Quem foram os primeiros negros a habitar o continente europeu? Como trajetórias individuais, muitas vezes apagadas da história oficial, contribuíram para moldar o Ocidente? Como recontar a presença negra na Europa desde as grandes navegações até os fluxos migratórios do século XX? Essas são algumas das questões que movem Debaixo da nossa pele: Uma viagem, livro do escritor e jornalista cabo-verdiano Joaquim Arena. O lançamento da obra no Brasil, pela editora Gryphus, será na edição da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) 2025, com a presença do autor, que participa da programação da Flip+, e de uma mesa na Casa Portugal: Livros e sabores, nos dias 01 e 02 de de agosto, respectivamente (detalhes abaixo).
Misturando ficção, reportagem, ensaio, biografia e relato de viagem, o livro traça um percurso incomum pela “Europa negra”, aquela que ficou fora dos livros didáticos e das grandes narrativas coloniais. Publicado originalmente em 2017, em Portugal, e depois traduzido na China (2022) e nos Estados Unidos (2023), o livro chega agora aos leitores brasileiros. Ao longo de 224 páginas, Arena, vencedor do Prêmio Oceanos 2023 com Siríaco e Mister Charles, apresenta um mosaico de fragmentos esquecidos da presença negra na Europa, com uma coleção de notáveis personagens.
“Para nós, escritores de língua portuguesa, a publicação de nossos livros neste país é um marco importante. Não apenas pela dimensão do mercado, mas sobretudo pela variedade dos leitores. É um universo mais diverso, com uma matriz cultural muito rica e que tem curiosidade por outras literaturas da mesma língua, em geografias diferentes”, comenta Arena. Após a FLIP, o autor baterá um papo com os professores de literatura e de letras da UERJ, Cláudia Amorim e Marcelo Mattos, em noite de autógrafos no dia 05 de agosto, às 19h, na Janela Livraria do Shopping da Gávea, no Rio de Janeiro.
Narrativas entrelaçadas
O ponto de partida é uma palestra sobre o curioso quadro quinhentista Chafariz D’El Rei, precioso retrato da população africana em Portugal, à época. Dias depois, Arena reencontra Leopoldina, amiga que se dedica à investigação do enigma da mestiçagem na população lusa, e do legado social resultante dessa mistura de culturas. Leopoldina, uma senhora descendente de pessoas escravizadas, também procura manter viva a história de sua tataravó Catarina, transmitida oralmente por gerações.
A partir daí, começa uma jornada dupla, geográfica e temporal. Pelo interior de Portugal, Arena atravessa vilarejos como São Romão e Rio de Moinhos, às margens do rio Sado, onde africanos escravizados trabalhavam no cultivo do arroz no século XVIII. O livro flui como um road movie literário. Nele, o autor, que volta ao país de adoção após a morte do pai adotivo, em Cabo Verde, atravessa o Portugal contemporâneo em busca de marcas de um passado ainda não digerido.
Em trechos, como a descrição de Alcácer do Sal, com seu castelo árabe vigiando as planícies verdes, o autor atribui à paisagem uma espessura histórica que amplia o sentido da viagem. A geografia retratada não é apenas cenário: é arquivo vivo, onde ainda se notam traços humanos africanos nos rostos da população atual, evocando memórias ancestrais.
Figuras históricas surpreendentes
Arena reconstrói a existência de personagens históricos surpreendentes, como João de Sá Panasco, ex-escravizado que se tornou escudeiro e nobre da corte de D. João III, conhecido por seu humor afiado; Thomas-Alexandre Davy de la Pailleterie, general mestiço das tropas napoleônicas e pai de Alexandre Dumas, autor de O Conde de Monte Cristo e Os Três Mosqueteiros; Andresa do Nascimento, a Preta Fernanda, figura transgressora e influente na Lisboa do século XIX; Abram Petrovich Gannibal, africano levado à Rússia e ancestral direto do poeta Aleksandr Púchkin; e Marcelino Manuel da Graça, o Sweet Daddy Grace, cabo-verdiano que fundou uma das maiores igrejas evangélicas afro-americanas nos EUA.
Essas vidas, entrelaçadas à do próprio autor, traçam uma nova cartografia da presença negra na Europa, do século XV aos anos 1960, com destaque para a migração cabo-verdiana a Lisboa, da qual Arena participou com sua família.
