Em 2022, atravessados e tocados pelas consequências devastadoras causadas pela pandemia e pelo momento político crucial que o país atravessava, o Núcleo Bartolomeu de Depoimentos estreou “Hip-Hop Blues – Espólio das Águas”, 18º espetáculo de seu repertório. Três anos depois, aproveitando a efeméride dos 25 anos do grupo e aprovada pelo Edital de Cultura Sesc RJ Pulsar, a montagem dirigida por Cláudia Schapira estreia dia 23 de outubro, às 20h30, no Mezzanino do Sesc Copacabana, onde cumpre uma curta temporada carioca até 16 de novembro. Nascida de um processo pós-pandêmico em diálogo com a pesquisa continuada do coletivo, a peça, que teve o texto “Os Sete Pecados Capitais dos Pequenos Burgueses“, de Bertold Brecht, como uma espécie de disparador para sua criação, afunilou a cena no exercício do depoimento.
Conforme o processo foi avançando a obra tomou outros rumos, mas manteve alguns elementos presentes nesse texto, reorganizados em outro contexto. O rio Mississipi por exemplo, presente na obra de Brecht como percurso, é transposto para os rios soterrados da cidade de São Paulo que, transbordantes em dias de chuva, levantam memórias que vêm à superfície e afloram conflitos. Atores e atrizes, personagens em Brecht, aqui também protagonizam, repensando a função da cena e o lugar da representação. Num jogo cênico que fricciona depoimento e ficção, o centro da ágora é invadido por narrativas e ancestralidades que revelam e contrapõem o racismo, a moralidade, a LGBTQIAPN+fobia, a intolerância, a supremacia branca e patriarcal e seus inúmeros braços estruturais.
Tangenciando toda a narrativa surgem algumas perguntas trazidas pelas águas: O que fica em nós? O que lembramos em momentos cruciais da nossa existência e em relação ao tempo histórico em que vivemos? Os rios subiram, transbordaram, desceram e deixaram como espólio memórias d’água. Essas memórias úmidas são a matéria prima com a qual o espetáculo foi sendo entretecido.
“O Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, como apresenta o nome, trabalha a partir desse exercício estruturante, e foi a partir de relatos coletados em sala de ensaio, em contracena com as memórias individuais dos artistas envolvidos na criação, que se configurou este espetáculo-mosaico. Uma grande teia de recortes organizados em uma linha narrativa; uma dramaturgia cênica, que entrelaça música ao vivo, coreografia, luz e vídeo-grafia para dar corpo às histórias evocadas no campo da memória”, apresenta Claudia Schapira, uma das fundadoras do coletivo, que também está em cena.
Além dos quatro membros-fundadores do Núcleo – Claudia Schapira, Eugênio Lima, Luaa Gabanini e Roberta Estrela D’ Alva – o espetáculo conta com Cristiano Meirelles, Dani Nega e Daniel Oliva, artistas-aliados que já colaboraram com o coletivo em outras produções. Através da imagem, outras vozes se somam ao trabalho: Adeleke Adisaogun Ajiyobiojo, Aretha Sadick e Zahy Guajajara se apresentam ampliando o discurso do espetáculo, que evoca de forma mais coletiva e diversa a construção de outros imaginários.
A música exerce papel central na peça, confluindo grande parte dos textos. Por outro lado, o blues, para além de um estilo musical, é apresentado no espetáculo como uma visão de mundo, como forma de resistência e de protesto, como território e ágora capaz de abrigar todas as diásporas, todos os levantes, e de dar contorno ao momento desafiador que atravessa a humanidade. Aqui o blues se apresenta como uma metáfora, como personagem, lançando mão do ritmo e da poesia, espécie de rezo, como se fosse lamento, também reivindicação e luta, sem abrir mão do poder transformador da celebração.
“Hip-Hop Blues – Espólio das Águas” é, portanto, um espetáculo diferenciado dentro do repertório do grupo. Ele apresenta uma faceta mais processual e performática da linguagem, que procura elaborar cenicamente os confrontos com a palavra, a forma, a representação, a linguagem, dentre outras questões que nos desafiam neste momento histórico. De todos os trabalhos, é o que mais se configura como um livro de folhas soltas, que podem ser reorganizadas a cada nova temporada em relação ao tempo que lhe cabe viver. “Esse quarto de século de intenso trabalho originou não só uma cartografia que mescla linguagem e trajetória do grupo, mas também reflexões e um importante olhar para o futuro na formação de novos imaginários”, encerra Eugênio Lima.
SINOPSE
Chove, chove muito. Os rios transbordam e ocupam a cidade, reivindicando seu lugar de existência. “Hip-Hop Blues – Espólio das águas” é um espetáculo tecido em fragmentos que “dá voz” a essas águas. Em um teatro atravessado pela chuva, artistas ensaiam tentando dar contorno às memórias. Num jogo cênico que fricciona depoimento e ficção, o centro da ágora é invadido por narrativas e ancestralidades que revelam e contrapõem o racismo, a moralidade, a LGBTQIAPN+fobia, a intolerância, a supremacia branca e patriarcal e seus inúmeros braços estruturais. A partir dos depoimentos pessoais do elenco confrontados com questões contemporâneas, o Núcleo Bartolomeu criou este trabalho que, de todos, é o que mais se configura como um livro de folhas soltas que podem ser reorganizadas a cada nova temporada em relação ao tempo que lhe cabe viver.
