Em retrospectiva inédita, cineasta Marlon Riggs expande as fronteiras do documentário e discute raça e sexualidade pela perspectiva afro-americana

Marlon Riggs

Cineasta, ativista e professor universitário, Marlon Riggs (1957-1994) escreveu e dirigiu filmes que celebram as comunidades negra e gay nos Estados Unidos dos anos 1980 e 1990, documentando suas estratégias de sobrevivência e resistência. Neste mês de junho, marco do Orgulho LGBTI+, toda a filmografia do diretor será exibida pela primeira vez no Brasil.

Intitulada Bixaria Negra – O cinema de Marlon Riggs, a mostra acontece nas cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Na capital carioca, será apresentada no IMS Rio e no Galpão Bela Maré, de 16 a 30 de junho. Já em São Paulo, os filmes serão exibidos no IMS Paulista, entre 22 e 29 de junho. A curadoria é do pesquisador e cineasta Bruno F. Duarte, cujo mestrado pela Escola de Comunicação da UFRJ aborda a produção de Riggs.

A mostra apresenta oito filmes, incluindo longas, médias e curtas-metragens, dirigidos por Riggs entre as décadas de 1980 e 1990, além de um documentário sobre sua vida e obra. Para enfatizar a potência e atualidade da produção do cineasta, a mostra exibirá, em diálogo, nove curtas-metragens brasileiros contemporâneos, realizados por jovens cineastas negres LGBTI+.

A programação também inclui debates sobre a obra do diretor, com a presença de Cornelius Moore, parceiro de criação e distribuidor dos filmes de Riggs, entre outras pessoas convidadas. Os bate-papos acontecem no IMS Rio, no IMS Paulista e no Galpão Bela Maré, onde haverá também uma performance das artistas Dominick di Calafrio, Preta QueenB Rull e Pantera, além de DJ sets da festa Mariwô, no dia 17 de junho. (Confira a lista completa de filmes e mais informações sobre os debates no serviço abaixo).

Nascido no estado do Texas, no Sul dos EUA, em 1957, Riggs graduou-se em história na Universidade de Harvard e obteve o título de mestre em jornalismo na Universidade da Califórnia em Berkeley, onde iniciou sua trajetória no audiovisual. Entre 1981 e 1994, escreveu, produziu e dirigiu filmes que abordam questões de raça e sexualidade, marcados tanto por extensa pesquisa quanto pela experimentação de linguagem. Suas obras foram exibidas em festivais e mostras de cinema, onde obteve premiações importantes, mas também na TV pública, gerando inúmeros debates na sociedade americana. Em 1994, aos 37 anos, Riggs teve sua vida interrompida em decorrência do HIV/aids.

O curador Bruno F. Duarte comenta a importância da obra do cineasta e seu compromisso com o ativismo e a construção coletiva: “Riggs é antes de tudo um gênio. Um homem negro, homossexual, que viveu com HIV e foi um exímio narrador. O cineasta construiu uma filmografia inconfundível, celebrada por equilibrar-se entre pesquisas rigorosas e ousada experimentação estética. Sua biografia reúne muitos elementos para uma bela história de exceção extraordinária. Mas foi a busca pela experiência coletiva comum, impulsionada por uma urgência de comunicação com pessoas negras, que moveu seu fazer artístico.”

Entre os títulos apresentados na mostra, está Línguas desatadas (Tongues Untied), filme mais conhecido de Riggs, lançado em 1989. Nas palavras do próprio cineasta, trata-se de “um documentário que tenta desfazer o legado de silêncio sobre a vida de homens negros gays”. O diretor parte de sua própria experiência para criar um ensaio experimental, no qual estão presentes diversos artistas e linguagens, como a performance, o vogue, a poesia e o rap, entre outras. Vencedor do Prêmio Teddy, no Festival de Berlim em 1990, o filme também foi alvo de censuras e ataques após ser exibido na TV pública nos EUA.

A mostra traz também o primeiro longa-metragem dirigido por Riggs, em 1987. Intitulado Do estereótipo negro (Ethnic Notions), o filme investiga as origens das imagens racistas presentes na cultura popular dos EUA. O tema da representação volta a ser abordado pelo diretor em Ajuste de cor (Color Adjustment), de 1991, também exibido na seleção. O documentário percorre 40 anos de relações raciais nos EUA através da análise de programas de entretenimento exibidos em horário nobre da TV, examinando mitos e estereótipos veiculados pela cultura de massas.

Outro destaque é o filme Preto é… preto não é (Black Is… Black Ain’t), finalizado postumamente em 1995, no qual o cineasta parte da receita de gumbo, um tradicional prato da culinária do sul dos EUA feito por sua avó, para complexificar o debate sobre as diversas experiências da negritude nos planos individual e coletivo. Vencedor do Prêmio dos Realizadores do Festival de Sundance em 1995, o longa intercala entrevistas com intelectuais, como Angela Davis, bell hooks e Cornel West, com performances do coreógrafo Bill T. Jones e do poeta Essex Hemphill.

Também serão exibidos quatro curtas-metragens dirigidos pelo cineasta ao longo de sua carreira. Ao apresentar sua obra completa pela primeira vez no Brasil, a seleção reforça o legado de Riggs e sua importância para o debate contemporâneo, como ressalta o curador: “Em meio a uma tradição secular de produções de artistas, ativistas e intelectuais que celebram as experiências negras na diáspora, aciono em minha pesquisa de mestrado sobre Marlon Riggs e nesta retrospectiva inédita a noção de ‘Bixaria Negra’ como uma pista para compreender a dimensão encantada do trabalho coletivo liderado pelo diretor na produção desse conjunto de imagens. Através de sua filmografia, Riggs desafiou não apenas os conceitos de raça, masculinidade e sexualidade, mas também se rebelou e dançou diante das noções de linguagem, liberdade e poder. Gesto iniciado muito antes dele e que continua a reverberar muito tempo depois através de pessoas comprometidas no presente com a criação de estratégias de resistência e emancipação referenciadas em tecnologias ancestrais e nas infinitas possibilidades da imaginação radical.”

Serviço

Mostra de filmes Bixaria Negra – O cinema de Marlon Riggs

Programação completa: cinema.ims.com.br

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