Laura, de Fabrício Moser, celebra dez anos

Laura1 - Sergio Fonseca

A Fundação Nacional de Artes — Funarte apresenta a temporada comemorativa do espetáculo teatral Laura, de 6 a 28 de novembro, na Sala Murilo Miranda do Teatro Glauce Rocha, espaço da entidade, no Centro do Rio de Janeiro. O solo biográfico, criado e interpretado por Fabrício Moser, completa dez anos de sua estreia. A peça surgiu a partir de uma experiência íntima e dolorosa do autor: o assassinato de sua avó materna, em 1982, em Cruz Alta —  Rio Grande do Sul. O projeto conta com apoio do Programa Funarte Aberta.

A partir de depoimentos, sons, fotografias, vídeos, documentos e objetos, o artista reconstrói fragmentos da vida de Laura, atravessando memórias íntimas e coletivas. Em cena, Fabrício rememora a figura de sua avó —  não para construir uma biografia linear, mas para abrir um espaço de escuta e invenção, onde lembranças e silêncios ganham corpo e voz. A montagem, de forte dimensão poética e afetiva, transforma ausência em presença; tragédia em encontro; e uma história silenciada em um ato compartilhado.

Rodas de conversa com o público, sobre a obra e sua temática, ocorrem às quintas-feiras, logo após as sessões, com pessoas convidadas, de diferentes áreas do conhecimento e profissionais.

Entrevistas e pesquisa de documentos e objetos

Para criar o texto, Moser realizou um trabalho de pesquisa extenso. Este envolveu entrevistas com familiares e conhecidos; visitas a lugares que fizeram parte da vida de Laura; e um levantamento das fotos, documentos e objetos pessoais — inclusive o inquérito policial e recortes de jornais da época. Esses itens, combinados a elementos simbólicos — como a moldura de uma fotografia, transformada em espelho; cartas; rosas; e sons — são incorporados à cena, como dispositivos de dramaturgia e performance.

Artes integradas

O solo articula diversas linguagens — teatro, performance, artes visuais, dança, vídeo e narração — para compor uma tessitura poética não linear. Em vez de seguir uma biografia tradicional, a obra abre um campo de escuta e invenção, no qual o ator se coloca como mediador entre uma história silenciada e o público. A cena torna-se, assim, uma travessia pessoal e coletiva; e um espaço de invenção e de reencontro com a memória.

A recomposição da história interrompida

A obra estabelece um diálogo profundo entre memória, ancestralidade, silêncio e presença. Propõe um encontro sensível entre artista e público, a partir de um enredo real, marcado por violência e apagamento histórico. Reafirma seu caráter intimista e sua relevância artística, ao transformar uma experiência biográfica em dramaturgia contemporânea. “O trauma coletivo que cercou a morte trágica dessa mulher, marcado pelo silêncio familiar, afastou a imagem dela do convívio e interditou a transmissão de sua história”, resume Moser. Décadas depois do assassinato, ele iniciou um processo artístico de reconstrução e escuta: buscava compreender quem foi esta pessoa e qual a herança simbólica de sua trajetória interrompida.

Construindo mais do que uma biografia

Na construção dramatúrgica, o artista reflete sobre a relação entre memória pessoal e história coletiva; e sobre como as marcas do passado se inscrevem nos corpos e podem ser ressignificadas em cena. A criação parte da ideia de que a arte permite ao espectador mergulhar no significado mais profundo dos fenômenos representados, valorizando as associações poéticas, em lugar de uma narrativa linear e rígida. Em cena, Fabrício aciona lembranças, vestígios, arquivos e afetos para reconstruir e ao mesmo tempo inventar — a presença de Laura. O público é convidado a participar dessa jornada, ativando seus próprios repertórios de memória e experiência.

A dramaturgia do espetáculo se ancora também na reflexão sobre os modos como a memória é guardada, transformada e transmitida. A peça se insere em uma linhagem de experiências cênicas que utilizam materiais autobiográficos como eixo poético, revelando o corpo do intérprete como um espaço de escuta e de inscrição de histórias. Além disso, adota uma lógica associativa e imagética que privilegia atmosferas, objetos e fragmentos — permitindo ao espectador atravessar o espetáculo de maneira sensorial e reflexiva.

Percurso de autoconhecimento

Essa travessia pessoal de Moser, em busca da história de sua avó, espelha um percurso de autoconhecimento: para compreender a si mesmo, ele precisa conhecer Laura; para restituir uma voz silenciada, precisa revisitar o próprio caminho. O espetáculo, assim, transforma a dor herdada em presença; a ausência em gesto; e a memória em acontecimento compartilhado.

Dez anos no Brasil e no exterior

Laura estreou em 2015,  no Teatro Parque das Ruínas — hoje Teatro Ruth de Souza — e em outros espaços importantes da Capital Fluminense, como o Teatro Sérgio Porto (2016). Circulou pelas cidades do Porto e de Lisboa — Portugal — e por outros estados do Brasil, em diferentes instituições culturais, como a SP Escola de Teatro – Centro de Formação das Artes do Palco (SP), o Teatro Espanca! (MG), o Teatral Grupo de Risco (MS) e o SESC São Caetano (SP). Nesta nova etapa comemorativa de 2025, começa em San Juan, Argentina, no dia 31 de outubro, na programação do XII Congreso Argentino Internacional de Teatro Comparado. Após a temporada no RJ, seguirá para Mato Grosso do Sul, Uruguai e Paraguai.

