Flavia Tygel celebra a força do som feminino no cinema

Flavia Tygel

Quando Flavia Tygel foi convidada pelo diretor João Jardim para fazer a trilha do filme “As Polacas” — que estreou na 47ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo —, ela logo teve uma conexão imediata com o projeto, por ser judia e mulher, mas queria fazer algo diferente ou, em suas próprias palavras, “que saísse do lugar comum das narrativas de época, traduzir musicalmente aquilo que era mais forte nessas mulheres e não reforçar a agressão, me unir à força delas, e descobri um caminho”. Flavia colocou violinos agudíssimos e perturbadores para a cena do leilão das mulheres e foi buscar ajuda de um rabino para usar um instrumento-ritual judaico conhecido como shofar.

“O rabino nos contou uma bela parábola em vez de dizer um mero sim ou não. Ficamos um bom tempo decifrando (risos). E entendemos que sim, então o shofar está ali, numa cena em que a câmera ache nossa personagem principal dando a ela a certeza de que é inviolável. É muito corajoso esse filme, transgressor em tantas ressignificações”, define Flavia.

O olhar feminino da artista foi fundamental para a costura da trilha. A inspiração veio de vozes femininas entoando o tetragrama sagrado, conhecido como YHVH usando uma permutação diferente dessas vogais que está presente no longa. “Então aquilo que é tido como ‘impronunciável’ pela tradição é entoado e mora dentro dessas mulheres, é cantado, é sentido e é um sagrado incorruptível”, diz.

E assim, a produtora musical comemora mais um passo na sua carreira, dentro de uma área que há muito vem sendo regida por homens. “As coisas estão mudando! Mas é um processo. É um ganhar de espaços que antes não eram nem considerados serem divididos. Cada vez convido mais e mais mulheres para estarem em minhas produções, formando essa visão do que é compor para cinema, para imagem”, afirma ela.

Partiu também de um convite feminino – da diretora Caroline Fioratti – a participação de Flavia na trilha de “Meu Casulo Drywall”, sobre a morte de uma adolescente de 17 anos, Virgínia (Bella Piero), que abala sua mãe (vivida por Maria Luiza Mendonça) e todo o condomínio onde moram. Mais uma vez Flavia se inspirou e gravou a trilha na Rússia, dentro de uma igreja com reverberação natural e microfonada para captar naipes de cordas e coro da St. Petersburgo Studio Orchestra. “Enquanto as cordas seguem o padrão tonal de 440hz, as vozes atuam numa região mais sombria do espectro sonoro, mais especificamente em 432hz – uma das frequências curativas que desacelera os batimentos cardíacos. Essa dicotomia produz tanto um desconforto que se alinha à tragédia presente na narrativa, quanto um propósito de se enredar na mensagem de alerta que o longa-metragem aborda. Uma sensação física que nos impacta e comove”, conta Flavia.

Flávia Tygel

Com uma carreira musical que começou cedo, aos 12 anos, compondo canções e se apresentando na cena musical carioca, Flavia se especializou na composição de trilhas sonoras para cinema, teatro e televisão. No cinema, assinou a trilha do premiado documentário “Torre das Donzelas”, de Susanna Lira, além de ter participado da trilha sonora de filmes como “A Casa da Mãe Joana 2”, de Hugo Carvana, “O Paciente”, de Sérgio Rezende, entre outros. Atualmente está na programação da Globoplay, com a trilha sonora da importante série sobre a pandemia “Por Um Respiro” e também “Saideira”, apresentada por Stepan Nercessian e Antonio Pedro, no Canal Futura. Seu trabalho pode ser ouvido em “O Tempo da Terra”/ A(u)Tores” , série com grandes atores e a literatura e também em “Linhas Negras”. Saindo do forno, vem aí a trilha sonora do longa-metragem “Meu Casulo de Drywall”, primeiro longa de ficção da diretora Caroline Fioratti e o projeto “Bruxas de Tomar”, co-produção Brasil-Portugal, da realizadora Yael Steiner.

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