Chagall e o amor que desafia a força da gravidade

“Marc Chagall: sonho de amor” percorrerá os CCBBs do Rio, Brasília, Belo Horizonte e São Paulo, de março de 2022 a abril de 2023

por Redação

O Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro (CCBB RJ) abre as portas para uma exposição apaixonante – Marc Chagall: sonho de amor. Serão 186 obras desse artista que marcou o século 20 pelo uso revolucionário das formas e das cores, pela criação de um universo lírico, poético e fantástico em suas pinturas e escritos, e por sua trajetória única, pautada pelo amor que devotava à vida e às artes. A mostra fica em cartaz no Rio de 16 de março a 6 de junho de 2022 e depois segue para Brasília (28 de junho a 18 de setembro), Belo Horizonte (12 de outubro a 9 de janeiro de 2023) e São Paulo (1 de fevereiro a 10 de abril de 2023).

“Só o amor me interessa, e eu estou apenas em contato com coisas que giram em torno do amor” – é esta frase célebre de Chagall que de certa forma orienta a exposição. Chagall enfatizava repetidamente que sua vida e arte eram suas formas de expressar amor. Nascido em 7 de julho de 1887 no bairro judaico da cidade de Vitebsk, na antiga Rússia, Marc Chagall viveu uma vida quase centenária, chegando aos quase 98 anos de idade. Faleceu na França, em 1985, após atravessar a Revolução Russa e a 1ª e 2ª Guerras Mundiais, assistir à criação e consolidação do Estado de Israel, e ser reconhecido como um dos nomes mais importantes da arte moderna, sobretudo pela criação de uma linguagem artística única.

Logo na entrada da exposição, o “Sonho de amor” é anunciado pela instalação contemporânea Air Fountain, gentilmente cedida pelo artista Daniel Wurtzel. Nas salas de exposição, o percurso contínuo apresenta uma seleção de obras produzidas por Chagall ao longo da carreira, de onde emergem os temas: origens e tradições russas; o amor e o exílio na representação do mundo sagrado; o lirismo e a poesia, reencontrados em seu retorno à França, e o amor transcendente, uma ode ao sentimento de estar apaixonado, presente na figura dos enamorados que flutuam nas telas ou estão imersos entre ramos de flores.

Na obra de Chagall, o gosto pelas cores só fez aumentar o amor pela vida. Como declarou: “na vida, assim como na paleta do artista, há somente uma cor que dá sentido à vida e à arte: é a cor do amor”. Sua biografia, marcada pela origem humilde e pelos inúmeros obstáculos à sobrevivência, compeliu-o a se mover inúmeras vezes: viveu na França, nos Estados Unidos e na própria União Soviética, onde, após a Revolução Russa, ocupou o posto de Comissário de Belas Artes de Vitebsk, sendo responsável pela vida artística da cidade.

Após breve atuação no cargo, Chagall mudou-se para Moscou, onde trabalhou em 1920 nos painéis e no mural do Teatro Judeu, com grande repercussão naquele contexto. Em seguida, mudou-se para Berlim, onde havia sido reconhecido artisticamente desde 1914, partindo em 1922 para a cidade à qual dirigiu inúmeras declarações de amor e onde viveu a maior parte de sua vida: Paris, cidade em que Chagall atingiu sua plenitude artística.

Em sua trajetória única, Chagall fundiu diferentes culturas: a judaica, sua cultura de origem familiar; a russa, de nascimento; e a ocidental, por escolha. Em uma combinação especial de domínio técnico, respeito pelas tradições ancestrais e extrema sensibilidade na orquestração de formas e cores, abriu caminhos para o surrealismo, estabeleceu diálogo com o cubismo e com o fauvismo, e criou um universo próprio, vibrante e imaginativo. Não menos importante é sua contribuição para as artes gráficas, em que alcançou pleno domínio das técnicas de água-forte e de litografia, produzindo séries gráficas de excepcional beleza e apuro técnico, à altura das obras literárias que as inspiraram. Para Chagall, a Bíblia ainda era a maior fonte de poesia de todos os tempos.

Segundo a curadora da exposição, Lola Durán Úcar, couberam na seleção obras “que mostram diferentes técnicas e suportes que Chagall utilizou com grande virtuosismo: óleos, têmperas e guaches, litografias e água-fortes branco e preto e coloridas à mão”.

“Chagall […] transmite em suas obras uma mensagem de esperança. Se transferirmos essa situação ao momento atual, com pandemia, crise econômica e desânimo generalizado, a arte, a obra de Chagall, sua beleza, sua cor, é um paliativo diante de tanto sofrimento”, completa a curadora.

Entre os trabalhos de Chagall exibidos no Brasil, que contemplam o período de 1922 a 1981, pode-se destacar o raríssimo guache O avarento que perdeu seu tesouro (L’avare qui a perdu son trésor), de 1927, produção que dá início à série gráfica das Fábulas de La Fontaine (Fables, Jean de La Fontaine), encomendada por Ambroise Vollard no final dos anos 1920 e impressa somente em 1952.

