“Ideias para Adiar o Fim do Mundo” estreia no Futuros – Arte e Tecnologia em 28 de novembro

Inspirado nas obras de Ailton Krenak, espetáculo percorre o processo de violação dos povos originários do Brasil através das trajetórias do líder indígena e do ator Yumo Apurinã, nascido na Aldeia Mawanaty, em Rondônia

por Jorge Rodrigues
Ideias para Adiar o Fim do Mundo

Pela primeira vez no teatro, “Ideias para Adiar o Fim do Mundo” perpassa obras, falas, o pensamento e a trajetória do líder indígena Ailton Krenak, imortalizado pelo seu protesto na Constituinte de 1987. Após meses de processo colaborativo, a dramaturgia de João Bernardo Caldeira e de Yumo Apurinã, diretor artístico e protagonista do espetáculo, investiga as raízes da colonização que, como aponta Krenak, segue em curso, produzindo extermínio, etnocídio, devastação ambiental, expropriação de terras e tragédia climática, por meio de tiro, fogo, bíblia, soja, boi, estrada e cimento. A peça estreia no centro cultural Futuros – Arte e Tecnologia, no Flamengo, dia 28 de novembro, com temporada de quinta a domingo, sempre às 20h, até dia 22 de dezembro.

Para tratar desse Brasil que ignorou os direitos dos povos originários até a Constituição de 1988, o espetáculo enfoca a trajetória de vida de Yumo Apurinã, há seis anos radicado no Rio de Janeiro. Um indígena do povo Apurinã, nascido na Aldeia Mawanaty, no território Cinta Larga, em Rondônia, conhece o teatro ao frequentar a Igreja e decide ser ator. Em conflito com as ideias de pecado e de expulsão do paraíso, que separa humanidade e natureza, ele confronta o cristianismo em busca de sua ancestralidade, solapada pelos processos coloniais.

“Eu não sei a minha língua”, constata, atônito. Sob memórias de massacre, desmatamento e evangelização, a pergunta fundamental do best-seller de Krenak é então colocada: “Somos mesmo uma humanidade?”

Ao investigar os costumes e o passado de seu povo, o Demiurgo Tsurá, o ritual Xingané, o poder de cura dos Kusanaty (pajés), esse indígena vasculha a si mesmo, enquanto desvela o etnocídio, a expropriação de terras e o sistemático aniquilamento do povo indígena e de seus direitos, inclusive em todas as constituições até a de 1988.

Em cena, esse corpo racializado pela sociedade, que lhe imputa a pecha de “índio”, vasculha os estereótipos, enquadramentos e racismos vivenciados inclusive em sua carreira como ator. É na escola que Yumo descobre que quem descobriu o Brasil foi Pedro Álvares Cabral e escuta dos colegas: “Você é índio de verdade? Você come carne de macaco?”. Com frequência, suas personagens usam roupas rasgadas, não possuem família, usam cocar ou têm os pés descalços.

“Sou fruto de histórias de sobrevivência. Nasci e cresci num mundo já cristão. A minha referência de força espiritual é estar ajoelhado, abrir mão dos meus desejos e renunciar a minha vida. Quando me dei conta disso, foi assustador. Eu não sou contemplado por esse pacote de vivência dolorida que a bíblia oferece”, afirma Yumo. “Prefiro acreditar no encantamento desta vida do que numa vida eterna no paraíso ou no inferno”.

“Durante o processo de ensaios, Yumo decidiu que, a partir das palavras de Krenak, ele precisava contar a sua história e compartilhar conosco a sua própria busca”, conta João Bernardo, diretor, idealizador, produtor e autor do texto do espetáculo, ao lado de Yumo. Ao constelar as trajetórias de Yumo e Krenak, “Ideias Para Adiar o Fim do Mundo” nos descortina os procedimentos visíveis ou menos evidentes da sistemática violentação sofrida pelas populações indígenas ainda hoje. “A colonização ainda está acontecendo”, diz. “O racismo, o sexismo, a expropriação de terras e a monocultura ainda formam os pilares da sustentação socioeconômica deste país”.

