Memórias de uma manicure

O espetáculo “Memórias de uma Manicure” está em cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal

Com texto de Cecília Ripoll, dramaturgismo de Gabriele Rosa e direção de René Guerra, o espetáculo da Bonecas Quebradas Teatro se inspirou na história de “Zulmira, a manicure assassina” para criar uma trama de humor, suspense e crítica social

por Redação

Por que a profissão da manicure, trabalho que garante a autonomia econômica de tantas mulheres periféricas, foi desde sempre alvo de preconceitos e menosprezo? Por que até hoje há falta de reconhecimento por parte das marcas de produtos dos quais elas são as maiores consumidoras? Essas perguntas guiaram a pesquisa do espetáculo “Memórias de uma manicure”, em cartaz no Centro Cultural da Justiça Federal, na Cinelândia, com sessões de quinta a domingo, às 19h, até 12 de fevereiro. Com texto de Cecília Ripoll e direção de René Guerra, o espetáculo do grupo Bonecas Quebradas Teatro faz parte de um projeto maior sobre o universo das manicures, que propõe reflexões sobre empreendedorismo, competição e colaboração entre mulheres, padrões de beleza e machismo.

Idealizadoras do projeto, as atrizes Carla Soares e Luciana Mitkiewicz se juntaram à historiadora e dramaturgista Gabriele Rosa e, ao longo da pesquisa de dois anos, entrevistaram mais de 30 manicures de todas as regiões brasileiras. A partir dos discursos da maioria delas enaltecendo a meritocracia e o empreendedorismo, o espetáculo levanta questões sobre o desejo, a descoberta do poder pessoal e as nuances e limites da sororidade. “Na peça, a gente procura confrontar a noção de sororidade, pensando se ela existe mesmo e se resiste às necessidades mais prementes da vida. Falamos também do empreendedorismo feminino, mas não do ponto de vista econômico, e sim da autoafirmação do desejo. No texto, tem uma manicure que sonha em ganhar um prêmio para poder abrir o próprio salão, mas a questão é: se ela vai ganhar o prêmio, por que ela quer seguir trabalhando? Por que quer criar uma marca de esmaltes, por exemplo?”, questiona a atriz Luciana Mitkiewicz. “A gente percebeu que muitas delas sofrem de autoestima baixa e querem o reconhecimento de sua profissão acima de tudo”, acrescenta Carla Soares.

O enredo do espetáculo se inspirou em uma história verídica ocorrida em 1958. A manicure Zulmira, vítima de ameaças constantes, mata o ex-companheiro dentro de uma delegacia. É presa no ato, mas solta em pouco tempo e considerada uma heroína por ter agido contra quem a ameaçava de morte. A partir daí, a autora Cecília Ripoll criou a trama que acompanha duas manicures: Marlene e Carmem. Marlene trabalha em um salão, cujo dono, S. Pacheco, viaja de férias para Mangaratiba. Ela detesta trabalhar lá, mas não tem opção. Seu único desejo é ganhar o grande prêmio dos Esmaltes Unhazita para poder criar sua própria marca de esmaltes. Na ausência do patrão, chega uma nova manicure auxiliar, Carmem. Com o passar do tempo, elas se tornam amigas e confidentes. Marlene começa a beber e volta a sonhar. O patrão não volta e é dado como desaparecido. Um certo dia, conferindo o cupom dos Esmaltes Unhazita no jornal para saber se ganhou o prêmio, depara-se com uma foto idêntica a de Carmem em um anúncio de “Procura-se”. O texto diz: “Procura-se Zulmira, a manicure assassina – só mata de unhas feitas”. A recompensa é a mesma do prêmio. Ela terá, então, que decidir se entrega a colega ou não, escolhendo entre o sonhado empreendimento ou a nova vida que descobriu ser possível ao lado da amiga.

“A gente procura usar o melodrama para fazer uma crítica social, como o cineasta Douglas Sirk fazia nos anos 50. Ele é uma de nossas inspirações. Quando a gente descobriu a história de Zulmira, começamos a criar o espetáculo com imagens do Rio Antigo, propagandas da época, trilha sonora só de boleros e um gestual que se inspira nas mocinhas do melodrama, na comédia noir e nas femme fatales da época de ouro de Hollywood”, explica o diretor René Guerra. “Quando a gente entendeu que não poderia falar da manicure de hoje, porque a gente só pode falar da perspectiva da branquitude, tendo em vista que, hoje, a grande maioria das manicures tem a pele bem mais escura do que a nossa ou é negra, a gente resolveu se aprofundar na pesquisa historiográfica. Antigamente, as manicures que frequentavam os salões de beleza do Centro e Zona Sul tinham que ter uma aparência um tanto similar a das clientes – ou seja, tinham que ser brancas, sobretudo. Eram uma espécie de bibelô francês, já que o Rio buscava copiar Paris. Então, as mulheres periféricas eram a cópia da cópia. Mas a gente entendeu que quem deu a chave de entendimento dos temas da peça foram as entrevistadas”, completa Luciana.

