Composto por 24 faixas, o álbum visual representa o processo de psicanálise pelos seus sonhos mais sombrios e é o trabalho mais ousado da artista, em única apresentação no Qualistage, no sábado – dia 16, fechando com chave de ouro o ano de 2023, mas ano quem vem tem mais….
Por Fernanda Catania (Foquinha)
3h da manhã. Luísa Sonza está em frente à primeira escola em que estudou, em Tuparendi, Rio Grande do Sul. Ela está sozinha, assustada, machucada e em posição fetal. O dia vai clareando, Luísa desperta e veste sua capa superprotetora do pop, ganhando forças para se erguer e caminhar em direção ao Sol. Mas é só a noite se aproximar novamente para a respiração falhar, a visão embaçar e Luísa tropeçar em seu próprio medo, que a faz cair do abismo, voltando para aquele lugar cinza, vazio, escuro.
Esse foi um dos pesadelos que guiaram Luísa Sonza a Escândalo Íntimo, seu terceiro álbum de estúdio. “Uma viagem ao meu subconsciente”, como define a própria.
Das 24 faixas, apenas 18 já disponíveis desde agosto, data marcada para a estreia do álbum. As restantes serão desbloqueadas aos poucos, assim como os visuais, que, juntos, fazem parte de um curta-metragem. A primeira apresentação ao vivo aconteceu no palco The Town, em São Paulo, no dia 3 de setembro.
A cantora deu início ao projeto logo após encerrar a aclamada era Doce22, no final do ano passado. A ideia era que o novo álbum descrevesse todas as fases de um relacionamento amoroso, do início ao fim. Mas, ironicamente, no melhor momento de sua carreira, Luísa viveu um dos períodos mais difíceis de sua saúde mental. Pensamentos de autossabotagem, crises de pânico, sonhos sombrios. Foi então que a cantora desabafou com seu parceiro Flávio Verne, coreógrafo e Diretor Criativo.
“Desde que aconteceu aquela onda de hate, na época de Doce22, Luísa nunca teve tempo para cuidar de si mesma e de sua saúde mental. Então, ela começou a compartilhar comigo os seus pesadelos. E pensamos: ‘por que não colocar esses pesadelos e angústias para fora em forma de arte?’”, contou Verne.
Com auxílio da artista plástica e psicanalista Nathalie Nery, Luísa mergulhou em um processo de psicanálise e interpretação de seus sonhos, e entendeu que as letras que estava escrevendo não falavam sobre outras pessoas, e sim sobre ela mesma, assim como acontece no campo dos sonhos.
A partir daí, iniciou-se uma busca por referências que se conectassem com essa viagem surrealista. Foi assim, por exemplo, que Luísa descobriu o trabalho contemporâneo da artista russa Olga Fedorova, que assina a arte de capa e contracapa do álbum.
Outras fontes de inspiração foram filmes de terror como Pearl, Maus Hábitos, Kill Bill, e Midsommar. Referências captadas com clareza na faixa Campo de Morango, e que, em menos de 24 horas, alcançou 1 milhão de views no Youtube e mais de 1 milhão de streams no Spotify.
Com apenas 1 minuto e 16 segundos de duração e uma velocidade de 150BPM com graves distorcidos, Luísa canta sobre sexo em uma cama manchada pelo suco dos morangos. A faixa ousada foi estrategicamente escolhida para ser o primeiro single, justamente para chocar.
Já o segundo single, Principalmente me sinto arrasada, foi lançado também. Como um contraponto ao lead single, a faixa mostra toda a criatividade e diversidade artística de Luísa Sonza, ao representar uma crise de ansiedade. Durante os quase 3 minutos de duração, foram captadas todas as sensações e suas nuances, como o estresse e raiva, a melancolia e a euforia. “Essa foi a melhor maneira que eu encontrei de traduzir como o meu cérebro funciona”, explicou Luísa.
Principalmente me sinto arrasada explicita a maturidade musical do álbum e vem praticamente como uma resposta às críticas sobre a velocidade e a possível superficialidade de Campo de Morango. Afinal, como em todo bom filme, o plot twist é o elemento principal.
E Escândalo Íntimo é um filme, um álbum visual, que vai contar uma história de amor que se entrelaça com a jornada de amadurecimento de Luísa. “As faixas acabaram se tornando trilhas sonoras para os filmes da minha cabeça”, contou.
Com direção de Diego Fraga, o filme acompanha a artista pop Luísa Sonza que, aos poucos, vai se despindo da armadura que a protegeu durante todos esses anos, para entrar no local mais frágil e sombrio que poderia explorar: o seu subconsciente.
Inevitavelmente, essa viagem a leva ao seu passado, no interior do Rio Grande do Sul. Não à toa, o local onde se passam os visuais é uma fazenda, localizada em Santana de Parnaíba, São Paulo. É lá onde tudo acontece.
Não só o visual é nostálgico, como o musical também. Entre as referências, estão o pop e rock nacional dos anos 80 e 90, ritmos regionais gaúchos, como a Milonga, o sertanejo raiz, o samba e a bossa nova. Claro que o funk e o pop também estão lá, mas de um jeito mais maduro, com uma camada mais industrial e elementos de hyperpop, entre outros subgêneros da música pop.
