Beatriz Oliveira é a atriz surda oralizada que interpreta a personagem Pórcia na novela “A Infância de Romeu e Julieta”, no SBT/Amazon. A personagem faz leitura labial para entender o que as pessoas dizem e se comunica em libras ou por escrito. Beatriz foi diagnosticada com otosclerose, aos 17 anos de idade, momento em que passou a perder a audição. A partir daí, passou a utilizar aparelho auditivo e a aprender Libras para se inserir na comunidade surda. O teste para o papel de Pórcia, para o qual Bia concorreu com atrizes sem problemas de audição, foi realizado com bastante segurança por conhecer com muita propriedade o universo que envolve a personagem.
Pórcia mora com o pai, Fausto (André Mattos), que depende dela para realizar as tarefas da casa e para dividir as contas. Ela é muito inteligente, sonhadora, cuidadosa e empática. Pórcia ama livros e tem como autora preferida Jane Austen, tanto que um dia quer morar na Inglaterra para saber como é o lugar que conhece das páginas dos livros. Fausto é mal-humorado com a vida, tenta proteger a filha de tudo, e acaba privando-a de ser plenamente feliz. Bassanio (Lucas Salles), par romântico de Pórcia, é o oposto de Fausto. Ele é um rapaz bonzinho, amoroso e atrapalhado que incentiva Pórcia a sonhar e realizar seus sonhos. A personagem cuida dos homens ao seu redor, então Beatriz diz: “Acredito que a Pórcia é uma personagem muito forte, que perdeu a mãe muito cedo, e aprendeu a cuidar de um pai ranzinza que coloca ela dentro de uma bolha para protegê-la”.
Os três atores integram o núcleo cômico da novela. Com André Mattos e Lucas Salles, que já estão na tv e no cinema há muito mais tempo do que Beatriz, “a comunicação é harmoniosa, o que faz com que possamos realizar as cenas da forma mais fácil e gostosa “, declara Bia. Além dos parceiros de cena mais constantes, a atriz também costuma contracenar com Ciro Sales (Vítor), um pretendente que atrapalha o romance de Pórcia e Bassano, com Karin Hils (Gláucia), a gerente do mercado Monter onde Pórcia trabalha e Bianca Rinaldi (Vera Monteiro), a dona do mercado que gosta muito da funcionária.
Beatriz enfrenta desafios diários por ser uma atriz negra, surda e vinda da periferia. Ela já está no meio artístico há 8 anos e “A Infância de Romeu e Julieta”, vencedora na categoria “Melhor Novela”, no Prêmio Jovem 2023, foi sua primeira chance de atuar em uma novela. “Para ser sincera não sinto que há tanta inclusão no meio artístico. A comunidade surda existe há muitos anos, e só agora as pessoas estão começando a falar sobre tais assuntos e ainda sem saber as informações importantes. No geral, acho que há a tentativa de incluir, mas sem saber como. Inclusão não é você pegar uma pessoa surda e colocar lá para fazer um trabalho, sendo que o outro profissional não sabe como lidar, nem se comunicar com uma pessoa que fala em Libras. Existe uma dificuldade muito grande nesse meio de nos abraçar de forma verdadeira, de olhar para a nossa diferença e querer nos entender. Na verdade, a invisibilidade da comunidade surda é um problema maior. Não é apenas sobre Libras, não é só nas artes, é a comunicação como um todo nos serviços de atendimento à população, por exemplo, hospitais, delegacias etc, que não estão preparados para atender a população surda”, declara Bia.
Nos tempos de escola, Bia nunca foi boa aluna em Matemática, química e matérias afins. Nas matérias de Humanas, português, geografia e história tinha um bom desempenho, mas seu talento era mesmo para as aulas de artes e de educação física. Como foi criada pela mãe, e é filha única por parte de mãe, desde cedo inventava mundos imaginários, cenários, danças, músicas para não se sentir sozinha. A arte já atravessava seu caminho enquanto queria entender a verdade fictícia que via na TV e experimentava a companhia de suas criações. Ao decidir que realmente este seria o seu caminho, foi buscar oportunidades, fez cursos, e está sempre querendo se aperfeiçoar.
