“Fera” chega ao Sérgio Porto e escancara a vulnerabilidade humana

Atriz Carolina Ferman – Foto de divulgação Diego Baptista

Livremente inspirado em O Olho do Crocodilo, da filósofa australiana Val Plumwood, “FERA” leva ao palco um episódio real: o ataque que Plumwood sofreu de um crocodilo no parque nacional de Kakadu, na Austrália.  Em cena, esse instante anterior à morte, quando ela encara o animal nos olhos, é expandido poeticamente. Dirigida por Natasha Corbelino, a atriz Carolina Ferman contracena com uma caixa de som, transformando o solo em duo, e ampliando a ideia de um espetáculo que acontece no “entre”: o humano e o selvagem, a natureza e a máquina, a vida e a morte. “FERA” fica em cartaz até final de agosto no Espaço Cultural Sérgio Porto.

Fruto de pesquisa autoral, o desejo de levar à cena um encontro dessa magnitude começa quando a atriz é capturada pela leitura de outra obra: “Escute as Feras”, de Natasha Martin. Carolina passava pelo puerpério e, embora não cogitasse fazer uma peça sobre maternidade, sentiu o ímpeto de buscar mais histórias que falassem sobre essa alteridade radical, o encontro selvagem de uma mulher com um outro, capaz de transforma-la completamente. Nessa busca, a atriz se deparou com “O olho do crocodilo”:

“Essa história me tocou porque fala sobre vulnerabilidade extrema. Não é uma metáfora, é uma história real, é um testemunho dessa filósofa ambientalista, uma ecofeminista, que pensava a natureza e acabou tendo esse encontro cru, selvagem com um crocodilo. Fiz um paralelo com o que eu estava vivendo naquele momento com a minha filha, mesmo sendo um universo outro, que não tem nada a ver com a maternidade, a transformação daquela mulher a partir daquele encontro me capturou. O tamanho do medo e da coragem que nascem disso. Essa é a natureza bruta e crua”, revela

É nesse espaço-tempo expandido que personagem e atriz se encontram, entrecruzando a biografia da filósofa, a corporeidade da intérprete e as forças que atravessam a lucidez e o delírio desse momento. A peça propõe uma experiência cênica atravessada por urgências contemporâneas: a crise ecológica, o protagonismo feminino nas artes, a relação entre corpo e tecnologia, e o resgate de vozes invisibilizadas no pensamento filosófico.

Selvagem, humana e tecnológica

Acompanhada de uma caixa de som, que deixa de ser um mero suporte técnico para se tornar uma segunda personagem, a relação performativa entre corpo humano e máquina cria um duo cênico que fricciona o desejo de reconexão com o mundo natural, hoje atravessado pela mediação tecnológica. A caixa e a atriz estabelecem uma simbiose repleta de tensão e afeto, revelando fronteiras cada vez mais borradas entre o orgânico e o artificial.

Segundo Carolina, a provocação partiu da diretora: “desde o começo, a Natasha falou que queria algum tipo de radicalidade na linguagem que dialogasse com a radicalidade que é ser mordida por um crocodilo. É a vulnerabilidade levada ao seu extremo, de forma quase fantástica, se a gente for pensar”, lembra.

Gravada como exercício, a faixa de som emitida pela caixa tem 55 minutos. Depois do prólogo, a atriz dá o play e precisa fazer a peça acontecer dentro deste tempo pré-determinado: “Eu dou play e preciso me encaixar. Ela não para. É uma faixa ininterrupta. Então a peça tem uma rigorosidade técnica de partitura física, vocal, emocional muito rígida, precisa caber ali. Nossa vida está atravessada o tempo inteiro pela tecnologia, e nisso tem afeto, tem comando e tem controle também. A máquina é um outro corpo com quem eu estabeleço um vínculo de escuta, de dependência, de confronto. É ao mesmo tempo uma libertação e um cárcere”, comenta.

Protagonismo feminino

Escrita, dirigida e encenada por mulheres, FERA afirma-se como obra de protagonismo feminino, que amplia vozes invisibilizadas e reaviva o pensamento de Val Plumwood, ainda inédita em tradução no Brasil.

“A forma como lidamos com a natureza é o que legitima todas as outras formas de opressão e dominação, tudo é um espelhamento dessa crença de superioridade. Como a gente propõe uma nova ética entre tecnologia e mundo natural? Porque é um caminho sem volta.  Essa convivência híbrida, porosa, é um caminho sem volta. O espetáculo busca o elemento novo, essa nova ética”, conclui Carolina Ferman.

SERVIÇO

Local: Espaço Cultural Municipal Sergio Porto, Rua Humaitá, 163 – Humaitá, Rio de Janeiro – RJ, 22261-000

Temporada: 07 a 31 de agosto de 2025

Horários: Sextas e sábados 19h, domingos18h

Ingressos: R$40 (inteira); R$20 (meia)

Link para ingressos: https://ingressosriocultura.com.br/riocultura/events/46406?sessionView=LIST&fbclid=PAQ0xDSwLfqORleHRuA2FlbQIxMQABp4a7UxIEaR0JbWRwziDmrVM4QFP_HmVEjCuk_ajvHgQZbVx5OQW-8pLO2ELh_aem_wVCegFR7qamYU1QLH2gs-A

Classificação: 18 anos

Duração: 60 minutos

Redes Sociais: @carolina_ferman ; @mar_comunicacao

FICHA TÉCNICA

  • Idealização, produção e atuação: Carolina Ferman
  • Direção: Natasha Corbelino
  • Dramaturgia: Carolina Ferman e Natasha Corbelino
  • Direção de movimento: Georgia Tonus
  • Direção de libras: Claudia Chelque
  • Sonografia: Felipe Storino
  • Iluminação: Fernanda Mantovani
  • Assistência de produção: Aline Garrido
  • Arte Gráfica: Elio de Oliveira
  • Assessoria: Mar comunicação
  • Realização: Ferman produções

Related posts

Morango do Amor: como um doce virou fenômeno de vendas e símbolo de nostalgia nas redes sociais

Chega de saudade – Foi reinaugurada a principal casa da Bossa Nova da cidade do RJ: VINICIUS SHOW

Como um nutricionista pode ajudar a conquistar seus objetivos de saúde