Brilliant Minds: a série baseada na vida real do neurologista Oliver Sacks

Meu casal preferido: Wolf & Nichols / Foto: NBC / Montagem: Ana Magal

Confesso que pensei estar saturada de séries médicas. Depois de anos acompanhando dramas hospitalares, achei que nada mais conseguiria me surpreender. Mas algumas produções têm o poder de nos cativar e conquistar de forma inesperada, e Brilliant Minds é exatamente esse tipo de série. A produção da NBC, estrelada por Zachary Quinto, me fisgou não apenas pelos casos médicos intrigantes, mas principalmente pelas interpretações sensíveis e pela construção cuidadosa dos personagens.

Criada por Michael Grassi (de Lost Girl, Supergirl, Riverdale e Pretty Little Liars), a trama acompanha o neurologista Dr. Oliver Wolf, um gênio da medicina que enfrenta uma condição peculiar: a prosopagnosia, popularmente conhecida como “cegueira facial“. Essa doença neurológica, que também afetou o médico real Oliver Sacks (inspiração do personagem), faz com que o paciente tenha dificuldade em memorizar rostos, inclusive de pessoas próximas. Imagine a complexidade de trabalhar como médico sem conseguir reconhecer seus pacientes pelos traços faciais. É esse desafio diário que torna Wolf ainda mais fascinante.

A série amada pela crítica especializada

A série chegou com força na crítica especializada. Variety elogiou o carisma de Zachary Quinto e destacou que “mistérios neurológicos fascinantes, histórias de vida complexas dos personagens e uma verdadeira defesa da mente humana sustentam a série“. O site ressaltou ainda que, embora siga a fórmula do gênero, Brilliant Minds se diferencia pela abordagem humanizada dos casos.

The Hollywood Reporter apontou que a produção “está longe de ser ruim” e funciona melhor quando “a história começa na mente, mas rapidamente chega ao coração“. O crítico Daniel Fienberg observou que se trata de “um drama comovente” que encontra seus melhores momentos na manipulação emocional eficaz, especialmente em episódios centrados em dilemas impossíveis enfrentados pelos pacientes.

The Wrap destacou a importância da representatividade ao notar que Quinto interpreta “um personagem abertamente gay em uma série de horário nobre“, algo significativo considerando que Oliver Sacks, o médico real, só se assumiu meses antes de sua morte, em 2015, quando lançou sua autobiografia intitulada “On the Move: A Life” (no Brasil, lançada como “Sempre em Movimento: Uma Vida”). 

Durante o painel da Television Critics Association, Quinto declarou: “Interpretar um personagem que abraça esse aspecto de si mesmo no mundo moderno, de uma forma tão vibrante, contemporânea e inovadora, é realmente especial“. O ator, que também é abertamente gay, ficou maravilhado em poder ter seu primeiro protagonista LGBT+.




A PARTIR DAQUI HÁ SPOILERS DA 1ª E 2ª TEMPORADA




A inevitável comparação com House

Impossível falar de Brilliant Minds sem mencionar a comparação com Dr. House. Eu, que era uma fanática pela série criada por David Shore, claro que fiquei fanática por Wolf também. As semelhanças são inquestionáveis: ambos são gênios, médicos brilhantes, arrogantes, sarcásticos e donos de uma inteligência acima da média.

House vivia com uma dor crônica na perna que o tornou dependente de analgésicos; Wolf sofre com sua “cegueira facial”. Ambos têm equipes médicas que os seguem, tentando desvendar os mistérios de cada paciente. Ambos sofrem com as burocracias hospitalares, têm problemas com autoridades e se consideram as melhores (e mais inteligentes) pessoas do ambiente.

Ambas as séries também funcionam em tom procedural, com cada episódio apresentando um novo caso médico resolvido no próprio capítulo. Os ganchos (cliffhanger) que ficam para os próximos episódios (ou temporada) geralmente giram em torno da vida pessoal dos personagens. Talvez seja por isso que as pessoas comparam tanto as duas produções, como eu.

O elenco é o que dá vida à história

Zachary Quinto entrega uma performance dominada por uma expressão perpetuamente carrancuda, mas encontra lampejos de humor na estranheza de Oliver Wolf que funcionam perfeitamente. Ele e Tamberla Perry, que interpreta a psiquiatra Dra. Carol Pierce, têm uma química natural que sustenta os momentos mais expositivos da trama.

