Eduardo Moscovis expõe a violência humana em monólogo inédito

Eduardo Moscovis - Foto: Catarina Ribeiro

A obscura gênese da violência – seja ela inerente à natureza humana e, portanto, incontornável, ou fruto das relações sociais – é a principal premissa do monólogo inédito O motociclista no globo da morte, do dramaturgo, diretor e ator Leonardo Netto, que ganha o palco do Teatro Poeira, a partir de 6 de setembro. O trabalho, que marca a primeira parceria de Eduardo Moscovis com o diretor Rodrigo Portella e o quinto espetáculo produzido pelo ator, fica em cartaz até 26 de outubro.

Ao contar uma história que, em tese, poderia acontecer com qualquer um, o espetáculo faz uma provocação ao diluir as fronteiras entre vítima e algoz, civilizado e selvagem. “O que mais me cativou no texto foi perceber que o protagonista é um homem que tem uma vida correta, pacífica, com quem eu facilmente me identificaria, mas que, assim como seu antagonista na história – um homem vil em todos os aspectos –, pode se igualar a este ao cometer um ato de extrema violência”, conta Eduardo Moscovis, que encena seu segundo monólogo – o primeiro foi O Livro (2011), de Newton Moreno, com direção de Christiane Jatahy. “Mesmo com a ausência da contracenação, da troca com os outros atores, que, para mim, é um dos grandes desafios em um monólogo, fui arrebatado por esse texto do Leo e tem sido muito prazeroso todo o processo”, celebra.

Depois de assistir inadvertidamente um vídeo de uma situação real de extrema violência em uma rede social há alguns anos, Leonardo Netto se questionou sobre o que leva alguém a cometer um ato violento, mas também a filmá-lo, postar e, por fim, o que leva alguém a curtir esse tipo de conteúdo. Outras questões foram surgindo como o porquê do fascínio e da idolatria a assassinos, psicopatas, serial killers ao longo da história: “A espetacularização, a romantização e a banalização da violência, exacerbadas com a multiplicação de câmeras e da internet, talvez nos torne mais insensíveis a ela”, acredita. A ideia foi sendo processada até decidir que iria escrever a respeito e, de certa forma, exorcizar a sensação ruim que não saiu mais de sua mente após ver o vídeo. “Foi muito perturbador assistir, mas escrever também foi difícil, incômodo. Muitas vezes eu tive que parar”, revela Leonardo, que ao longo do processo da escrita passou a imaginar o amigo Eduardo Moscovis – com quem dividiu o palco em Corte Seco (2010) –, como o protagonista. “O título surgiu como uma metáfora à iminência do desastre. Assim como no globo da morte, nós vivemos tentando nos desviar da catástrofe o tempo inteiro”.

Nesta que é a primeira parceria com Rodrigo Portella, o ator Eduardo Moscovis exalta o trabalho do diretor: “A experiência com o Rodrigo tem sido muito boa. Ele é um diretor-criador, um criador de cena, ele pensa no espetáculo, pensa no teatro de uma forma muito genuína e potente, não só na forma de contar a história, do ponto de vista do narrador, mas de contar a história do espetáculo”.

Para construir a dramaturgia e ambientar o espaço cênico onde o protagonista conta em detalhes a história trágica que viveu em um dia comum, enquanto almoçava no bar que costumava frequentar, Rodrigo optou por uma cena extremamente minimalista, com pouquíssimos elementos: “Para mim, o espetáculo acontece na cabeça do espectador. Qualquer elemento concreto no palco seria uma distração para o mergulho para dentro da história, que é muito poderosa. O personagem tem um discurso elaborado, que de alguma forma se aproxima da literatura, como se o espectador estivesse lendo um livro, onde as coisas não estão dadas a ele como em uma fotografia ou filme, mas onde ele é convocado a imaginar.  Nesse sentido, o que a gente tem é o ator numa relação profunda e íntima com o espectador o tempo inteiro, do início ao fim do espetáculo”, define. “A ideia principal é enfatizar o aspecto comum desse acontecimento, que poderia acontecer com qualquer um de nós. É um evento extraordinário que acontece num lugar ordinário, executado por um homem ordinário”. Nesse sentido, tanto a trilha musical de André Muato, como o figurino de Gabriella Marra e a iluminação de Ana Luzia de Simoni buscam reforçar essa ideia.

Rodrigo percebe ainda no texto outras camadas como uma conexão mais direta com o contexto político-social brasileiro atual, ao fazer uma espécie de raio x da polaridade ideológica dos dias atuais: “Não há partidarismo, não se nomeia esquerda ou direita, mas claramente os personagens que estão envolvidos diretamente no crime se enquadram na dicotomia político-ideológica em que a sociedade brasileira está mergulhada”.