FICHA TÉCNICA
- Direção: Claudia Schapira
- Dramaturgia: Claudia Schapira e elenco
- Atores/Atrizes-MC’s e Dramaturgia: Cristiano Meirelles, Dani Nega, Eugênio Lima, Luaa Gabanini e Roberta Estrela D’Alva
- Músico: Daniel Oliva (Guitarra)
- Assistência de Direção: Rafa Penteado
- Cenografia: Marisa Bentivegna
- Desenho de Luz: Matheus Brant
- Operação de Luz: Letícia Nanni e Matheus Brant
- Criação de Vídeo: Vic von Poser
- Operação de Vídeo: Vic von Poser e Andressa Núbia
- Técnico de Som: João de Souza Neto, Clevinho Souza e Nick Guaraná
- Cenotécnico e Assistente de Palco: Wanderley Wagner da Silva
- Figurinos: Claudia Schapira
- Direção de Produção: Mariza Dantas
- Produção Executiva: Thais Cris
- Programação Visual e Desenhos: Murilo Thaveira
- Coordenação das Redes Sociais: Agência Mugô
- Relações Públicas: Naira Fernandes
- Assessoria de Imprensa: Marrom Glacê Comunicação
- Fotos de Divulgação: Sérgio Silva
SERVIÇO
“HIP HOP BLUES – ESPÓLIO DAS ÁGUAS”
- Temporada: 23 de outubro a 16 de novembro de 2025
- Horário: Quinta-feira a domingo, às 20h30
- Ingressos: R$ 10 (associado do Sesc), R$ 15 (meia-entrada), R$ 30 (inteira)
- Local: Mezanino do Sesc Copacabana
- Endereço: Rua Domingos Ferreira, 160 – Copacabana – Rio de Janeiro
- Informações: (21) 3180-5226
Bilheteria – Horário de funcionamento:
- Terça a sexta-feira – das 9h às 20h;
- Sábados, domingos e feriados – das 14h às 20h
- Classificação Indicativa: 12 anos
- Duração: 120 minutos
- Instagram: @nucleobartolomeu
O NÚCLEO BARTOLOMEU DE DEPOIMENTOS
Em 2000, o Núcleo Bartolomeu estreou “Bartolomeu, O Que Será que Nele Deu?”, o primeiro espetáculo da companhia, dirigido por Georgette Fadel e inspirado no romance de Herman Melville “Bartleby, O Escriturário”. “Acordei Que Sonhava”, uma livre adaptação de “A Vida É Sonho”, de Calderón de la Barca, foi o segundo espetáculo do grupo, estreado em 2002, dirigido por Claudia Schapira. Entre os anos de 2002 e 2003, o Núcleo desenvolveu o projeto “Urgência nas Ruas – obras-manifesto”. Em 2006 estreia “Frátria Amada Brasil – Pequeno Compêndio de Lendas Urbanas”, espetáculo inspirado na Odisseia de Homero. Em 2008, o projeto “5 x 4 – Particularidades Coletivas”, gerou cinco espetáculos: “Encontros Notáveis”, “3×3 – Três DJs em busca do vinil perdido”, “Manifesto de Passagem – 12 Passos em Direção à Luz”, “Vai te Catar!” e “Cindi Hip-Hop – Pequena Ópera Rap”.
Em 2009, o Núcleo iniciou o projeto “Pajelança de Kuarup no Congá”, que resultou no espetáculo “Orfeu, uma Hip-Hópera Brasileira”, sendo Roberta Estrela D’Alva vencedora no Prêmio Shell por sua performance. Em 2013, estreou “Antígona Recortada”, premiado como Melhor Espetáculo pelo Prêmio Governador do Estado. Em 2014 realiza o espetáculo-intervenção “BadeRna”, última peça realizada na sede do grupo no Bairro da Pompéia, que foi demolida pela Ink Incorporadora e todos seus associados. Em 2015 realizou a Ocupação “Arena Urbana – De onde viemos, para onde voltamos”, que contou com a temporada de três obras inéditas: “Memórias Impressas”, “Olhos Serrados” e “1, 2, 3 – Quando acaba começa tudo outra vez”, este último, marca a incursão do grupo no universo do teatro infantil.
Em 2016, estreou “Cassandra – Na calada da voz”. Em 2019, estreou o espetáculo “Terror e Miséria no Terceiro Milênio – Improvisando Utopias”. Ganhador do 32º Prêmio Shell de Teatro (SP) na categoria de Melhor Música. Prêmio APCA 2019 da Associação Paulista de Críticos de Arte – Prêmio Especial: “Espetáculo Terror e Miséria no Terceiro Milênio – Improvisando Utopias pelo posicionamento político frente à realidade do País”. Em 2022 estreou “Hip-Hop Blues – Espólio das Águas”. Ainda naquele ano o Núcleo lançou “A Palavra como Território”, pela Editora Perspectiva, livro que contém toda a dramaturgia desenvolvida por duas décadas pela companhia. Além dos espetáculos, o Núcleo criou vários projetos, em 2008, “ZAP! Zona Autônoma da Palavra”, o primeiro poetry slam (campeonato de poesia) brasileiro, que deu origem ao “SLAM SP” e ao “SLAM BR” e em 2009, “DCC – Dramaturgia Concisa e Contemporânea”, um espaço dedicado à criação e debate sobre produção de textos.
