Escavação arqueológica descobre piso histórico soterrado nos jardins do Palácio do Catete (RJ)

Palácio do Catete - Foto: Daniela Reis

Quando a modernização do sistema de esgoto do Palácio do Catete começou, há cerca de um mês, não se sabia que sob camadas de terra no jardim se revelaria um piso histórico em ótimo estado de conservação. Com padrões que impressionam pelo requinte artístico, a descoberta surpreendeu até mesmo os arqueólogos que trabalham na obra, já que plantas e documentos antigos não registram uma construção no local. Os artefatos arqueológicos prometem resgatar detalhes esquecidos da propriedade, que foi cenário de acontecimentos emblemáticos da história do Brasil, como a declaração de guerra à Alemanha, em 1917; o lançamento da moeda Cruzeiro, em 1943; e o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954.

O mesmo piso também pavimenta trechos do prédio principal, o que indica a possibilidade de a construção soterrada nos jardins ser contemporânea à edificação do Palácio, erguido entre 1858 e 1867 como residência do Barão de Nova Friburgo. O casarão, que já foi lar da nobreza e sede do Poder Executivo Federal, hoje abriga o Museu da República (MR), um dos principais equipamentos culturais do Rio de Janeiro (RJ).

“Ficamos muito felizes com a descoberta desses achados, que agora se transformam em pesquisa arqueológica. Posteriormente, pretendemos expô-los ao público, mas, para isso, precisamos antes desenvolver projetos arqueológicos e museológicos”, informa o diretor do MR, Mário Chagas.

A área onde os achados arqueológicos foram localizados ainda será escavada para verificar a dimensão dos pisos remanescentes. Com 1,40 metros de largura, é provável que o comprimento se estenda para além do trecho atualmente visível. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) está analisando junto ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), que administra o Museu da República, o melhor modo de preservar os artefatos. Ambas as instituições são autarquias federais vinculadas ao Ministério da Cultura.

Embora ainda não se saiba qual a função da estrutura que existia nas proximidades do palácio, relatos da cultura popular oral sugerem que os elementos podem ser parte de uma antiga casa de banhos, de uma entrada alternativa da propriedade, ou até mesmo da residência da sogra do Barão de Nova Friburgo. Nos próximos meses, será realizada pesquisa histórica e documental para reconhecer a estrutura identificada, remanescente apesar das sucessivas intervenções posteriores e que pode ajudar a compreender usos e ocupações do espaço durante o século XIX.

“Esses achados arqueológicos no Museu da República mostram como a arqueologia histórica tem sido importante ao revelar parte da cidade que não é mais visível, ou seja, existe uma história que pode ser recuperada a partir das pesquisas arqueológicas das diversas intervenções pelas quais a cidade vem passando ao longo dos últimos anos”, explica o superintendente do Iphan-RJ, Paulo Vidal. “Assim foram revelados diversos sítios arqueológicos quando implementadas as linhas 1, 2 e 3 do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Por exemplo, na frente da Igreja Santa Rita, foi encontrado um cemitério. O Cais do Valongo também foi revelado a partir do trabalho de mudança do sistema de infraestrutura urbana no Porto Maravilha”, complementa.

O Palácio do Catete

Palácio do Catete – Foto: Daniela Reis

De estilo eclético, o Palácio apresenta três pavimentos e fachadas de mármore. Foi projetada pelo arquiteto alemão Gustav Weschneldt, juntos aos pintores Emil Bauch, Tassani e Bragaldi. Internamente, a construção ostenta escadas em mármore e salões  nobres decorados com estuques, pinturas e rico mobiliário.

A propriedade recebeu bailes suntuosos da elite do período imperial. Após a Proclamação da República, foi desocupada. Vendida em 1890, pertenceu ao Conselheiro Mayrinck e ao Banco da República do Brasil antes de sediar a Presidência da República, em 1896.

O imóvel passou por ampla reforma para abrigar os presidentes e suas famílias, da qual participaram nomes renomados como os pintores Antônio Parreiras e Décio Villares, o engenheiro Aarão Reis e o paisagista Paul Villon. Entre as melhorias foi instalada luz elétrica, que acentuou o brilho das imponentes acomodações.

O palácio e seu respectivo parque foram tombados em 1938 pelo Iphan, com a inscrição em dois Livros do Tombo: o Histórico e o das Belas Artes. Em 1954, os helicópteros de Juscelino Kubistechek partiram de lá em constantes visitas às obras da futura capital. Seis anos depois, a propriedade também conhecida como “O Palácio das Águias” transformou-se no Museu da República, marco que inaugurou o uso que o que o imóvel oferece até hoje.

Palco de feiras populares, peças teatrais, exposições museológicas, entre outras atividades, o Palácio é um dos corações do bairro do Catete. Quem mora nas imediações o considera como extensão do seu lar e referência de pertencimento em relação à região e à cidade ao redor. Seja como local de respiro em meio à rotina, destino de passeios com filhos e netos, ou ponto de encontro com amigos novos e companheiros de toda uma vida, cariocas e turistas o procuram como espaço de memória, lazer, identidade e afeto.

Arqueologia no Iphan

O patrimônio arqueológico é acautelado em âmbito federal e engloba os vestígios e os lugares relacionados a grupos humanos pretéritos responsáveis pela formação identitária da sociedade brasileira. Frequentemente encontrados de modo fragmentado, os vestígios demandam estudos para sua reconstituição e compreensão.

O Iphan é responsável pela gestão do patrimônio arqueológico, cujos artefatos são considerados Patrimônio Cultural Brasileiro e bens da União. Vale lembrar que a preservação é um direito e um dever de todos os cidadãos, e que é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios proteger os sítios arqueológicos. Por isso, são proibidos o aproveitamento econômico, a destruição ou a mutilação dos sítios arqueológicos antes de serem pesquisados com a devida autorização do Iphan.

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