Noel Rosa não chegou a completar 27 anos, mas, em seu curto período de existência, produziu mais de 200 músicas e garantiu seu lugar de destaque como um dos maiores compositores de todos os tempos. Agora, a trajetória singular do músico, morto em 1937, ganha os palcos no musical “Noel Rosa: Coisa Nossa”, que estreia dia 31 de agosto no Teatro Prudencial, em produção com a assinatura de Eduardo Barata e Marcelo Serrado. No elenco, para dar vida à personalidade plural do protagonista, Alfredo Del Penho e Fábio Enriquez se dividem na pele de Noel e contracenam com Dani Câmara, Julie Wein e Matheus Pessanha. Escrito pelo imortal da Academia Brasileira de Letras Geraldo Carneiro, o espetáculo é dirigido por Cacá Mourthé e reconta episódios divertidos, boêmios e trágicos da vida meteórica do Poeta da Vila.
“É interessante termos dois atores protagonizando e mostrando que essa herança somos nós. Todos somos Noel. Meu desafio vai ser trazer a vida e a poesia de Noel Rosa para as novas gerações”, afirma Cacá Mourthé.
Noel é tão amplo e diverso que é capaz de ser representado por dois atores muito diferentes fisicamente. Alfredo é moreno e alto, enquanto Fábio é louro e baixo, mas essa diferença não fica evidente com a unidade da interpretação dos dois. “A teatralidade construída entre eu e Alfredo está embasada em 10 anos de amizade, desde os tempos da Barca”, avalia Fábio.
Os dois fizeram parte da premiada companhia A Barca dos Corações Partidos, conhecida por espetáculos como “Auê”, “Ópera do Malandro”, “Gonzagão, a Lenda”, “Suassuna, o Auto do Reino do Sol”, entre outros. “Na Barca, todos os atores têm que aprender a tocar um instrumento, seja sopro, percussão, harmonia ou canto. E essa característica está presente também em ‘Noel’, onde todos cantam e tocam”, afirma Alfredo.
Recheada de som, humor e poesia, a montagem é caracterizada pelas noitadas em bares e a luta de Noel contra a tuberculose. O Rio de Janeiro, o Brasil, os marginalizados e as dores de cotovelo embalam canções clássicas do autor, como como “Gago Apaixonado”, “Com que Roupa” e “Fita Amarela”.
“O maior desafio do espetáculo é trazer para o texto o senso lúdico e o humor anárquico do Noel. Espero que isso esteja presente no espetáculo. Sua arte está viva e atual por causa dessa mistura dele de lirismo e humor sem precedentes na música brasileira”, afirma Geraldo.
Assim, a peça revela ao público os momentos mais divertidos e emocionantes da vida de Noel Rosa, bem como alguns casos curiosos que deram origem à obra do artista. Alfredo Del Penho é responsável pela direção musical e resgata sambas e choros do músico e de seus principais parceiros, por meio de um repertório cuidadosamente selecionado, com canções como “Conversa de Botequim”, “Feitiço da Vila” e “Só Pode Ser Você”.
O diretor musical, que já é conhecido pela sua sólida carreira no choro e no samba — indicado ao Grammy Latino de 2022 pelo álbum ‘Desengaiola’ e vencedor do Prêmio da Música Brasileira pelo mesmo trabalho na categoria especial –, trouxe para o elenco Matheus Pessanha, amigo da roda de samba que faz sua estreia no teatro e que estará ao lado de talentos diversos como o já citado Fábio Enriquez, Dani Câmara, cantora, percussionista e compositora, e Julie Wein, cantora, musicista e doutora em neurociência.
“São uma trupe de atores-músicos que contam a história de Noel. Trabalhei então com a ideia de misturar uma movimentação de época com os dias atuais. Os movimentos não definem o período, mas a intenção dos personagens”, define o diretor de movimento do espetáculo, o coreógrafo Renato Vieira.
Com patrocínio do Instituto Cultural Vale e Rede e realização do Ministério da Cultura e Governo Federal, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, a montagem – produzida por Eduardo Barata, que atua no mercado há mais de 30 anos, e pelo ator, autor, diretor e produtor Marcelo Serrado – trará fatos curiosos da vida do compositor que ficou conhecido como o Poeta da Vila.
Filho de Manuel Medeiros Rosa, que era gerente de camisaria, e da professora Marta de Azevedo, Noel teve em seu nascimento fratura e afundamento do maxilar provocados pelo fórceps, além de uma pequena paralisia na face direita que o deixou desfigurado para o resto da vida, apesar das cirurgias sofridas aos seis e aos 12 anos de idade.
Alfabetizado pela mãe, foi matriculado no Colégio Maisonnete quando tinha 13 anos, depois foi para o São Bento, onde ficou até 1928, recebendo dos colegas o apelido de Queixinho. Teve paixões por mulheres que se tornaram musas de alguns de seus sambas, como no caso de Ceci (Dani Câmara), dançarina de um cabaré da Lapa. Para ela, compôs “Dama do Cabaré” e “Último desejo”.