Em meados de 2011, ingressou no grupo de teatro amador ABC (Arte dos Bons Companheiros) com quem apresentou espetáculos pela região da zona leste de São Paulo. Os processos criativos do grupo eram colaborativos, e neles todos atuavam, dirigiam e escreviam. Com o fim do grupo em 2015, começou a fazer aulas de dança na Fábrica de Cultura, e em seguida entrou para o Núcleo Luz, uma das melhores escolas de dança contemporânea e Ballet clássico de São Paulo. Nessa época, Bia também se arriscou no curso intensivo de modelo da HDA, voltado para pessoas negras. Em meados de 2020, entrou para a SP Escola de Teatro, onde se formou em 2023. A peça, realizada para a formatura, “O Último Baile”, dirigida por Gabriel Duarte, resultou no convite para a turma ficar em cartaz, no Espaço Parlapatões, às sextas feiras de setembro.
Sempre buscando espaço para trabalhar, Bia conquistou, antes do papel em “A Infância de Romeu e Julieta”, trabalhos no cinema, em publicidade e nas plataformas de streaming. Em 2022, a atriz foi Rayane, uma das protagonistas do filme “Escola de Quebrada”, uma produção da Kondzilla em parceria com a Paramount, com direção de Kaique Alves. Em seguida, protagonizou “Lapso”, um curta metragem realizado em Belo Horizonte, dirigido por Carolina Cavalcanti, que recebeu diversos prêmios como, dentre outros, o de Melhor Filme Curta-metragem pelo Canal Brasil, o prêmio dos 10+ favoritos, pelo júri popular, no 34º Festival Internacional de São Paulo – Curta Kinoforum , em 2023, além do Melhor filme, na Mostra Competitiva Nacional, pelo júri popular, no 25° Festival Kinoarte. Recentemente o filme foi selecionado para a Mostra Competitiva Generation do 74º Festival Internacional de Cinema de Berlim, que acontece entre 15 e 25 de fevereiro. Bia também participou da terceira temporada da série Unidade Básica, da Globo play e Universal TV, dirigida por Suzy Milstein, no papel de Gislaine, em que contracenou com Caco Ciocler (Dr Paulo), Ana Petta (Dra Laura) e Teka Romualdo, no papel de sua mãe.
Em sua estreia como dubladora, Beatriz dublou a personagem Maya Lopez, protagonista de “Eco”, nova série da Marvel que estreou no dia 9 de janeiro. Beatriz é surda e oraliza, já a personagem interpretada pela atriz Alaqua Cox, tem a língua de sinais como sua primeira língua. Maya é uma anti-heroína que luta para conquistar seu lugar no mundo. “Às vezes, ela sussurra algumas coisas e esses sussurros foram de minha responsabilidade”, relata Bia que também fez a áudio descrição das cenas. A série tem sido um grande sucesso entre os telespectadores do Disney + e do Hulu.
Para construir sua personagem em “A Infância de Romeu e Julieta”, Beatriz se inspirou em princesas da Disney: a Bela, de “A Bela e a Fera”, apaixonada por livros como Pórcia, e a Princesa Tiana, a primeira princesa negra de animação da Disney, protagonista do filme “A Princesa e o Sapo”, porque é delicada, dedicada e esforçada como Pórcia. Como artista, Bia cita suas inspirações : Lázaro Ramos, Dercy Gonçalves, Aílton Graça, Ruth de Souza, Viola Davis, Joaquin Phoenix, dentre vários outros. “Mas esses são os meus amores”, diz.
Coincidentemente a perda progressiva da audição ocorreu no momento em que Beatriz fez sua escolha de vida na arte. Ela notou a perda auditiva quando buscava uma vaga para participar do curso de formação em dança no Núcleo Luz. Bia passou na audição para estudar na escola apenas seguindo a vibração no chão. Para compensar esta falta da escuta, foi necessário aguçar outros sentidos, ter um olhar mais atento para si e ao redor. A entrada no universo da arte impulsionou esta busca de uma sensibilidade maior e, hoje, aos 26 anos, a atriz desbrava oportunidades para se impor no mercado.