Neste contexto desolador, o ator-personagem, num trabalho de atuação voltado para as ações psicofísicas, partilha com o espectador sua caça a si mesmo. Será que adiar o fim do mundo é adiar o seu próprio fim? De onde podemos encontrar os nossos paraquedas coloridos e evitar a queda do céu, ideias imprescindíveis das culturas originárias? Como nos mobilizar e nos envolvermos diante de cenários distópicos e aterrorizantes?

“Quando escuto Krenak, sei que estou ouvindo muitas outras vozes de sábios e parentes. Ailton é um porta-voz que representa mais de 300 etnias, como disse em seu discurso de posse na ABL (Academia Brasileira de Letras). Quando eu me apresento num palco, minha mãe, meu pai e meus antepassados estão ali, nunca estamos sozinhos. Se minha memória está viva, a deles também”, reflete Yumo. “A intenção deste espetáculo é buscar um caminho consciente de transformação interior. Enquanto o teatro puder me fazer existir, é com ele que vou continuar sonhando e suspendendo o meu céu. O teatro é sagrado. Viver é sagrado”, completa o ator.

O diretor endossa a fala de Yumo e complementa: “Quem sabe, neste momento em que as tragédias ambientais ficam cada vez mais escandalosas, possamos ampliar a nossa escuta para outras formas de envolvimento com a terra e os povos da floresta. O teatro pode ser mais um dispositivo a convocar saberes que foram adormecidos, de comunhão, luta, partilha e festa”.

“Antes de escutar e encarnar o que um sonhador de mundos que Ailton Krenak é, eu tive que sonhar. É necessário encarnar o sonho. Eu acredito que encarnei, por isso que escutei. Muita gente não sabe escutar. Porque a cidade é barulhenta. Quando dormimos, vamos dormir com o barulho da cidade e do trabalho. O encanto é preciso. A poesia da vida é precisa. Se não, a morte nos encontra. E ela pode nos encontrar morto ou vivo. Quando a morte chegar até mim, que ela me encontre vivo”, finaliza Yumo.

“Por meio da cultura e suas diversas linguagens, o Futuros – Arte e Tecnologia busca engajar o público em reflexões conectadas com o nosso tempo. Iniciamos o ano de 2024 com uma exposição multilinguagem feita por artistas amazônidas inspirados no termo cunhado por Ailton Krenak: ‘Casa Comum’. A partir do dia 28, vamos concluir nossa programação com este novo espetáculo que também aborda as valiosas percepções do autor, ampliando o diálogo sobre o colapso ambiental e a nossa relação com o planeta”, ressalta Victor D’Almeida, gerente de cultura do instituto Oi Futuro.

Fundado pela Oi, sua principal mantenedora, e com gestão do Oi Futuro, em 2024 o Futuros – Arte e Tecnologia conta com patrocínio de BNY e EY, com apoio do Governo Federal através da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro – Lei do ISS, o projeto Vem, Futuro! Ano 2 é realizado pela Zucca Produções, em parceria com o Oi Futuro, no centro cultural, com patrocínio da Serede, Oi, Tahto e Prefeitura do Rio de Janeiro/SMC, oferecendo programação cultural, ações educativas e abrangendo infraestrutura de apoio nas galerias, no teatro e no Musehum.

Sinopse:

Num planeta em crise, um indígena nascido numa aldeia, em Rondônia, investiga as raízes de seu povo apagadas pela colonização. Inspirado nas obras de Ailton Krenak.