“Para mim, a Ceci foi a verdadeira paixão de Noel. Também interpreto a mãe dele em determinados momentos. Estou apaixonada por esse trabalho, ele é dinâmico e a Cacá nos dá a liberdade de entender o texto e criar em cima dele. É um musical que mostra as questões da época como a obrigatoriedade do casamento. Conseguimos entender a mudança do tempo em que vivemos”, analisa Dani.
Noel casou-se com Lindaura (Julie Wein) em dezembro de 1934, vivendo uma vida precária, dormindo em vagões de trem e passando as noites em bares. O casamento ocorreu por pressão da mãe da moça, pois Lindaura tinha apenas 13 anos, dez a menos do que ele. Grávida, ela perderia o filho meses após o casamento.
“Essa instabilidade da carreira artística sempre esteve presente em minha casa. Meu pai é músico da orquestra de Curitiba e minha mãe, bailarina, por isso decidi fazer Astronomia para ter uma renda garantida, queria ser astrofísica da NASA, os mistérios do universo sempre me despertaram curiosidade. Depois vi que para entender o universo deveria compreender a mente e mudei de curso, me formei em Biofísica. Hoje, faço pós-doutorado em Neurociência, estudando como a música é processada pelo cérebro. Acabei unindo minhas duas carreiras, a de música e a de neurocientista”, conta Julie.
A união com Lindaura não modificou seus hábitos boêmios, que acabariam por comprometer irremediavelmente a sua saúde. No início de 1935, já com os dois pulmões lesionados, viajou com a mulher para se tratar em Belo Horizonte. Porém, o tratamento durou poucos dias, pois o compositor logo começou a frequentar os bares e o meio artístico da cidade.
Apresentando algumas melhoras, em setembro retornou ao Rio de Janeiro. Contudo, em fevereiro de 1936, viajou para Nova Friburgo (RJ) por ordens médicas. Mesmo assim, ele se apresentou no cinema local e seguiu frequentando os bares. Por sugestão de amigos e familiares, foi para Barra do Piraí em busca de repouso para tentar curar a tuberculose. Na manhã de 2 de maio, voltou ao Rio com Lindaura, em estado muito grave, do qual não conseguiu se recuperar.
Noel morreu na noite de 4 de maio de 1937. Diversas versões sobre sua morte foram publicadas em diferentes jornais e biografias. À beira de seu túmulo, Ary Barroso fez um discurso emocionado, homenageando o amigo e parceiro. Seu nome ficou esquecido durante a década de 1940, até que Aracy de Almeida, em 1950, passou a cantar na famosa boate Vogue, incorporando ao seu repertório sambas inéditos de Noel. Desde então, o compositor foi redescoberto e passou a ser homenageado pelo público e pelas autoridades.
Todo esse universo de Noel também estará no palco na visão de Ronald Teixeira, que assina a cenografia e o figurino. “O figurino vai trazer uma nostalgia do que era o tempo do Noel, da década de 20, mas coexistindo com uma contemporaneidade, trazendo para o nosso tempo essa lembrança do que era o compositor. Na cenografia, vamos ter um telão, onde serão projetadas lembranças imagéticas da vida de Noel, seus amores, lugares que ele frequentou, citações visuais de suas músicas”, adianta Ronald. Entre as imagens projetadas estão gravuras da artista plástica Thereza Miranda sobre o Rio de Janeiro e pérolas encontradas pelo cenógrafo, como as caricaturas que Noel fez de si mesmo e uma de Antonio Nássara, amigo do músico, vivido na peça por Matheus Pessanha. “São desenhos feitos em aquarela e nanquim que traduzem muito o temperamento de Noel”, diz Ronald.
Ficha técnica:
Texto: Geraldo Carneiro
Direção: Cacá Mourthé
Idealização: Eduardo Barata e Marcelo Serrado
Elenco: Alfredo Del-Penho, Fábio Enriquez, Julie Wein, Dani Câmara e Matheus Pessanha
Diretor de Arte, Cenógrafo e Figurinista: Ronald Teixeira
Direção de movimento e Coreografia: Renato Vieira
Realização: Barata Produções e Rio MS
Assessoria de imprensa: Barata comunicação e Dobbs Scarpa
Serviço
Teatro Prudential – Rio
Rua do Russel 804, Glória.
31 de agosto a 24 de setembro.
Quinta a sábado, às 20h. Domingo, 17h.
12 anos
Ingressos: R$90 (qui. e sex.) R$100 (sáb. e dom.)
Obs: Dois sábados têm duas sessões extras para compensar os dias 21 e 22 de setembro que não tem espetáculo.
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