Eduardo Canto é um dos intérpretes mais respeitados da música brasileira contemporânea. Com uma voz de barítono marcante e enorme versatilidade, ele transita com naturalidade entre o resgate da canção brasileira clássica e a pulsação contagiante do samba-reggae da Banda Afrika, além de conduzir rodas de samba que já fazem parte do calendário cultural carioca.
Origens e formação musical
Nascido em 1962 em um verdadeiro berço musical – seu avô materno cantou com os mestres Pixinguinha e Donga e, do lado paterno, sua família é composta por vocalistas de coros evangélicos –, Eduardo Canto cresceu cercado por serestas, encontros de violão e muitas vozes afinadas. Desde muito cedo, por volta dos quatro ou cinco anos, a música se tornou o eixo da sua vida, alimentada por reuniões familiares que funcionavam como uma escola informal de canto e interpretação.
Carioca, Eduardo morou 20 anos em Brasília, onde iniciou sua trajetória artística cantando em festivais estudantis. Foi nesse período que começou a desenvolver, no palco, o domínio de voz, presença cênica e interpretação que mais tarde o destacariam nacionalmente. Aos 17 anos, decidiu profissionalizar a carreira e transformar o talento em ofício, aperfeiçoando a técnica vocal, participando de grupos e, principalmente, construindo um jeito próprio de contar histórias por meio da canção.
Primeiros passos profissionais e encontro com Oswaldo Montenegro
Em 1981, Eduardo foi descoberto por Oswaldo Montenegro, que o convidou a trilhar os caminhos do teatro musical. Esse encontro marcou um divisor de águas em sua trajetória. Ao lado de Montenegro, ele passou a participar de gravações, trilhas e espetáculos, mergulhando em repertórios sofisticados e emocionalmente intensos.
Ao longo das décadas de 1980 e 1990, essa convivência artística aprofundou sua capacidade de interpretação e ampliou seu repertório. Eduardo deu voz a canções como “Release” e “Escondido no Tempo”, integrou projetos especiais, curtas-metragens e trilhas sonoras de filmes dirigidos por Montenegro, solidificando a imagem de um intérprete que transforma cada música em uma pequena narrativa, cheia de nuances.
CDs, parcerias e “Canções para um Mago”
Nos anos 1990, Eduardo Canto consolidou também uma importante parceria com nomes fundamentais da música brasileira. Em 1996, gravou três músicas no CD “Canções para um Mago”, um trabalho com composições de Roberto Menescal e J.C. Costa Neto, baseadas na obra de Paulo Coelho. Nesse projeto, Eduardo gravou ao lado dos compositores, dando voz a canções que dialogam com o universo literário do escritor e reforçam sua conexão com a tradição da MPB de alta qualidade.
Teatro musical, televisão e grandes produções
Paralelamente à carreira como cantor e à parceria com Oswaldo Montenegro, Eduardo construiu uma trajetória consistente no teatro musical e na televisão. Sob a direção de Wolf Maia, integrou o elenco do musical “A Pequena Loja dos Horrores”, dividindo o palco com nomes como Claudia Raia, Eduardo Dusek e Osmar Prado. A produção evidenciou sua força cênica e sua capacidade de atuar em montagens de grande porte.
Na televisão, participou de novelas de grande repercussão, como “A Viagem”, “Uga Uga” e “Porto dos Milagres”, integrando elencos e produções que marcaram época na teledramaturgia brasileira. Essas experiências ampliaram seu alcance para além dos palcos e reforçaram sua versatilidade como artista.
No início dos anos 2000, Eduardo também participou da regravação de “Cidade Maravilhosa” para a campanha Rio 2004, unindo sua voz a um dos hinos afetivos da cidade em um momento simbólico de projeção internacional do Rio de Janeiro.
Em 2010, ele voltou aos grandes musicais ao integrar a montagem de “Orfeu”, com direção de Aderbal Freire-Filho. O espetáculo reafirmou sua presença em produções de destaque do teatro brasileiro, conectando sua trajetória a um dos mitos mais revisitados pela música e pelo teatro nacional.