Bonecas Quebradas Teatro

O grupo A Bonecas Quebradas Teatro, fundado por Luciana Mitkiewicz, apresenta espetáculos com temas femininos e feministas. Entre os principais trabalhos, estão “O Chá” (2007-2008), sobre papeis de gênero na sociedade carioca; “As Polacas – Flores do Lodo” (2011-2013), sobre tráfico internacional de escravas sexuais, as chamadas “polacas”, no início do século passado, para a região da antiga Praça Onze carioca; “Bonecas Quebradas” (2014-2016), sobre o feminicídio na América Latina, tendo por paradigma a terrível história dos assassinatos de mulheres em Ciudad Juarez, no México; e “Desmontando Bonecas Quebradas” (2017-2019), desmontagem do projeto anterior, que compartilha com o público o processo de criação do espetáculo homônimo. Mais informações em www.bonecasquebradas.com.br

René Guerra

Diretor de teatro e cinema alagoano, se aprofunda, em seus filmes, nas questões de gênero a partir do universo travesti. Em teatro, trabalha a partir de um diálogo com a cultura tradicional dos folguedos alagoanos e da construção de máscaras sociais para uma crítica da sociedade capitalista e patriarcal. Explora a hibridez das linguagens cinematográfica e teatral, focando na teatralidade do real e na materialidade do teatral. Formado em Cinema pela FAAP e mestre em Artes da cena pela Unicamp, apendeu muito também com a sabedoria periférica, sobretudo drag e travesti, como pode ser observado em seus trabalhos em cinema (Quem Tem Medo de Cris Negão (2012), Os Sapatos de Aristeu (2009) e Vaca Profana (2017), entre outros). Seu último trabalho é Serial Kelly, longa metragem com Gaby Amarantos, que estreou em novembro de 2022.

Cecília Ripoll

É dramaturga, diretora e atriz, formada em Licenciatura Plena em Artes Cênicas pela UNIRIO. Indicada ao Prêmio Shell (RJ) pela dramaturgia ROSE (direção de Vinicius Arneiro) em 2018, publicada pela Editora Cobogó e composta por Cecilia Ripoll em 2017 no Núcleo de Dramaturgia Firjan SESI, coordenado por Diogo Liberano. Fundadora do Grupo Gestopatas, que tem projetos pedagógicos e montagens cênicas adultas e infanto-juvenis, dentre elas PACO E O TEMPO (texto e direção de Ripoll), uma das dramaturgias vencedoras do III Concurso Jovens Dramaturgos do Sesc 2013 e premiada no FENATA por Melhor Texto e Melhor Espetáculo infanto-juvenil. Também como dramaturga, participou da residência BETSUD/Primavera Dei Teatri, Castrovillari, Itália. Além da formação pela UNIRIO, considera igualmente importante sua formação através do teatro de grupo, iniciada em 2000 na Companhia do Gesto, com a qual participou de diversas montagens como atriz e assistente de direção.

Ficha técnica

  • Texto: Cecília Ripoll
  • Direção: René Guerra
  • Elenco e idealização: Carla Soares e Luciana Mitkiewicz
  • Dramaturgismo: Gabriele Rosa
  • Cenário e figurinos: Rocio Moure
  • Iluminação: Ana Luzia de Simoni
  • Visagismo: Marcos Freire
  • Desenho de som e trilha audiovisual: Bernardo Gebara
  • Produção executiva: Wagner Uchoa
  • Assessoria de imprensa: Rachel Almeida (Racca Comunicação)
  • Realização: Bonecas Quebradas Produções Artísticas
  • Patrocínio: Eletrobras S.A. (projeto incentivado via Lei de Incentivo Federal)
  • Apoio Institucional: Centro Cultural Justiça Federal
  • Apoio cultural: Sinpro Rio

Serviço:

Memórias de uma manicure

  • Temporada: 19 de janeiro a 12 de fevereiro de 2023.
  • Centro Cultural da Justiça Federal: Av. Rio Branco, 241 – Centro, Rio de Janeiro – RJ
  • Telefone: (21) 3261-2550
  • Dias e horários: de quinta a domingo, às 19h.
  • Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada).
  • Lotação: 141 lugares
  • Duração: 1h20
  • Classificação etária: 16 anos
  • Venda de ingressos: pelo site Sympla e na bilheteria do centro cultural, a partir das 17h.

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