
Tom Orgad (1981) é jornalista, escritor, violonista radicado no Brasil e, desde 2015, trabalha como correspondente da Kan, rádio estatal israelense na América Latina. É integrante do conjunto de samba Casa de Marimbondo e, como músico, já dividiu o palco com grandes nomes do gênero como Nelson Sargento (1924-2021), Tia Surica, Teresa Cristina, Moacyr Luz, Pedro Luís, Alfredo Del-Penho, Pedro Miranda e Moyses Marques, entre outros.
Título: Baque
- Autora: Tom Orgad
- Editora: 7 Letras
- Lançamento: maio de 2023
- Formato: 14 X 21cm
- Número de páginas: 160
- Preço: R$ 67