Reconhecimento nacional e premiações
O trabalho cuidadoso e coerente de Eduardo Canto rendeu reconhecimento da crítica especializada e do público. Em 2008, ele recebeu a Medalha Pedro Ernesto, a mais alta honraria concedida pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em reconhecimento à sua contribuição para a cultura carioca e brasileira.
No ano seguinte, em 2009, foi indicado ao Prêmio da Música Brasileira na categoria Melhor Cantor Popular, com o álbum dedicado a Lupicínio Rodrigues, ficando entre os três melhores cantores populares do país. Essas distinções consolidaram seu nome entre os grandes intérpretes da MPB e ampliaram a visibilidade de seus projetos de resgate da canção brasileira.
Histórias & Canções: o projeto de resgate da música brasileira
A partir de 1999, Eduardo decidiu redirecionar parte importante de seu foco artístico para o resgate de clássicos da canção brasileira. Nasceu então o projeto “Histórias & Canções”, no qual o cantor não apenas interpreta grandes compositores, mas também apresenta ao público as histórias por trás das músicas, das gravações e de seus criadores.
Um dos desdobramentos mais importantes desse projeto é o tributo a Lupicínio Rodrigues, autor de clássicos do samba-canção e um verdadeiro cronista do amor, da dor e das relações humanas. A partir do início dos anos 2000, Eduardo passou a levar o repertório de Lupicínio para palcos de todo o Brasil e do exterior, em apresentações que unem interpretação intensa, contexto histórico e emoção.
Com esse tributo, apresentou-se em cidades como Miami, Washington, Atlanta (estado da Geórgia) e Nova York, em espaços consagrados como o Kennedy Center, além de casas tradicionais do Rio de Janeiro, como o Morro da Urca, o Canecão e o Teatro Rival. O projeto resultou em CD, DVD e um box lançados pelo Canal Brasil, produzidos em parceria com o maestro e violonista Roberto Menescal, um dos criadores da Bossa Nova, e com direção artística ligada ao universo de Oswaldo Montenegro.
Outros tributos e projetos de memória musical
O olhar de Eduardo Canto para a memória da música brasileira não se limita a Lupicínio Rodrigues. Ao longo dos anos, ele desenvolveu espetáculos dedicados a outros compositores e autores fundamentais da MPB.
Entre esses projetos está um espetáculo em homenagem a Tom Jobim, no qual Eduardo costura canções como “Dindi”, “Por Causa de Você” e “Chega de Saudade” com relatos sobre a trajetória do maestro, ajudando o público a compreender o contexto histórico e afetivo de cada obra.
No Mês da Consciência Negra, ele criou o show “Um Canto Negro”, em que apresenta histórias e canções de artistas negros de diferentes gerações, como Jamelão, Ataulfo Alves, Emílio Santiago, Dona Ivone Lara e Wilson Simonal. O espetáculo reforça seu compromisso com a valorização da cultura afro-brasileira e com o reconhecimento da contribuição desses artistas para a formação da música nacional.
Banda Afrika: samba-reggae, diáspora e brasilidade
Fundada em 1992 em Arraial do Cabo, na Região dos Lagos (RJ), a Banda Afrika nasceu da reunião de músicos experientes que já acompanhavam grandes nomes da música brasileira. Desde o início, a proposta foi clara: levar ao público a força do samba-reggae, ritmo que surgiu na Bahia a partir da fusão do samba com o reggae e com influências de gêneros como merengue, salsa, soul, funk e dos toques de candomblé.
Na formação original, Eduardo Canto atuava como um dos vocalistas principais, ao lado de instrumentistas que transitavam entre o universo do samba, da MPB e da música afro-baiana. Com arranjos cheios de percussão, linhas marcantes de baixo, guitarras suingadas e teclados envolventes, a Banda Afrika rapidamente se tornou presença constante em eventos da Região dos Lagos, levando um som dançante, moderno e profundamente brasileiro.
