Irmãs Brasil levam premiada performance “Eunucos” a Duque de Caxias

Eunucos
Eunucos - Foto: @NereuJr

Viní Ventania e Vitória Jovem, performers que juntas compõe a dupla artística Irmãs Brasil, levam a performance autoral “Eunucos” a Duque de Caxias. Serão duas apresentações, nos dias 04 e 05 de outubro, no Gomeia Galpão Criativo, ambas às 20h, com entrada gratuita.

– É muito forte o sentimento de poder levar “Eunucos” a lugares distintos, cada um com suas características, história, política e distintos recortes. A gente gosta de conviver com a verdade de que toda peça, na verdade é um problema que nunca se resolve, uma espécie de bomba que quando ativada pode detonar coisas inimagináveis e o nosso trabalho está interessado nesse dispositivo, nessa bomba, nesse problema que nunca se resolveu, nem vai se resolver, mas estamos aí lidando com ele, convivendo, descobrindo seus mistérios e humanizando nossos corpos a cada canto desse mundo. Onde “Eunucos” estiver nosso DNA estará e isso é o que nos interessa, adentrar espaços, construir relações de trocas profundas onde possamos nos afetar por realidades distintas e afetá-las de alguma forma, promover mudança e transições necessárias em cada lugar e em nós mesmas e nas pessoas que se disponibilizam a viver essa experiência para além da camada da espetacularização das nossas presenças – dizem as artistas sobre levar a produção para Duque de Caxias.

Sinopse: “Eunucos” reflete sobre processos de castrações históricas, tecnologias de transição e performance de gênero. Duas existências, dois cavalos selvagens, duas sereias, duas ninfas e duas liliths negociando vida e desejos, atravessando o tempo e espaço e ativando um ritual de morte e ressurreição. As corpas passam por micro e macro cirurgias ao vivo, nos acidentes provocados e recebidos por elas. Nesta peça, o público não é um agente passivo, e também se posiciona diante dos conflitos de relação ativados pela performance.

“Eunucos” foi premiada recentemente com o prêmio Young Choreographers 2024 no ImPulsTanz – Vienna Internacional Dance Festival (Áustria).

– É um misto de sentimentos receber esse prêmio do Impultanz, o maior festival de dança e performance do mundo. “Eunucos” foi considerada a melhor peça dentro da série 8:tension melhores jovens coreógrafos do mundo. Passa um filme na nossa cabeça, de onde viemos e como chegamos até aqui, as inúmeras dificuldades que enfrentamos e tivemos que vencer sendo uma dupla de artistas travestis independentes no Brasil e no mercado e circuitos das artes. Ao mesmo tempo que esse reconhecimento nos consagra enquanto as novas promessas do mundo das artes performáticas, ele também nos revela o quanto doamos nossa vida pra isso tudo de fato acontecer e o quanto nosso trabalho se tornou uma espécie de missão das nossas vidas. O mundo tem uma tendência a só atribuir a legitimidade e dignidade ao artista quando somos reconhecidas pela Europa, mas a verdade é que não somos as novas coreógrafas do mundo, nós sempre estivemos aí, disputando coreografias o direito a coreografia política das nossas presenças, o direito a poder fazer e viver de arte no Brasil. Somos muito gratas por esse reconhecimento do Impultanz porque permite que o mundo nos veja cada dia mais com nossa dignidade e humanidade, que a fala da Europa em nos localizar enquanto melhor peça do festival, possa abrir espaços para que não sejamos artistas de uma única peça, que possamos sonhar com a velhice travesti, com a possibilidade de seguirmos criando mundos, destruindo muitos outros mundos e principalmente garantindo que a próxima geração de pessoas trans tenham um espaço possível nesse jogo chamado CIRCUITO DA ARTE – ressaltam.

A performance nasceu em 2019 na primeira Escola Livre de Artes da Maré, a Elã. No projeto, Viní e Vitória passaram por ciclos de formação que convidaram as artistas a pensar em uma experiência estética a partir de sua própria história de vida. A experiência deveria ser capaz de comunicar ao mundo a identidade das irmãs, e o processo de transição que trilhavam juntas, bem como o caminho de seus corpos até ali, ofereceram as respostas para o exercício.

– Ela surge quando olhamos para a concretude de um corpo que, na época, estava em início de transição e buscando ferramentas para autoafirmação e pertencimento. Percebemos que esse era um corpo capaz de transformar em arte seus maiores medos, angústias, e toda a violência que vivenciou da infância até a vida adulta — contam as Irmãs.

O nome faz referência a um versículo bíblico, encontrado no livro de Matheus, onde o autor descreve as variações de um eunuco — corpos que, de alguma forma, foram fisicamente castrados. Para as Irmãs, uma castração pode ir além da carne do corpo.

– “Eunucos” vem para constatar o quanto a sociedade é capaz de nos castrar de nós mesmas. Entendemos esse processo de castração para muito além do sexo em si. Vemos a castração dos nossos desejos, dos nossos sonhos, e do lugar onde nos imaginamos sendo quem realmente somos — explicam Viní e Vitória.