Também fazem parte da mostra as gravuras coloridas à mão da série Bíblia, animadas por um sentimento de reconexão do artista com suas origens, com sua essência, com suas experiências na comunidade judaica de Vitebsk. Além disso, a exposição conta com litografias publicadas em 1954 na revista francesa Derrière Le Miroir – Edições 66, 67 e 68 – Marc Chagall: Paris, produzidas como uma homenagem do artista à cidade que tão bem o acolheu, no auge de seu domínio técnico da litografia. A série é uma declaração do seu amor por Paris.

Em cada seção da exposição encontram-se obras emblemáticas, entre as quais podemos citar: Os amantes com asno azul (Les amoureux à l’ âne bleu), de c. 1955, O galo violeta (Le coq violet), de 1966-1972, Os reflexos verdes (Le reflets verts), de 1964, Duas cabeças (Deux têtes), de 1966, Buquê de flores sobre fundo vermelho (Bouquet de fleurs sur fond rouge), de ca. 1970, Os noivos com trenó e galo vermelho (Les mariés au traîneau et au coq rouge), de 1957, e Primavera (Le Printemps), de 1938-1939, estas duas últimas provenientes respectivamente dos acervos da Casa Museu Ema Klabin e do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP), especialmente cedidas para a exposição. Segundo a curadora da exposição, “as obras emprestadas pelas instituições brasileiras são de grande importância no discurso expositivo”.

Módulos da exposição

 A exposição que chega ao Brasil apresenta quatro seções, que tratam de diferentes temas da obra do pintor russo. A primeira parte intitula-se Chagall. Origens e tradições russas. Nessa seção estão presentes duas pinturas de importância significativa, o Vendedor de gado (Le marchand des bestiaux), de 1922, e Aldeia Russa (Russian village), de 1929. Também faz parte dessa primeira seção da mostra um dos mais importantes projetos de Chagall, no qual sua ideia de tradição está intimamente ligada à vida campesina da infância e adolescência no vilarejo de Vitebsk, na companhia de animais e cercado pela natureza. Destacamos a série gráfica completa das Fábulas inspirada na obra de La Fontaine, escritor francês do século 17, na qual dialoga com a cultura popular e mergulha no comportamento humano, metaforizado nos textos do escritor francês.

Chagall mergulha no universo onírico e reflexivo das fábulas, atraído por uma forma tradicional da arte popular russa, os lubki, que eram pequenos textos com ilustrações coloridas usados para facilitar a educação de pessoas com pouca formação.

Os trabalhos relacionados aos textos sagrados e ao universo espiritual de Chagall compõem o segundo bloco da exposição, intitulado Mundo Sagrado, que se subdivide em “Bíblia” e “A história do Êxodo”. Nele se destacam as pinturas No caminho, o asno vermelho (En route, l’âne rouge), de 1978, e Davi e Golias (David et Goliath), de 1981, além de gravuras coloridas à mão, que representam alguns dos capítulos mais importantes do Velho Testamento, como Moisés e Arão diante do Faraó (Moïse et Aaron devant Pharaon), Travessia do Mar Vermelho (Passage de la Mer Rouge) Morte de Moisés (Mort de Moïse), estas com impressão realizada em Paris em 1956.

Em 1930, Chagall foi convidado pelo colecionador de arte Ambroise Vollard a ilustrar textos sagrados. Antes de iniciar as séries, e em companhia de sua esposa, Bella Rosenfeld, e de sua filha Ida, empreendeu uma viagem à Palestina em 1931, que implicou não somente um retorno à sua tradição judaica, mas uma reflexão profunda sobre sua identidade em comunhão com a natureza. A passagem do Êxodo da Bíblia, presente nesta seção num conjunto de 24 litografias, encontra ressonância em sua trajetória pessoal, marcada pelo dramático exílio nos Estados Unidos, onde se refugiou face à perseguição aos judeus durante a 2ª Guerra Mundial. O exílio foi tristemente marcado pela morte de Bella, em 1944.

O terceiro segmento da exposição, intitulado Um poeta com asas de pintor, reúne trabalhos ligados ao regresso de Chagall do exílio nos Estados Unidos.