O autor revisita arquivos, documentos, mapas e imagens com olhar jornalístico, mas sem abrir mão das zonas de sombra, das lacunas e das ambiguidades da história. “A ideia de raça foi uma construção. Desfazer essa construção exige recontar o que foi esquecido, e também nos reencontrar com os fantasmas que deixamos para trás”, disse em entrevista nos Estados Unidos.
Da história submersa ao reconhecimento internacional
Na edição americana, publicada em 2023, Debaixo da nossa pele foi reconhecido pela revista Words Without Borders como um dos melhores livros traduzidos do ano. A crítica destacou o estilo “evocativo, provocador e polifônico” da obra, que alia narrativa íntima e pesquisa rigorosa, capaz de “abrir brechas nos alicerces de uma Europa que ainda hesita em encarar seu passado colonial”. Também receberam destaque os elogios de veículos como Foreword Reviews, Kirkus Reviews e Mass Review, que celebraram a fusão entre o pessoal e o histórico, o ensaio e a arte de narrar.
Participação de Joaquim Arena na FLIP 2025
Confirmado na programação da FLIP+ de 2025, Arena será entrevistado pelo jornalista Gabriel Pinheiro no dia 01 de agosto, às 10h, na Casa da Cultura. Na pauta, o livro Siríaco e Mister Charles, com o qual o autor venceu o Prêmio Oceanos, em 2023, e publicado por aqui no ano passado, também pela editora Gryphus.
“Estar na Flip, para qualquer escritor, é uma ótima oportunidade de poder conviver com leitores novos, participar de uma festa da literatura, num mundo cada vez mais alienado e afastado dos livros, numa cidade de ambiente histórico extraordinário”, festeja, Arena, que também participa de uma mesa na Casa Portugal: livros e sabores, no dia 2 de agosto.
Mais do que uma investigação histórica, Debaixo da nossa pele: Uma viagem é um convite a repensar o papel da literatura como caminho para desenterrar narrativas ocultadas pela história. Um livro que atravessa séculos, continentes e camadas de identidade para revelar uma Europa negra, quase sempre ausente dos relatos e documentos oficiais.
O autor
Joaquim Arena (1964, Ilha de São Vicente, Cabo Verde) é filho de pai português e mãe cabo-verdiana. Emigrou para Portugal com seis anos e se formou em Direito, em Lisboa. Atuou como músico e jornalista, da imprensa e televisão, em Portugal. Foi conselheiro do presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, de 2017 até 2021.
É escritor e jornalista e vive na cidade da Praia, em Cabo Verde. Considera-se um escritor atlântico e seus livros abordam realidades desse ‘lago gigante’, que envolve Portugal, Cabo Verde (África) e Brasil. Seu romance de estreia foi A Verdade de Chindo Luz, em 2006, o primeiro que aborda o tema dos afrodescendentes, em Portugal.
Debaixo da Nossa Pele, Uma Viagem é seu terceiro livro, com edições em Portugal, China, EUA e agora no Brasil. Publicou ainda Para Onde Voam as Tartarugas (2010), O Sabor da Água da Chuva e Outras Memórias da Amiga Perfeita (2023) e Siríaco e Mister Charles (2022), vencedor do Prémio Oceanos 2023, Prosa.
Eventos de lançamento:
FLIP + 2025
Sexta, 01 de agosto, às 10h, na Casa da Cultura
Cumplicidade e memória em Charles e Siríaco com mediação de Gabriel Pinheiro
R. Dona Geralda, 194 – Centro Histórico, Paraty – RJ, 23970-000
Casa Portugal: livros e sabores
Sábado, 02 de agosto, sábado, 17h30
Criação literária nas duas margens do atlântico – o contexto da criação literária: memória e reinvenção com Joaquim Arena e Ondjaki
Rio de Janeiro
Janela Livraria do Shopping da Gávea, em 05 de agosto, terça-feira, às 19h, bate-papo com a professora de literatura Claudia Amorim e o professor de Letras Marcelo Mattos (ambos da UERJ). R. Marquês de São Vicente, 52 – Gávea, Rio de Janeiro – RJ, 22451-040.
Ficha Técnica
Título: Debaixo na nossa pele: Uma viagem
- Autor: Joaquim Arena
- Editora: Gryphus
- Número de páginas: 224
- ISBN: 978-85-8311-153-5
- 16 x 23 cm.
- Brochura
- Preço: R$ 79,90
- Lançamento: 18 de julho de 2025