Durante a apresentação, as artistas manuseiam e encenam tecnologias de castração, desde bloqueadores de testosterona a gestos que emulam uma castração, mas castração essa “capaz de libertar o espírito”, como acreditam Viní e Vitória. No Brasil, “Eunucos” foi apresentada na 9ª Mostra Internacional de Teatro de São Paulo em março deste ano, e aterrissou em solo europeu para turnê na Suíça em 2023 nos festivais LES URBAINES, na cidade de Lausanne, e Festival Gessnerallee, em Zurique.

Viní e Vitória acreditam que o acesso do público à peça é fundamental, especialmente por significar que outras pessoas trans e travestis poderão ver na arte uma nova possibilidade de vida e expressão de suas realidades.

– “Eunucos” é um processo que, enquanto estivermos vivas, queremos compartilhar. A performance não fala apenas das nossas próprias questões, mas de questões enraizadas na sociedade patriarcal e cisgênera em que vivemos. Essa performance é pelas nossas “traviarcas” ancestrais e pela próxima geração de pessoas trans que ainda nem nasceram nesse mundo — refletem Vitória e Víni.

Com apresentações na Europa e no Brasil, as Irmãs notam semelhanças entre os públicos, que demonstram diferentes níveis de aceitação e resistência. Para elas, a normalização do corpo travesti em espaços de arte é mais que necessária, seja em qual continente for.

– É necessário que a lógica da inclusão não gere uma lógica de exclusão, como ao sermos colocadas em nichos específicos ou classificadas como “as artistas trans”, ou “as artistas travestis”. É ideal que as pessoas consigam nos ver inseridas numa programação geral, como qualquer outro artista — observam as Irmãs.

Naturais de Amparo, no interior de São Paulo, Viní e Vitória são filhas de uma rainha de bateria e foram criadas por uma família de palhaços de rodeio. A arte sempre esteve presente na vida das irmãs, que a abraçaram, de fato, anos depois no Rio de Janeiro, onde também iniciaram seus processos de transição.

“Eunucos” também traz referências ao que pode ser entendido como o primeiro contato da dupla com o conceito de performance, ainda na infância. A trilha sonora da performance, supervisionada pela artista Andrômeda, reflete a realidade vivida e a fantasia imaginada pelas Irmãs.

– A trilha está diretamente ligada à memória afetiva que a performance carrega. Decidimos substituir, por exemplo, os três toques comuns do teatro por um berrante, som usado para reunir o rebanho e conduzir o rebanho ao curral. Também evocamos o canto das sereias míticas que seduzem, encantam, chamam, distorcem, brigam e se vingam do mundo. Os sons de “Eunucos” são ligados à sua materialidade selvagem — explicam.

Antes de voltar ao Rio, as irmãs se apresentaram em Portugal com a peça “Sem Palavras” da Companhia Brasileira de Teatro. A apresentação aconteceu no Festival Internacional de Teatro Fitei. Com “Sem Palavras”, ambas Viní e Vitória foram indicadas individualmente na categoria de Melhor Atriz no Prêmio Shell de Teatro em 2023. Essa foi a primeira vez, em 33 anos da premiação, em que artistas travestis concorreram na categoria. O marco não passa despercebido pelas Irmãs.

– Fazemos arte no país que mais mata pessoas trans no mundo. Isso precisa ser entendido, e além de abrir espaços, é necessário que pensem na nossa permanência — reconhecem.

A circulação da performance “Eunucos” tem realização do Governo Federal, Ministério da Cultura, Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro, através da Lei Paulo Gustavo – Edital Giros RJ.

Eunucos

  • Local: Gomeia Galpão Criativo
  • Endereço: Rua Dr. Lauro Neiva, 32 – Jardim Vinte e Cinco de Agosto, Duque de Caxias
  • Data: 04 e 05 de outubro
  • Horário: 20h
  • Ingressos: Entrada gratuita
  • Classificação Indicativa: 18 anos
  • Duração: 40 minutos

Ficha técnica

  • Concepção, criação, performance e trilha sonora: Irmãs Brasil
  • Operação de Trilha Sonora: Andrômeda
  • Visagismos: Hair Deluxe
  • Produtoras: Andrômeda e Priscila Manfredini
  • Coordenação de Produção: Rafael Fernandes
  • Consultoria de Acessibilidade: Larissa Ferreira
  • Cenotécnica: Raquel Martins
  • Programação Visual: Charles Pereira
  • Assessoria de Imprensa: MercadoCom (Ribamar Filho e Beatriz Figueiredo)
  • Cobertura Audiovisual: Luis Guilherme Guerreiro
  • Cobertura Fotográfica: Charles Pereira
  • Realização: Quafá Produções

Perfil oficial Irmãs Brasil: https://www.instagram.com/travasbrasil/