Reconhecimento da crítica

A crítica destacou a densidade poética e a força emocional da obra. Cassiana Lima Cardoso escreveu, na revista Questão de Crítica: “mais importante do que narrar uma história individual, Laura convida o público a mergulhar em suas próprias histórias familiares, oferecendo um nobre convite ao enfrentamento da memória pessoal e coletiva”. Gilberto Bartolo afirmou tratar-se de “um espetáculo de delicadeza, contundência e presença rara”, enquanto Gabriel Moraes destacou que “Fabrício transforma dor íntima em potência cênica”.

Sinopse: Inspirado na história real da avó materna do artista, Fabrício Moser, assassinada em 1982, Laura resulta da investigação dos rastros deixados por uma vida brutalmente interrompida e silenciada, no seio familiar. A partir de depoimentos, documentos, imagens, objetos, vídeos e sons, o dramaturgo-ator reconstrói fragmentos dessa história, atravessando memórias íntimas e coletivas. Em cena, o autor evoca a figura de sua avó, Laura, não para construir uma biografia linear, mas para abrir um espaço de escuta e invenção, onde lembranças e silêncios ganham corpo e voz. O espetáculo, de forte dimensão poética e afetiva, transforma ausência em presença; tragédia em encontro; e uma história silenciada em um ato compartilhado.

“Laura é uma obra sobre presença e ausência. É sobre aquilo que permanece, mesmo quando o tempo silencia; uma investigação poética e documental, que transforma uma história familiar em ato de escuta coletiva. Ao completar dez anos, a peça reafirma sua atualidade e sua potência em tempos em que a arte se faz necessária como instrumento de memória, resistência e reconstrução simbólica”, conclui o Fabrício.

Rodas de conversa

Com convidadas e convidados de diferentes áreas, e de formato aberto, as rodas de conversa das quintas-feiras, após as sessões tem mediação do artista. Os(as) participantes se distribuem em duplas, uma a cada dia. São elas: Ana Paula Brasil e Nathália Mello; Gabriela Lírio e Gabriel Morais; Cadu Cinelli e Cassiana Lima Cardoso; além de Francisco Taunay e Rafael Cal. Essa ação é parte fundamental da temporada comemorativa – com foco em ampliar o diálogo com o público. A programação está abaixo.

O artista

Fabrício Moser é ator, diretor, professor e pesquisador. Doutor em Artes Cênicas pela USP (2025), mestre pela UNIRIO (2011) e bacharel pela UFSM (2006). Vive no Rio de Janeiro desde 2009. Tem ampla atuação artística e acadêmica, especialmente no campo do teatro autobiográfico, documental e acessível. Com os solos Laura (2015) e Aquilo que acontece entre Nascer e Morrer (2019), além do duo Sobre Desvios (2012), circulou por diversas cidades, do Brasil e do exterior — incluindo Argentina, Uruguai, Portugal e Espanha. Teve  trabalhos analisados em publicações acadêmicas e revistas especializadas, como Questão de CríticaPós (UFMG) e Sala Preta (USP). Atua também como docente de pós-graduação, no país e fora dele; coordena cursos de artes aplicadas à saúde e à educação; e desenvolve pesquisas sobre teatro, neurodiversidade, processos criativos e acessibilidade. Participou, ainda, de em festivais, júris, programas de fomento e atividades de formação em diversas instituições de cultura, nacionais e internacionais.

Serviço

Espetáculo teatral solo

“Laura”

Criação e atuação: Fabrício Moser

Temporada: 6 a 28 de novembro de 2025

Dias e horários: quintas e sextas-feiras, às 19h30

Classificação indicativa: 14 anos

Ingressos: R$ 40 (inteira) | R$ 20 (meia-entrada) | Vendas pelo site sympla.com.br (com taxa da plataforma) e na bilheteria

Duração: 1h

Rodas de Conversa

6/11 – Ana Paula Brasil e Nathália Mello

13/11 – Gabriela Lírio e Gabriel Morais

20/11 – Cadu Cinelli e Cassiana Lima Cardoso

27/11 – Francisco Taunay e Rafael Cal

Local: Sala Murilo Miranda – Teatro Glauce Rocha

Endereço: Av. Rio Branco 179, 8º andar, Centro – Rio de Janeiro (RJ) | Em frente ao Metrô Largo do Machado | Espaço cultural da Fundação Nacional de Artes (Funarte) | Lotação: 60 lugares

Ficha Técnica

Criação, atuação e produção: Fabrício Moser

Colaboração artística: Ana Paula Brasil, Cadu Cinelli, Gabriela Lírio, Francisco Taunay, Nathália Mello e Rafael Cal

Assistente de produção: Marcus Liberato

Formação de plateia: Fabrício Moser e Patrícia Lopes

Assessoria de imprensa: Júlio Luz

Programação visual original: Bruno Morais

Programação visual atualizada: Rodrigo Menezes

Apoio: Programa Funarte Aberta

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