Cada vez mais rápido, em um piscar de olhos mesmo, chegamos ao fim do ano ao ritualístico mês de dezembro. As luzes se acendem nas ruas, as praças ficam mais iluminadas, cintilantes. Como sinto nesta época as vitrines sussurrarem convites ao consumo, as notificações no celular gritando tomando sua atenção. O mundo parece nos convocar para uma cerimônia social que não podemos perder: comprar para existir, consumir para pertencer, presentear para consolar a nossa ausência.
É curioso perceber que o ciclo se repete, a cada dezembro ou a cada data “comercial”, somos levados a renovar não apenas nossos planos, mas também nossas posses, participando desse grande movimento coletivo que confunde pertencimento com consumo.
Em contrapartida é real que há algo profundamente humano no desejo de participar, de estar com os seus, de não ficar de fora, pois o ser humano e naturalmente um ser social, o que intensifica essa sensação ancestral de querer estar entre os seus. Contudo, não podemos em muitas situações, trocar presença por pacotes, afeto por mensagens frias reencaminhadas no celular.
Pequenas ilusões em papel brilhante
O sistema sabe disso e se nutre da nossa vulnerabilidade e nos oferece pequenas “pílulas azuis” de ilusão em papel brilhante. Que só alimenta a multidão de nossos desejos. O filósofo Epicuro já advertia: não é a multiplicação dos bens que garante satisfação, mas a compreensão do que realmente precisamos.
Buscamos o extraordinário nas coisas, quando o extraordinário sempre está no gesto sincero, no encontro, no abraço apertado, no olhar que acalma e no sorriso que destrói barreiras. O que devemos lembrar sempre e que o consumo não é nosso inimigo, e sim o anestesiamento que ele causa quando se torna automático, ritualizado, repetido por conveniência e mais parecido com obrigação do que com gesto.
Festividades e datas comemorativas deveriam ser um tempo de aproximação de reflexões genuínas, não apenas um calendário de obrigações sociais onde gastamos mais do que sentimos e mostramos mais do que vivemos.
Existe um outro lado, uma poesia que resiste
Nem tudo é desacerto, há um outo lado, mais silencioso, mais humano que insiste em florescer mesmo quando tudo parece ditar o ritmo do nosso coração. No meio da correria, entre listas intermináveis e prazos sufocantes, ainda existe quem escolhe oferecer algo que não cabe em embrulhos: tempo, escuta, palavra e sorriso. Pequenos gestos, mais com impactos monstruosos de grandeza que nenhum presente comprado pode alcançar.
Essa escolha revela uma espécie de coragem delicada, mais muito poderosa, um ato tão simples de ser invocado, mais que mesmo sendo simples pode transformar o mundo, oferecendo amor sem nota fiscal, atenção e presença sem data de validade, carinho e afeto que não se mede em parcelas. No dizer com simplicidade, com acolhimento, sem sufocar.
Há também, e ainda bem que existe o lado luminoso das mesas carinhosamente postas e que se enchem não apenas de comida, mas de histórias, de sentimentos, de reencontros que dissipam distâncias, dos cheiros que saem dos fornos, dos gestos de generosidade que brotam sem fome de Likes, apenas porque são sinceros de coração .
Não precisa ser muito, mas é bonito ver ainda muitos com a alegria de compartilhar, seja um doce simples preparado em casa, seja uma palavra amiga que chega na hora exata.
Talvez, no final o que verdadeiramente importe é mostrar presença e estar de fato nas vidas das pessoas fazendo diferença, é estar de coração aberto sabendo que todos nós erramos e apreendemos, mas podemos dar o melhor de nós com sinceridade. É quando a consciência desperta, algo dentro de nós também se ilumina, porque apesar de tudo a sempre uma poesia que resiste dentro de nós, ela sempre vai nos dar aquele sentimento bom, que nos ilumina o caminho.
Teólogo e Filósofo em formação e curioso sobre o sentido da vida. Apaixonado por aprender, ensinar e inspirar reflexão.