Jacques Fux coloca os traumas do holocausto no divã em seu mais recente romance

A herança transgeracional é objeto de estudos há centenas de anos. Jean-Martin Charcot (1825-1893), em seu trabalho com histéricas, acreditava que os distúrbios neuróticos eram hereditários. Freud (1856-1939), por sua vez, concluiu que, tanto na pessoa quanto no grupo, as impressões do passado ficam sob a forma de traços mnêmicos inconscientes, frutos de conteúdos recalcados. Para Carl Jung (1875-1961), em sua teoria sobre o inconsciente coletivo, a transmissão psíquica ocorre por meio de arquétipos que carregam experiências humanas, ultrapassando, inclusive, as barreiras familiares. Já mais recentemente, a epigenética tem se debruçado sobre a possibilidade de a herança psíquica ser resultante da forma como a história de vida de uma pessoa altera o modo como seu DNA é lido por suas células. 

Neste mais recente lançamento da Editora Maralto, Herança, do premiado autor mineiro Jacques Fux, os traumas do holocausto são relembrados e ressignificados por meio dos relatos de três gerações de mulheres. Utilizando recursos como diários e sessões de terapia, Fux mergulha o leitor nos acontecimentos de Auschwitz e oferece relatos comoventes sobre a universalidade de perguntas e ansiedades que acompanham a humanidade.

“O livro mostra que o trauma pode passar de geração em geração se não for bem trabalhado”, explica Fux, que é pós-doutor em Literatura Comparada pela Universidade de Harvard (EUA). “O trauma transgeracional pode ser verificado dentro de uma família – como é o caso das personagens do livro –, mas também pode ser visto na sociedade: o fato de, por exemplo, continuarmos com uma sociedade estruturalmente racista, homofóbica e antissemita mostra que esses traumas não foram superados.”

Herança narra a história de uma família em três vozes: a de Sarah K., nascida em Lódz, na Polônia, em 1926; a de Clara K., nascida em São Paulo, em 1949; e a de Lola K., nascida no Recife, em 1984. Três gerações que dividem suas experiências com o Nazismo. Ao conhecer o diário de Sarah, o leitor vai partilhar a descoberta do amor, ao mesmo tempo que assiste o terror da vida no gueto e o extermínio dos judeus. De Clara, filha de Sarah, será possível descobrir temas arraigados em suas sessões de psicanálise. Lola, neta de Sarah, filha de Clara – e mãe de Luiza – escreve notas do que aos poucos descobre sobre sua família, tomando a própria vida por esse prisma.

A obra, resultado de seis anos de pesquisas sobre os diários de crianças que estiveram nos campos de concentração e extermínio, entrelaça realidade e ficção e coloca o leitor como parte da jornada de autoconhecimento de cada personagem.

“O leitor pode esperar que o livro o toque e o faça perceber os próprios traumas silenciosos. É uma obra que ainda ajuda na compreensão de que o mesmo trauma incide de modo absolutamente desigual nas pessoas. Apesar de conter traços similares, os danos são distintos em diferentes gerações”, finaliza o autor.

Herança tem ilustrações de Raquel Matsushita e posfácio de Christian Dunker – professor em Psicanálise e Psicopatologia da Universidade de São Paulo –, que oferece também um relato emocionado sobre a própria história com o holocausto.

O autor

Jacques Fux

Jacques Fux é ficcionista, ensaísta e tradutor. Graduado em Matemática e mestre em Computação, tem doutorado em Literatura Comparada pela UFMG e pela Université de Lille (França). Foi pesquisador na Universidade de Harvard de 2012 a 2014. É autor dos romances Antiterapias, vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura, Brochadas, Prêmio Nacional Cidade de Belo Horizonte, Meshugá, vencedor do Prêmio Manaus, e Nobel; dos ensaios “Literatura e Matemática”, vencedor do Prêmio Capes e finalista do APCA, “Georges Perec” e “Ménage literário”; e dos infantis O enigma do infinito, Selo Altamente Recomendável FNLIJ e finalista do Jabuti, e Um labirinto labiríntico, vencedor do Prêmio Paraná Digital. Seus livros e contos já foram publicados na Itália, no México, no Peru, em Israel, nos Estados Unidos e na França.

Herança 

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