A dinâmica entre o casal Wolf e o Dr. Josh Nichols (Teddy Sears) merece destaque especial. The Hollywood Reporter observou que Quinto e Searstêm uma ótima química nesse tipo de par romântico, ainda extremamente incomum em relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo na televisão“.

Os residentes sob supervisão de Wolf também se destacam. Ericka (Ashleigh LaThrop), Jacob (Spence Moore II), Dana (Aury Krebs) e Van (Alex MacNicoll) trazem suas próprias histórias e traumas, criando camadas adicionais à narrativa. The Hollywood Reporter apontou que Krebs e LaThrop se sobressaem especialmente entre os jovens médicos, e eu concordo com ele, a dupla dinâmica das amigas é algo bonito de se ver.

A bomba da segunda temporada

O site Collider revelou que o episódio final da primeira temporada trouxe uma reviravolta gigantesca: o pai de Wolf, que todos acreditavam estar morto há 30 anos, estava vivo. Noah Wolf (interpretado pelo lendário Mandy Patinkin, de Criminal Minds e Homeland) reaparece na vida do filho, não por remorso ou saudade, mas porque está doente com uma enfermidade misteriosa e precisa da ajuda de Oliver para se curar.

Essa descoberta abalou profundamente o protagonista. Muriel, mãe de Wolf (Donna Murphy), tentou explicar que ambos os pais acreditavam estar fazendo o melhor para o filho na época, ao inventar a morte do pai para o filho. Foi ideia de Noah fugir, protegendo Oliver de seu transtorno bipolar. Mas para Wolf, descobrir que sua vida foi construída sobre uma mentira de três décadas teve consequências devastadoras, afetando inclusive seu relacionamento com Nichols.

ScreenRant detalhou que Wolf se afasta de Nichols quase imediatamente após o cirurgião lhe dizer “Estou me apaixonando por você“. Em vez de ir ao evento de gala onde conheceria o pai de Nichols, Wolf falta ao compromisso para confrontar Noah, deixando Nichols no escuro sobre os motivos de sua frustração. O futuro do casal ficou incerto, óbvio que não ia terminar bem, e na segunda temporada vimos que não terminou.

O dilema da audiência

Apesar dos elogios da crítica estadunidense, o site brasileiro Mix de Séries apontou que a estreia marcou apenas 3,9 milhões de espectadores, com uma demo de 0,2 entre o público de 18 a 49 anos. Números considerados modestos para uma estreia em horário nobre. No entanto, o site também observou que esse índice equiparou a audiência de The Irrational, que estreou no mesmo horário e conquistou renovação para a segunda temporada.

ScreenRant mencionou que a série possui avaliação positiva de 88% no Rotten Tomatoes, mas também notou que “sua audiência tem caído consistentemente desde o pico inicial de 3,9 milhões de espectadores no primeiro episódio“. Isso levanta questões sobre a sustentabilidade da produção a longo prazo.

A segunda temporada está no ar, mas até agora não há notícias oficiais sobre uma possível terceira. Os números são razoáveis, mas todos sabemos que não é só isso que move o mundo das séries nos Estados Unidos.

A base real que inspira ficção

The Wrap preferiu explicar que Brilliant Minds é inspirada na vida e obra do Dr. Oliver Sacks, renomado médico, escritor e professor britânico que faleceu em 2015, aos 82 anos, de câncer de fígado. Ironicamente, o câncer começou nos olhos (melanoma ocular), o que dificultou ainda mais a vida do gênio da medicina que já convivia com a prosopagnosia.

O produtor executivo Michael Grassi revelou que recebeu dois livros quando lhe apresentaram o projeto: “O Homem que Confundiu sua Mulher com um Chapéu” (1985) e “Um Antropólogo em Marte” (1995). A série adapta casos clínicos desses livros, apresentando-os como pacientes da semana para o Dr. Wolf e sua equipe, reimaginando-os em contexto contemporâneo.

Assim como o Oliver da série, o Oliver real também era abertamente gay, embora tenha se assumido apenas muito mais tarde na vida. Em sua autobiografia “On the Move: A Life” (2015), ele contou todo o drama que passou com a família por conta de sua orientação sexual. Não deixou filhos, mas estava com um companheiro de longa data, o escritor Billy Hayes, com quem viveu um relacionamento de 2009 até sua morte.