Ficha técnica:

  • Inspirado nas obras de Ailton Krenak
  • Atuação e texto: Yumo Apurinã
  • Direção e texto: João Bernardo Caldeira
  • Preparação corporal: Giovanna Aguirre
  • Figurinos: Wangleys Manaó
  • Iluminação: Djalma Amaral
  • Direção musical: Felipe Storino
  • Composições: Xipu Puri e Felipe Storino
  • Projeções mapeadas: Renato Krueger
  • Cenário: João Bernardo Caldeira e Yumo Apurinã
  • Consultoria iconográfica: Juão Nÿn
  • Assistência de direção: Caroline Ozório
  • Fotografia: Andrea Rocha ZBR
  • Assessoria de imprensa: Alessandra Costa
  • Identidade visual: Rafael Andrade e Rodrigo Simões
  • Redes sociais: Sophia Lyrio
  • Intérprete de Libras: Ana V. Lopes
  • Audiodescrição: Cinema Falado
  • Residência artística: Aldeia Marakana
  • Assistência de produção: Alipia Mattos
  • Produção executiva: Ludimila D´Angelis
  • Idealização e direção de produção: João Bernardo Caldeira
  • Produção: Pequieté e São Bernardo

Ailton Krenak, a voz de vários povos indígenas deste Brasil

Ailton Krenak é um líder indígena, ambientalista e escritor brasileiro da etnia indígena Krenaque. Nasceu em 1953 no estado de Minas Gerais, na região do Médio Rio Doce. É professor Honoris Causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), imortal da Academia Brasileira de Letras e da Academia Mineira de Letras. Natural de Itabirinha, em Minas Gerais, escreveu livros como “Ideias para adiar o fim do mundo”, best-seller publicado em diversos idiomas, “A vida não é útil” e “Futuro ancestral”. Conquistou grande destaque por sua atuação em prol dos direitos indígenas. Na década de 1980, passou a dedicar-se exclusivamente ao movimento indígena. Em 1985, fundou a organização não governamental Núcleo de Cultura Indígena, visando promover a cultura indígena. Na Assembleia Constituinte, em 1987, que elaborou a Constituição Brasileira de 1988, Ailton protagonizou uma das cenas mais marcantes da mesma: em discurso na tribuna, vestido com um terno branco, pintou o rosto com tinta preta para protestar contra o retrocesso na luta pelos direitos indígenas. Em 1988, participou da fundação da União dos Povos Indígenas, organização de representação dos interesses indígenas no cenário nacional. Em 1989, participou da Aliança dos Povos da Floresta, movimento que busca o estabelecimento de subsistência econômica através de reservas naturais na Amazônia

Yumo Apurinã – Atuação e Texto

Yumo Apurinã nasceu em Cacoal, interior de Rondônia, onde o povo Apurinã, original do

Amazonas, firmou-se na Aldeia Mawanaty, do povo Cinta Larga, no município de Pimenta Bueno. Começou a fazer teatro no ensino médio, em Espigão D’Oeste, quando atuou e escreveu a peça “Myrunguêre e Nara”, premiada no Festival Estudantil Rondoniense de Artes e apresentada em Porto Velho. Aos 19 anos, foi para o Rio de Janeiro sob o sonho de dedicar-se à carreira de ator. Nos últimos anos, formou-se como ator pela Casa das Artes de Laranjeiras e foi indicado duas vezes, em 2022 e 2023, ao Prêmio APTR de Ator Jovem Talento pelas peças “Por Detrás de O Balcão” e “O Balcão” (ambas sob direção de Renato Carrera). Atuou ainda em “Karaiba” (2023), uma adaptação da obra de Daniel Munduruku, que circulou por todo país. Em 2023, atuou em “Vôo Livre”, da Companhia Brasileira de Teatro, direção de Márcio Abreu, e em “Guasu”, dirigida por Vilma Melo. Escreveu e atuou nos solos “Os Meus Olhos” (2021) e “Tibira e a Mãe” (2020), com o qual ganhou o prêmio de melhor ator do FestiCAL Online. Entre seus últimos trabalhos estão ainda “Ricos de Amor 2” (2023), de Bruno Garotti; “O Turista Aprendiz” (2022), de Murilo Salles, além dos espetáculos “Krum” (2021) e “Tybyra, Uma Tragédia Yndygena Brasileira” (2021).