Em sua casa em Saint-Germain-en-Laye, nos arredores de Paris, Chagall recebia visitas de amigos intelectuais e poetas, tais como Paul Éluard, Yvan Goll, Pierre Reverdy e Aimé Maeght, além do editor grego Tériade, responsável pela publicação de livros de arte com obras do pintor. Chagall teria mais duas companheiras (Virginia Haggard, de 1945 a 1952, e Valentina Brodsky, de 1952 até a morte do artista, em 1985). Desse período emergem trabalhos marcados pela presença de palhaços e acrobatas. A arte circense remete não apenas a sua memória dos circos de Vitebsk mas também à lembrança das sessões circenses na própria Paris, onde, acompanhado por Ambroise Vollard, Chagall voltou a se divertir, admirando trapezistas, domadores de animais e shows de luzes. O mundo do circo, a vida parisiense e o amor a Paris são os protagonistas das obras desta sessão, em que figuram desenhos e pinturas a óleo, guache e nanquim, como O galo violeta (Le coq violet), de 1966- 1972; Pintor e acrobata (Peintre et acrobat), ca. 1961; Os reflexos verdes (Les reflets verts), de 1964; Músico e dançarina (Musicien et danseuse), de 1975; A inspiração (L’inspiration), de 1978; e a série litográfica publicada na revista Derrière Le Miroir.

Por fim, o quarto e último módulo da mostra é intitulado O amor desafia a força da gravidade, em que o sentimento de amor, a sensação de estar apaixonado, o enlace dos enamorados são os temas das pinturas, reforçando sempre o fato de o amor ter sido a força motriz do artista, frente aos inúmeros obstáculos da vida. Ao seu lado, a musa e primeira esposa, Bella Rosenfeld, com quem partilhava uma visão muito particular de perceber e habitar o mundo. Apesar de sua morte prematura, Bella continuou a inspirar trabalhos de Chagall.

Consta dessa parte da exposição uma seleção de obras em que Chagall trata do tema ao longo de sua vida: Buquê de rosas (Bouquet de roses), de 1930, Os amantes com buquê de flores (Les amoureux au bouquet de fleurs), de 1935-1938, Grande nu (Grand nu), de 1952, O buquê da Lua ou Os lírios brancos (Le bouquet de la lune ou Les arums blancs), de 1946, Os amantes com asno azul (Les amoureux à l’anê bleu), de c. 1955.

O amor como força que move a vida e a arte, tal como Chagall expressou vividamente em sua obra, encerra a exposição, com as obras Os noivos com trenó e galo vermelho (Les Mariés au traîneau et au coq rouge), de 1957, O sonho (Le rêve), de 1980, Os noivos e o anjo (Les mariés et l’ange) e Casamento sob o dossel (Mariage sous le baldaquin), ambos de 1981.

No Brasil, a mostra contará com trabalhos que não foram vistos em outros países. Apesar de a exposição fazer parte de uma itinerância que foi concebida na Itália, o projeto brasileiro inclui outros repertórios, como a série litográfica Chagall: Paris para a revista Derrière Le Miroir, e obras de 1946, como a belíssima O buquê da Lua ou Os lírios brancos (Le bouquet de la lune ou Les arums blancs), além do diálogo com obras provenientes de coleções museológicas brasileiras, como Vendedor de gado (Le marchand de bestiaux), do acervo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), raramente vista, sem deixar de mencionar as obras da Fundação José e Paulina Nemirovsky, em comodato com a Pinacoteca do Estado de São Paulo, cedidas para a exposição: O violinista apaixonado (Le violoniste amoureux), de c. 1967, Cidade cinzenta (Village gris), de c. 1964, Casa em Peskowatik (Maison à Peskowatik), de 1922, e Autorretrato com chapéu enfeitado (Autoportrait au chapeau garni), de 1928, integradas aos módulos da exposição.

Um dos objetivos da mostra é reaproximar o público brasileiro desse artista ímpar, proporcionando uma imersão em seu universo vibrante e conceitual. A proposta visa a embalar o visitante numa atmosfera de conhecimento e encantamento, “na qual possa dialogar e se sentir tocado pelos diversos sentidos do amor que perpassa a obra de Chagall, […] num momento de fragilidades mundiais”, completa a curadora.

A exposição tem patrocínio da BB Seguros e do Banco do Brasil por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. A organização e produção são da empresa Cy Museum, em parceria com a italiana Arthemisia.

Marc Chagall: sonho de amor

Abertura nacional: Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro Quando: de 16/3 a 6/6/2022

Demais cidades:

  • CCBB DF: 28/6 a 18/9/2022
  • CCBB BH: 12/10 a 9/1/2023
  • CCBB SP: 1/2 a 10/4/2023

Protocolo de visitação ao CCBB RJ

  • O CCBB RJ funciona segundas de 9h às 21h; terças é fechado; de quarta a sábado de 9h às 21h e domingo de 9h às 20h
  • A entrada do público é permitida apenas com apresentação do comprovante de vacinação contra a COVID-19
  • O uso de máscara é obrigatório
  • O acesso ao prédio é livre, mas os ingressos para os eventos devem ser retirados na bilheteria ou previamente pelo site ou aplicativo Eventim

O Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro fica na Rua Primeiro de Março, 66 – Centro – Rio de Janeiro, RJ.

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