Gravada pelo compositor Fernando Pellon no CD “Moribundas vontades” a música “Mantra de samba” é uma parceria póstuma com o poeta Augusto dos Anjos (1884-1914) e atualmente é a canção escolhida por ele para cantar no encerramento das suas apresentações ao vivo.
“Meus discos, em sua maioria, incluem a participação de vários cantores e cantoras. Isso porque gosto de escolher o melhor ou a melhor intérprete para cada música. ‘Mantra de samba’ é cantada por um grande coro, o que permite ao final do show que todo mundo volte ao palco no encerramento do espetáculo”, explicou.

Augusto dos Anjos – Foto: Reprodução
A composição de Fernando Pellon com Augusto dos Anjos é um samba que nasceu em 2015 e a letra é baseada no poema “Queixas noturnas” do livro “Eu e outras poesias” que o poeta publicou em 1912. “Desde a adolescência, sou um leitor muito interessado do livro (“Eu e outras poesias”) de Augusto dos Anjos”, contou Fernando Pellon citando também outros poemas do autor que ele gosta muito como “Vandalismo”.
Pellon revelou que, no início do planejamento do CD “Moribundas vontades”, pensou em incluir trechos recitados de poesias de Augusto dos Anjos entre as músicas, mas acabou desistindo da ideia. “Entretanto, alguns dos versos de ‘Queixas noturnas’ me chamaram tanto a atenção que eu acabei me tornando parceiro de nosso renomado poeta em ‘Mantra de samba’”, revelou o compositor.
O encontro musical desses dois autores se deu muito por conta das suas afinidades estéticas manifestadas em suas poesias. Do mesmo estilo de olhar, entender e tentar explicar a vida cotidiana, traduzir as “angústias morais e a verdade” a partir das suas observações do sofrimento alheio. “A temática da morte em Augusto dos Anjos, como nos poemas ‘O caixão fantástico’ e ‘Versos a um coveiro’, muito me inspira na composição de meus necrossambas”, declarou Fernando Pellon.
Convergência de inquietações
“Com certeza, há uma convergência de inquietações existenciais que me faz apreciar muito a obra de Augusto dos Anjos. Que, por outro lado, pode também contemplar, por exemplo, a Geomorfologia no seu fazer poético”, afirmou Fernando Pellon.
Para ressaltar que as suas inquietações se alinham com as mesmas que marcam a obra de Augusto dos Anjos, Fernando Pellon lembrou versos do poema “Monólogo de uma sombra”.
Somente a arte, esculpindo a humana mágoa,
Abranda as rochas rígidas, torna água.
Todo o fogo telúrico profundo
E reduz, sem que, entretanto, a desintegre,
À condição de uma planície alegre,
A aspereza orográfica do mundo.
“É absolutamente genial a menção do poeta ao processo de evolução do relevo nesses versos”, declarou Fernando Pellon que, além de compositor, também é geólogo de ofício.
Autor de belíssimas canções, nos gêneros como o choro e o samba, Fernando Pellon, além de “Mantra de samba”, com Augusto dos Anjos, também tem parceria com outros poetas, cujas propostas estéticas em relação ao papel da arte se alinham com a sua alma transgressora que o permite construir obras musicalmente contemporâneas.
“Na verdade, eu coloquei música no poema “Último degrau” do Tuke Mariano, que se tornou a música final do álbum “Aço Frio de um Punhal”. Ele integrou uma tendência ‘anarquista/bandalhista’ do movimento estudantil na UFF (Universidade Federal Fluminense) denominada ECA do B (Escritório Central dos Alcoólatras do Brasil), que era muito admirada por nosso coletivo Malta da Areia”.
