O Renascimento de Guido Reni: Obra-prima do barroco pulveriza recordes ao atingir € 12,4 milhões em Paris

O mercado de arte antiga testemunhou um momento histórico na última semana em Paris. Em um pregão eletrizante na Artcurial no dia 25 de novembro, uma obra-prima do século XVII, assinada pelo mestre barroco Guido Reni, não apenas superou as expectativas, mas redefiniu o patamar de valorização do artista.

A tela, intitulada “Davi com a Cabeça de Golias”, foi arrematada por impressionantes € 12,39 milhões, pulverizando a estimativa pré-venda conservadora que situava a obra entre € 2 milhões e € 4 milhões. Segundo a casa de leilões, a peça foi adquirida por um colecionador privado europeu.

Um novo patamar de mercado

Este resultado marca uma virada dramática na trajetória comercial de Reni. Para colocar em perspectiva:

  • O Recorde Anterior: Estabelecido em 2008 na Sotheby’s de Londres, era de £ 1,8 milhão pela obra “O Martírio de Santa Apolônia”.

  • A Volatilidade: A mesma obra de 2008 foi revendida na Christie’s de Nova York em 2022 por apenas US$ 819.000, sugerindo um esfriamento no mercado do artista — uma tendência que a venda de Paris acaba de reverter brutalmente.

Do esquecimento à redescoberta: Uma Proveniência Real

O fascínio em torno desta tela não reside apenas em sua execução técnica, mas em sua extraordinária história de redescoberta. A obra reapareceu no início deste ano, identificada nas paredes de um castelo no oeste da França, onde permaneceu sob posse da mesma família por mais de dois séculos.

A investigação de proveniência, conduzida pelo renomado Cabinet Turquin — firma responsável pela avaliação e apresentação da obra —, traçou uma linhagem aristocrática impecável:

  1. 1633: Adquirida diretamente do ateliê de Reni em Bolonha por Francesco I d’Este, Duque de Modena, por 275 ducados.

  2. Século XVIII: Integrou a coleção do Príncipe Eugênio de Saboia, sendo exibida no Palácio Belvedere (Viena) e, posteriormente, no Palácio Real de Turim (1741).

  3. Século XIX: Trazida para a França pelo General Pierre-Antoine Dupont de l’Étang, provavelmente como espólio durante a ocupação napoleônica do Piemonte.

A Batalha das versões: Debate acadêmico reacendido

A venda astronômica trouxe à tona uma disputa fascinante entre especialistas sobre a primazia das versões existentes desta composição. Existem seis versões conhecidas da obra, e a hierarquia entre elas é motivo de intenso debate curatorial.

“A pintura pertence à tipologia ‘Créquy’, onde a cabeça de Golias está voltada para fora, idêntica à composição do Louvre.”

O debate centra-se em dois pontos de vista principais:

  • A Tese de Orléans: Corentin Dury, curador de Mestres Antigos do Musée des Beaux-Arts d’Orléans, sustenta que a versão mantida em seu museu é a autógrafa (original) mais antiga.

  • A Tese Turquin: Eric Turquin contesta, argumentando que a versão recém-leiloada e a do Louvre “provavelmente foram criadas juntas” no ateliê do mestre.

Criada por volta de 1605-1606, a obra captura um momento crucial na evolução estética de Reni. Ela sintetiza o naturalismo dramático e a iluminação chiaroscuro de Caravaggio com a harmonia clássica que se tornaria a assinatura da Escola de Bolonha. A influência desta composição ecoou através das gerações, moldando a visão de gigantes como Artemisia Gentileschi, Valentin de Boulogne e Elisabetta Sirani.

Independentemente de qual versão veio primeiro, o martelo da Artcurial confirmou uma certeza: o apetite global por obras-primas barrocas de alta qualidade e proveniência sólida está mais vivo do que nunca.

Related posts

Jessica von Lehsten Goes realiza primeira mostra individual na Galeria Cândido Mendes, em Ipanema, com abertura dia 04 de dezembro (quinta-feira)

Bangu Shopping promove Encontro de Carros Antigos no dia 30 de novembro

Hospital que inspirou Cazuza a compor “Codinome beija-flor” ganha escultura interativa em homenagem aos 40 anos da canção