Entre cinzas e memórias, um fogo íntimo reacende a infância e transforma a periferia de Brasília em poesia de cinema. O cineasta e pesquisador brasiliense Roni Sousa estreia na direção cinematográfica com Fogo Abismo, único filme do Distrito Federal selecionado para a Mostra Competitiva Nacional do 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, e que será exibido no histórico Cine Brasília, dia 19 de setembro, às 21h. O documentário revisita lembranças da infância do diretor na Vila Rabelo, ocupação localizada em Sobradinho II, na Capital Federal, entrelaçando memória pessoal, arquivos de família e fabulação.
Gravado em diálogo com os moradores da Vila Rabelo, o filme é fruto de um processo de criação enraizado no território. Ao unir registros íntimos, elementos ficcionais e reflexões subjetivas, Fogo Abismo resgata experiências periféricas e coloca em cena temas que atravessam tanto a vida local quanto debates mais amplos sobre desigualdade, racismo ambiental e resistência.
A seleção como o único cineasta de Brasília na competição nacional traz um significado especial:
“Estou muito feliz, é realmente uma enorme honra. Tenho um carinho imenso pelo Festival de Brasília e pelo Cine Brasília, espaço que sempre frequentei como espectador apaixonado. Estrear ali como diretor, com um filme independente e feito sem recursos, ao lado de produções tão grandes e importantes, é emocionante. Isso mostra que o cinema tem espaço para todos — e que obras criadas na periferia também têm potência e lugar nessa história”, afirma Roni.
Segundo o diretor artístico do Festival, Eduardo Valente, a força do curta – totalmente independente – é inegável:
“A gente tem, do DF, um filme muito, muito potente: Fogo Abismo, de Roni Sousa. Um filme que é bom não dividir muito, para não tirar a surpresa quando vocês virem. Mas eu diria que o título já traz uma pista sobre as questões da temporada seca, os incêndios e as relações disso com questões não só ambientais, mas humanas e sociais em Brasília”, afirmou ele na coletiva de imprensa do evento.
Infância, comunidade e resistência: as camadas de Fogo Abismo
Para o diretor Roni Sousa, que se divide entre Sobradinho e Lisboa, onde cursa o doutorado, revisitar um passado tão pessoal foi um processo desafiador:
“Há algum tempo venho revisitando meus arquivos familiares, as notícias sobre a minha comunidade e minhas memórias, e o filme acabou se inserindo nesse movimento. Em vários momentos precisei interromper a criação, porque ela me levava a lugares difíceis de enfrentar — sobretudo ligados à infância. A certa altura, decidi acolher esse direcionamento íntimo e deixar o filme falar por si”, diz.
Embora pessoal, Fogo Abismo conecta-se a questões que atravessam o cotidiano da população do entorno da capital: a pobreza, a seca, o trabalho rural e a crise climática.
“O roteiro nasceu com esses objetivos. Eu não queria que soasse panfletário, por isso busquei partir de uma situação íntima que abrisse espaço para reflexões mais amplas. A partir da infância, encontrei um ponto de conexão com questões maiores que marcam a vida da minha comunidade — e acredito que de muitas comunidades periféricas no Brasil”, explica o cineasta.
A linguagem híbrida do curta reforça essa dimensão: “Eu o classifico como um documentário híbrido que incorpora elementos do filme-ensaio — a voz pessoal, a reflexão subjetiva, a fabulação. Meu principal arquivo era a memória, instável e em constante reconstrução. Ao lado dos registros que eu tinha, convoquei lembranças e fabulei sentidos. Esse entrelaçamento entre real e ficção moldou o filme”.
Em sua estreia no cinema e assinando toda a produção do filme (direção, roteiro, direção de arte, trilha sonora, montagem e edição de som), Roni Sousa — que acumula mais de uma década de atuação no teatro e no cinema — abre um novo capítulo na sua trajetória artística, marcando a sua entrada no circuito cinematográfico nacional e já apontando para uma futura circulação internacional.
“Estrear como diretor trazendo essa experiência para a tela é também uma forma de afirmar a potência criativa da periferia”, conclui.
Serviço:
Festival de Brasília do Cinema Brasileiro – Mostra Competitiva Nacional
Exibição de Fogo Abismo
Local: Cine Brasília
Data: 19 de setembro de 2025
Horário: 21h
Fogo Abismo
Documentário, 11m45s, Distrito Federal, Livre
Sinopse:
As lembranças da infância na Vila Rabelo, uma das maiores ocupações de Brasília, ganham forma entre fotografias de família, arquivos e imagens fabulares. Uma carta de 2002 faz emergir afeto, ausência, fogo e resistência – entre o quintal e a cidade, entre o pai que constrói casas para outros e a mãe que sonha com a partida. Um carrinho, um incêndio e uma fuga interrompida revelam a dor e o desejo de pertencimento da criança à margem da capital brasileira.
Ficha técnica:
Direção, roteiro, direção de arte, trilha sonora, edição de som e montagem: Roni Sousa
Direção de fotografia: Rodrigo Resende Coutinho e Roni Sousa
Elenco: José Luiz, Jorge Sousa, Luzia Lopes e Roni Sousa
Sobre Roni Sousa:
Roni Sousa é cineasta e pesquisador, com formação em teatro e cinema, tendo estudado em Brasília, Lisboa e Bordeaux. É mestre em Artes Cênicas pela Universidade Nova de Lisboa, onde atualmente cursa doutorado em Ciências da Comunicação – Cinema e Televisão, com foco em narrativas periféricas. Sua trajetória cruza criação artística e pesquisa acadêmica, explorando temas como memória, território e representações das periferias urbanas no audiovisual.