João Bernardo Caldeira – Direção artística, texto, direção de produção e idealização

Graduado em Direção Teatral e Comunicação pela UFRJ e Mestre em Artes da Cena pela mesma universidade, João Bernardo Caldeira é Pós-graduado em Gestão Cultural pelo Itaú Cultural e Universidade de Girona e doutorando em Artes Cênicas pela ECA-USP. É autor, diretor, professor, produtor e pesquisador teatral, além de jornalista cultural. Idealizou e produziu a peça “Para Meu Amigo Branco”, em 2023/24, com direção de Rodrigo França e inspirada no livro de Manoel Soares. Dirigiu, produziu e escreveu espetáculos como “Eu Quem Eu Somos”, “Avenida Central” e “Atafona O Fim”. Produziu e escreveu o espetáculo “Funk Brasil – 40 Anos de Baile”, entre outros. Desde 2008, é colaborador de cultura do jornal Valor Econômico.

Futuros – Arte e Tecnologia

Inaugurado há 19 anos com a proposta de democratizar o acesso a experiências de arte, ciência e tecnologia, o centro cultural Futuros – Arte e Tecnologia convida o público a refletir sobre grandes temas deste século que norteiam a sua linha curatorial: meio ambiente, ancestralidade, infância, diversidade, educação e as inúmeras questões que envolvem a tecnologia e o seu impacto no desenvolvimento da humanidade. O espaço investe de forma recorrente na produção e inovação artística, com experimentação de novas linguagens, busca revelar novos talentos e valorizar e desenvolver o setor cultural do país, além de expandir a colaboração com a cena artística internacional, consolidando o Brasil na rota mundial da economia criativa.

Nomes como Andy Warhol, Nam June Paik, Jean-Luc Godard, Luiz Zerbini e Lenora de Barros são alguns dos expoentes que já ocuparam suas galerias ao longo dos últimos anos. Seu espaço já foi palco da cena cultural carioca e nacional com eventos como Festival do Rio, Panorama de Dança, Multiplicidade, Novas Frequências e Tempo_Festival, sendo os três últimos especialmente concebidos para a instituição.

Com programação diversa e voltada para toda a família, o centro cultural abriga galerias de arte, um teatro multiuso e o Musehum – Museu das Comunicações e Humanidades. Com acervo de mais de 130 mil peças históricas sobre as comunicações no Brasil, promove ainda experiências imersivas e interativas que divertem e estimulam a reflexão sobre o impacto das tecnologias nas relações humanas. Em 2023, mais de 127 mil pessoas visitaram suas dependências.

Fundado pela Oi, sua principal mantenedora, e com gestão do Oi Futuro, em 2024 o Futuros – Arte e Tecnologia conta com patrocínio de BNY e EY, com apoio do Governo Federal através da Lei Federal de Incentivo à Cultura. Por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura do Rio de Janeiro – Lei do ISS, o projeto Vem, Futuro! Ano 2 é realizado pela Zucca Produções, em parceria com o Oi Futuro, no centro cultural, com patrocínio da Serede, Oi, Tahto e Prefeitura do Rio de Janeiro/SMC, oferecendo programação cultural, ações educativas e abrangendo infraestrutura de apoio nas galerias, no teatro e no Musehum.

Serviços:

Estreia: 28 de novembro
Temporada de quinta a domingo, às 20h – até dia 22 de dezembro
Local: Teatro Futuros – Arte e Tecnologia
Endereço: Rua Dois de Dezembro, 63 – Flamengo
Classificação: 12 anos
Lotação: 63 lugares
Duração: 80min

Ingressos: IDEIAS PARA ADIAR O FIM DO MUNDO em Rio de Janeiro – Sympla

Valores: R$ 60,00 (inteira) / R$ 30,00 (meia)

Sessões com intérpretes de libras:
Novembro: dias 28 e 30
Dezembro: dias 01, 08, 12, 14, 19, 21 e 22

Sessões com audiodescrição:
Novembro: dia 28 e 30
Dezembro: 01, 08, 12, 14, 19 e 21

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