Além de Douglas Moda, Diretor Musical e parceiro de Luísa desde Doce22, a produção contou com um reforço de peso diretamente de Los Angeles, como Roy Lenzo, produtor de álbuns como Montero, de Lil Nas X, e Tommy Brown, que já produziu hits de artistas como Ariana Grande, Justin Bieber e Blackpink.
“Eu e Luísa estávamos na missão de não repetir a fórmula de Doce22, que foi um sucesso. Então, eu estava na busca de uma sonoridade mais atual, mais madura. Foi aí que procuramos Roy e Tommy, produtores que já tínhamos feito contato em outro momento nos EUA”, contou Douglas.
O resultado? “Foi mágico! A produção foi totalmente colaborativa e tanto Roy quanto Tommy fizeram a gente se sentir em casa. Eles somaram demais e dá pra perceber na sonoridade do disco, que é bem diferente”.
Mais uma vez, Luísa Sonza assina a composição de todas as faixas, junto a outros compositores. E, se Doce22 era dividido entre Lado A e Lado B, a tracklist de Escândalo Íntimo se reparte em quatro blocos que representam os principais estágios de um relacionamento: paixão, amor, decepção e superação.
A introdução, que leva o nome do álbum, abre com um instrumental à la Tarantino, antecipando o caos sangrento que vem aí.
Quem abre Escândalo Íntimo é aquela Luísa Sonza que já conhecemos: sexy, ousada, empoderada, dona do controle. As músicas do primeiro bloco são dançantes e velozes, como Carnificina, faixa inspirada pelo hyperpop. A Dona Aranha traz a mistura do português e inglês, e brinca com o clássico infantil, enquanto fala de uma paixão descartável.
Mostrando que segue totalmente conectada com seus fãs, a faixa surgiu após os Sonzers teorizarem o motivo da nova tatuagem da cantora, uma aranha no antebraço, feita em Los Angeles.
Começamos a sacar a versatilidade musical do álbum com o suingue e balanço de Luísa Manequim, que, como o próprio título já entrega, conta com o sample de Abílio Manoel, de 1972.
A divertida Bêbada Favorita é aquele clássico: “a cachaça entra e a verdade sai”. A faixa mistura pop, sertanejo e samba, e o feat com Maiara e Maraisa é a cereja do bolo!
O segundo bloco representa o amor. Começando com Romance em Cena, um feat poderoso com a cantora mineira Marina Sena, e a já conhecida Campo de Morango.
Surreal é um R&B sensual que conta com a colaboração de Baco Exu Do Blues. Se Hotel Caro, parceria dos artistas lançada em 2022, retratava o fim de um relacionamento, Surreal exprime o amor em sua forma mais intensa.
Impossível não notar referências a artistas como Cazuza, Marina Lima, Rita Lee, e Cássia Eller, nas faixas seguintes, que são as mais românticas do disco: Iguaria e Chico – a segunda, uma alusão óbvia ao atual namorado de Luísa, Chico Veiga. Inclusive, nas redes sociais, a cantora “agradeceu” pelo namoro, já que deu luz ao bloco mais positivo e romântico do álbum – e o último a ser concluído.
O clima fofinho é logo quebrado por Sagrado Profano, um feat com KayBlack, nome em ascensão na cena do rap nacional.
A faixa dá o tom ao terceiro bloco, que retrata o momento mais pesado de uma relação. É também o bloco mais diverso do disco. Entre as faixas, está La Muerte, cantada inteiramente espanhol, com um toque de pagode baiano. O samba invade O Amor Tem Dessas (e é melhor assim), que conta com uma citação de “Você Me vira a cabeça (Me Tira do Sério)”, de Alcione. Onde é que Deu errado? é para rasgar o coração, no estilo “melhor sozinha :-)-:”.
Falando nisso, Penhasco 2 é um dos pontos altos de todo o disco. O título já evidencia que essa vai emocionar. E emociona. Não só por sua composição e intensidade musical, mas por simplesmente ser um feat com artista da Universal Music Publishing Demi Lovato, potencializando ainda mais os agudos do refrão. É a primeira vez que a artista norte-americana canta versos totalmente em português – e surpreende pelo sotaque perfeito.
Outra Vez amolece o coração ao parecer que saiu diretamente de uma novela dos anos 80. Principalmente me sinto arrasada, como já mencionado, representa uma crise de ansiedade, mas termina com Luísa superando a situação e se levantando sozinha, rumo ao último bloco.
Ana Maria é um feat gostoso com a cantora pernambucana Duda Beat, e uma homenagem a algumas alegrias do povo brasileiro: “Vanessa da Mata e Ana Maria Braga passando na TV”. Mais uma homenagem aparece em Lança Menina. Dessa vez, para a eterna Rainha do Rock, e ídolo de Luísa, Rita Lee.
Em Não Sou Demais, Luísa assume que foi ela quem cavou o seu próprio abismo, e finaliza cantando You Don’t Know Me, de Caetano Veloso, uma versão do álbum Transa, de 1972. “Você não me conhece e talvez seja melhor você não me conhecer”.
Escândalo Íntimo talvez seja o maior escândalo de Luísa Sonza.