“Em uma Favela chamada Senzala”, inspirado em peça de Shakespeare e fatos de sua infância e juventude na Vila Vintém,

Darlan de Andrade

Darlan de Andrade, aos 52 anos, é o primeiro escritor nascido numa favela a realizar um lançamento de livro na Sede da ONU, em Nova York (2014). Depois de seis publicações independentes, ele estreia como romancista transitando entre realidade e poesia: “Em uma Favela chamada Senzala” (Editora Viseu).

A obra literária é inspirada na peça “Romeu e Julieta” (Shakespeare) e em fatos reais da infância e juventude do autor na Favela Vila Vintém, no bairro de Padre Miguel, Zona Oeste do RJ. A nova versão do drama poético apresenta os protagonistas lutando por um amor inter-racial e personagens controversos que ilustram cenas tão comuns do cotidiano da periferia.

Com livros de poesia prefaciados pelos acadêmicos Antonio Olinto e Arnaldo Niskier, o poeta “Em uma Favela chamada Senzala” retrata com mais profundidade temas como violência, discriminação e, principalmente, o amor que falta a uma sociedade cheia de barreiras do preconceito. De pano de fundo está a paixão de “Catulo” e “Marina Celeste”; um jovem branco da favela e uma moça negra de família rica.  Assim, o escritor brasileiro que é fã do bardo inglês, destaca as diversas imperfeições humanas da sociedade do século XXI.

Antonio Pedro

Como diz o ator e diretor Antônio Pedro Borges no prefácio do livro “Em uma Favela chamada Senzala”: “A história se desenvolve, cheia de peripécias, voos poéticos e o amor dos meninos cresce junto a eles. O preconceito está presente, mas o poeta quer falar de amor. Então usa sua licença e troca os signos”.

Quanto à inspiração que vem dos personagens desenhados pelo dramaturgo Inglês, na nova trama os pais das famílias rivais continuam inimigos como no romance original Romeu (Montecchio) e Julieta (Capuleto). Um é o delegado Vladimir Peçanha, negro que não admite o namoro de sua filha Marina com “um favelado” – o jovem estudante Catulo, filho de Tertúlio, poderoso traficante da favela. Com isso, apimenta o clima de oposição à história de amor entre duas pessoas de classes sociais diferentes.

Lembranças de personagens reais da Favela Vila Vintém

Não é de hoje que paisagens turísticas como os morros VidigalRocinha e Babilônia na zona sul carioca foram referências para diretores da dramaturgia e grandes nomes da escrita. Já a comunidade Vila Vintém, muito conhecida por abrigar a Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel, não teve ainda esse privilégio, além de citações nas letras dos sambas-enredo.

Darlan aproveita seu cenário literário para homenagear pessoas da Vila Vintém que não saem da sua memória. A Mãe Ivete, por exemplo, ele conheceu na infância, uma baiana que fazia garrafadas, antigas combinações de plantas medicinais.

— Ela era tia da cantora Elza Soares a filha mais ilustre da Vintém, desde quando a favela ainda era conhecida pelo nome de Moça Bonita. Mãe Ivete ajudou a minha família no tratamento de um dos meus tios com caxumba e suas complicações. A vida não foi fácil por lá, mas guardo muitas lembranças daquela época!  É só eu fechar os olhos para ver um filme na minha frente. Eu me lembro de Surama, o travesti que viveu na favela em um tempo em que não se falava de questões como transgênero e transexualidade — lembra.

Mas na publicação as lembranças de Darlan de Andrade não param e são repletas de vida e a mesma esperança daquele garoto que aos 15 anos de idade guardava em casa suas poesias manuscritas em uma gaiola de passarinho. Talvez, esperando se sentir pronto para, hoje, escrever seu primeiro romance. As recordações dos nomes juntos aos apelidos, ainda com muita graça e sem nenhuma maldade, surgem até dentro de sua família.

— Dona Joana Lavadeira foi minha avó materna, convivi pouco com ela que teve morte prematura. Na nossa porta passava o Seu Waldomiro dos Bolinhos, que ganhou o apelido porque vendia salgadinhos em um cesto durante todo o dia — explica o escritor e poeta.

Darlan não mora mais na Vila Vintém, mas não saiu de Padre Miguel e tem o desejo que seu livro sirva de incentivo para a nova geração da favela que gosta de poesia, sonha em ser roteirista ou romancista. Para o escritor, quando o assunto é favela, ninguém pensa naqueles que gostam da literatura.

Ele, que começou a gostar de poesia ouvindo no rádio as músicas do cantor e compositor Chico Buarque, acredita ter na sua comunidade de origem jovens talentos para ser descobertos com atuações que vão muito além do samba e funk.

É com base nessa costura entre ficção e realidade que Antonio Pedro, conhecedor da obra de Shakespeare, finaliza com otimismo seu texto na abertura do livro: “Aqui na Terra impera a violência do tráfico e a corrupção da polícia e dos políticos, mas, graças ao povo, o alívio das festas, do samba e do futebol, a vida se veste de esperança”.

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