O repertório da banda dialoga com a tradição dos blocos afro baianos e com nomes que difundiram o samba-reggae pelo mundo, mas sempre filtrado pela experiência de músicos cariocas acostumados a transitar entre o samba de raiz, a MPB e a música pop.
O revival da Banda Afrika
Após um longo período de pausa, de mais de 25 anos, a Banda Afrika voltou aos palcos, retomando a energia do samba-reggae dos anos 1990 em diálogo com a cena contemporânea. Eduardo Canto segue como um dos vocalistas, projetando sua voz de barítono sobre a pulsação intensa dos tambores.
A nova fase da banda tem se destacado em eventos culturais no Rio de Janeiro. Um dos momentos marcantes dessa retomada foi a participação no Projeto Conexões Afro, no Museu Histórico Nacional, em que a banda apresentou o show “Banda Afrika Canta Bahia”. No palco, o grupo celebrou a herança afro-brasileira e mostrou como o samba-reggae continua atual, vibrante e politicamente potente.
Nas redes sociais, Eduardo e os demais integrantes convidam o público a acompanhar os shows e ensaios, reforçando o clima de comunidade que sempre acompanhou a trajetória da banda.
Canto do Samba: roda que virou referência na Zona Sul
Paralelamente aos projetos de palco e à Banda Afrika, Eduardo Canto conduz o “Canto do Samba”, uma roda de samba que acontece regularmente na Zona Sul do Rio de Janeiro. O evento reúne música, artesanato, economia criativa e gastronomia, transformando-se em um ponto de encontro para quem gosta de samba, cultura popular e convivência ao ar livre.
O Canto do Samba integra o calendário oficial de rodas de samba cariocas e já foi tema de minidocumentários produzidos por alunos de Jornalismo da PUC-Rio, que destacaram a importância dessa manifestação cultural para a cidade. A roda ajuda a revelar novos talentos, aproxima o público dos músicos e reforça a ideia de que o samba é um espaço vivo de memória, afeto e resistência.
Estilo vocal e características artísticas
Eduardo Canto é reconhecido, acima de tudo, pela combinação entre técnica refinada e interpretação emotiva. Sua voz de barítono confere profundidade às canções, enquanto a maneira de frasear, o uso de dinâmicas e a atenção às letras fazem com que cada música ganhe uma leitura pessoal, sem perder o respeito pela obra original.
Nos shows, uma de suas marcas registradas é o hábito de contar histórias sobre os compositores e as circunstâncias em que determinadas canções foram criadas. Isso transforma as apresentações em verdadeiras aulas-show, em que o público não apenas ouve, mas entende melhor a importância de cada música para a história da MPB.
Seu repertório é amplo e eclético: passeia por sambas clássicos, samba-canção, bossa nova, canções populares e, claro, pelo samba-reggae da Banda Afrika. Essa versatilidade reforça a imagem de um artista que conhece profundamente a música brasileira e sabe transitar por diferentes estilos sem perder a própria identidade.
Legado e importância cultural
Ao longo de décadas de carreira, Eduardo Canto construiu uma trajetória que o coloca como elo entre diferentes gerações e linguagens da música brasileira. Com projetos como Histórias & Canções, seus tributos a Lupicínio Rodrigues e Tom Jobim, o show Um Canto Negro, a Banda Afrika e a roda Canto do Samba, ele ajuda a manter viva a memória da canção brasileira ao mesmo tempo em que celebra a criatividade contemporânea.
Mais do que apenas cantar, Eduardo preserva, contextualiza e difunde um repertório que conta a história do país em forma de música. Sua atuação como intérprete, mediador cultural e articulador de projetos coletivos o consolida como uma figura essencial para quem deseja compreender a riqueza e a diversidade da música popular brasileira – da tradição da MPB ao balanço quente do samba-reggae.