Eduardo Moscovis

Iniciou no Tablado e na Casa de Artes de Laranjeiras sua formação nas artes cênicas, desenvolvendo longa carreira no teatro, onde destacam-se trabalhos como ator –  Eles não usam black-tie (2001), Corte Seco (2010) e Um bonde chamado desejo (2015), entre outras –,  e como ator e produtor: Norma (2002), Tartufo (2004), Por uma vida um pouco menos ordinária (2007) e O Livro (2011). Está há dois anos em cartaz com Duetos, a comédia (2025), ao lado de Patricya Travassos e direção de Ernesto Piccolo, vista até agora por mais de 200 mil pessoas. Na televisão, fez mais de 40 trabalhos, entre novelas e séries, com início em Pedra sobre Pedra (1992). No remake de Pecado Capital (1998), foi o protagonista Carlão. Outras novelas de grande sucesso foram O cravo e a rosa (2000), em que dividiu o papel principal com Adriana Esteves, e Alma Gêmea, recordista de audiência. Pela atuação em Bom dia, Verônica (Netflix), com direção de José Henrique Fonseca, recebeu seis prêmios, entre eles o APCA de Melhor Ator. No cinema, participou de cerca de 30 filmes e recentemente ganhou os prêmios de Melhor Ator no Festival de Brasília – pelo filme Ela e Eu, de Gustavo Rosa – e no Los Angeles Film Festival por Veneza, de Miguel Falabella.

Os projetos novos incluem a série Fúria, com direção José Henrique Fonseca, na Netflix, a próxima novela de Aguinaldo Silva, Três Gracas, e dois filmes que serão lançados em breve: Cyclone, de Luiza Mariani, com direção de Flávia Castro, e Querido mundo, de Miguel Falabella, que estreou no 53º Festival de Gramado, em agosto.

Leonardo Netto

Ator, diretor e dramaturgo. Formou-se pela Casa das Artes de Laranjeiras (CAL) e estudou Teoria do Teatro na UNIRIO. Foi dirigido, entre outros, por Amir Haddad, Aderbal Freire-Filho, Gilberto Gawronski, Ana Kfouri, Jefferson Miranda, João Falcão, Luiz Arthur Nunes, Enrique Diaz, Bel Garcia, Celso Nunes, Christiane Jatahy e Rodrigo Portella. Em TV, integrou o elenco dos seriados A Garota da MotoMagnífica 70 e Me Chama de Bruna e da minissérie Assédio, da Rede Globo. dirigiu Para os que Estão em Casa e A Ordem Natural das Coisas, ambos de sua autoria e indicados a vários prêmios. A Ordem… recebeu o Prêmio Cesgranrio 2018 de Melhor Texto, além de indicações aos prêmios Shell e APTR. Em 2019 estreou seu projeto 3 Maneiras de Tocar no Assunto como autor e ator, sendo vencedor dos prêmios Cesgranrio (Melhor Texto Nacional Inédito, Melhor Ator e Categoria Especial) e APTR (Melhor Autor e Melhor Iluminação), acumulando quase 20 indicações em premiações de teatro. Foi indicado ao Prêmio APCA pela direção de A Menina Escorrendo dos Olhos da Mãe, com Sílvia Buarque e Guida Vianna. Estreou recentemente o espetáculo Pequeno Circo de Mediocridades, no qual assina texto e direção.

Rodrigo Portella

Diretor e dramaturgo com 32 anos de carreira, Rodrigo Portella é hoje um dos diretores mais reconhecidos da cena teatral brasileira. Seus principais espetáculos Tom na Fazenda (2017), As Crianças (2018) e Ficções (2022) foram ganhadores dos mais importantes prêmios do teatro brasileiro, como os prêmios Shell, Cesgranrio, Bibi Ferreira, APTR e APCA, nos quais Portella foi premiado como melhor diretor. Tom na Fazenda obteve grande sucesso de público e crítica no Festival de Avignon em 2022, além de uma longa temporada no Theatre Paris-Villete na capital francesa em 2023 (destaque do Jornal Le Monde), rendendo à obra uma turnê em mais de 30 cidades na Europa, além de uma curta temporada no Theatre Usine C em Montreal em 2020, sendo laureado com o Prêmio de Melhor Espetáculo Estrangeiro, pela Associação de Críticos daquele país, na ocasião do Festival TransAmérique 2018. Neste ano, Portella estreou uma adaptação do romance Ensaio Sobre a Cegueira com o Grupo Galpão em Belo Horizonte e o musical Ray – Você Não Me conhece, vencedor do Prêmio APCA 2025 de Melhor Direção. Rodrigo é bacharel e mestre em Artes Cênicas pela UniRio e suas obras seguem ocupando importantes espaços culturais no Brasil e no exterior. Nos últimos anos, suas peças percorreram cidades também na Argentina, Equador, Chile, França, Alemanha, Suíça, Bélgica, Portugal, Reino Unido e Canadá. Atualmente Portella vive em Barcelona e é professor do curso superior do Instituto Cal de Arte e Cultura.

FICHA TÉCNICA:

Eduardo Moscovis em O Motociclista no globo da morte

  • Texto: Leonardo Netto
  • Direção: Rodrigo Portella
  • Assistência de direção: Milla Fernandez
  • Trilha musical: André Muato
  • Iluminação: Ana Luzia de Simoni
  • Figurino: Gabriella Marra
  • Estudos visuais em IA: Zezinho Mancini
  • Produção executiva: João Eizô
  • Direção de produção: Sérgio Saboya e Silvio Batistela
  • Produção geral: Eduardo Moscovis e Sérgio Saboya

SERVIÇO:

  • Local: Teatro Poeira
  • Endereço: Rua São João Batista, 104 – Botafogo
  • Tel: (21) 2537-8053
  • Temporada: 06 de setembro a 26 de outubro de 2025
  • Horários: Quinta, sexta e sábado, às 20h | domingo, às 19h
  • Classificação indicativa: 14 anos
  • Duração: 60 minutos
  • Ingressos: R$120,00 | R$60,00

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