Dr Oliver Sacks, o médico que inspirou a série Brilliant Minds – Crédito Getty Images

Os pontos altos e tropeços

A Variety destacou que o episódio 6, “A Garota Que Chorou Grávida“, traz um dos enredos mais interessantes da primeira temporada de Brilliant Minds, envolvendo adolescentes grávidas e o lado místico do TikTok (chamado WitchTok na série). O crítico também elogiou o episódio “The Lost Biker“, focado em Steve Howey como um motoqueiro enfrentando uma escolha cirúrgica impossível.

Por outro lado, The Hollywood Reporter apontou que os elementos serializados são “sem dúvida, seus pontos mais fracos” e eu concordo com ele. Se tá dando certo por que ficar inventando moda. Os flashbacks da infância de Oliver “não revelaram nada que justificasse esse prolongamento“, e o ritmo irregular faz com que o clímax narrativo chegue por volta de dois terços do episódio, “deixando mais de 10 minutos de resolução prolongada” (confesso, não sou muito fã de flashbacks, por isso, demorei tanto a gostar da série This Is Us).

O crítico também observou que a série tropeça quando tenta experimentar fora de sua zona de conforto: “Um episódio é um thriller político com uma mensagem desajeitada sobre a saúde mental de veteranos. Boa mensagem, episódio ruim“.

Minha visão pessoal Dr Wolf e sua equipe

Para mim, que cresci assistindo House e me considerava satisfeita com dramas médicos, Brilliant Minds conseguiu algo raro: me fazer voltar a me empolgar com o gênero. A série não reinventa a roda, mas traz uma sensibilidade diferente na abordagem dos casos e dos relacionamentos.

A prosopagnosia de Wolf não é apenas um “superpoder” narrativo conveniente, como algumas produções fazem com condições neurológicas: é um obstáculo real que afeta sua capacidade de criar vínculos, de confiar nas pessoas, de se relacionar. Ver como ele desenvolve truques para memorizar as pessoas pelas roupas, vozes, maneirismos, traz uma camada de realismo que valoriza a trama.

A comparação com House é inevitável e, honestamente, bem-vinda. Mas Wolf tem algo que House raramente demonstrava: vulnerabilidade emocional. Ele não esconde seus sentimentos atrás de sarcasmo e cinismo da mesma forma. Sua genialidade vem acompanhada de uma empatia genuína pelos pacientes, algo que o diferencia do personagem de Hugh Laurie.

O romance entre Wolf e Nichols também merece aplausos. Ver um relacionamento gay desenvolvido com naturalidade, sem ser o foco dramático principal ou uma declaração política forçada, é refrescante. O drama vem das complicações humanas normais, do medo de se abrir, da dificuldade de confiar. Universal, humano, real.

Vale a pena assistir a série?

Para quem gosta de dramas médicos com profundidade emocional, casos intrigantes e representatividade bem construída, Brilliant Minds é um sim definitivo. Variety resumiu bem: “À medida que mais detalhes da infância e da criação do Dr. Wolf são revelados, e os internos se aproximam, os espectadores podem se sentir atraídos pela série, querendo descobrir qual anomalia neurológica a equipe irá enfrentar em seguida“.

A série tem seus tropeços, especialmente no ritmo e em algumas tramas serializadas (quando tem gancho e se você perder um deles não entende o resto) que se arrastam. Mas quando acerta, entrega momentos emocionantes e personagens tridimensionais que ficam na memória. O elenco está afiado, os casos médicos são bem pesquisados, e a homenagem a Oliver Sacks é respeitosa e inspiradora.

A segunda temporada começou explorando mais a complexa relação entre Wolf e seu pai recém-ressurgido, enquanto Noah luta contra uma doença misteriosa, mas após o novo sumiço do pai, Wolf se vê novamente sem chão e sem confiar novamente nos outros. 

Se a produção conseguir equilibrar esse arco emocional pesado com os casos episódicos que funcionam tão bem, pode ser que Brilliant Minds encontre finalmente o seu lugar entre os grandes dramas médicos da televisão.

Enquanto não sabemos se haverá uma terceira temporada, aproveito cada episódio dessa jornada neurológica e emocional. Afinal, como dizia o próprio Dr Oliver Sacks: “O cérebro nos molda e é moldado por nós — ele é quem somos“.

A série é transmitida pela NBC nos EUA e na Prime Video no Brasil

Minha nota: 9.8/10

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