A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (AMPAS) divulgou nesta terça-feira (16) as shortlists para a 98ª edição do Oscar, e o resultado aponta para um dos momentos mais férteis da indústria audiovisual brasileira no cenário global das últimas décadas. Superando as expectativas de analistas que previam presença apenas na categoria internacional, o Brasil garantiu cinco menções em frentes distintas, incluindo a inédita disputa em Melhor Elenco (Casting) e uma dobradinha na categoria de Documentário.
Ao contrário de anos anteriores, onde a campanha nacional se concentrava em um único “filme-evento”, a safra de 2026 demonstra a diversidade técnica e narrativa do país, ocupando espaços na ficção política, no cinema de urgência ambiental, na curadoria de talentos e na excelência fotográfica internacional.
A aposta certeira de Kleber Mendonça Filho e o marco do casting
Como antecipado por este veículo, O agente secreto, de Kleber Mendonça Filho, confirmou seu favoritismo e avançou entre os 15 finalistas na categoria de Melhor Filme Internacional.4 O thriller ambientado na ditadura militar, protagonizado por Wagner Moura, conseguiu furar a bolha dos votantes gerais da Academia, competindo agora contra pesos-pesados da temporada, como o francês It was just an accident e o espanhol Sirât.
No entanto, a grande notícia do dia reside na inclusão do longa na shortlist inaugural de Melhor Elenco (Casting). A categoria, que faz sua estreia na cerimônia de 2026, selecionou apenas 10 produções globais. O trabalho do diretor de elenco Gabriel Domingues colocou a produção brasileira lado a lado com blockbusters de estúdio como Wicked: For good e o novo Frankenstein de Guillermo del Toro.
A presença de um filme de língua não-inglesa nesta lista é um feito raro e estratégico. Sinaliza que o ramo de diretores de elenco da Academia reconheceu a complexidade da montagem do casting de Mendonça Filho, que harmoniza estrelas globais (Moura, Maria Fernanda Cândido, Udo Kier) com descobertas regionais e talentos emergentes como Alice Carvalho.5 Isso fortalece a narrativa de campanha do filme, sugerindo um suporte amplo dentro dos diferentes ramos da organização.

O domínio do real: Petra Costa e a coprodução amazônica
O Brasil reafirma sua potência na não-ficção com dois títulos avançando na disputada categoria de Melhor Documentário em Longa-Metragem.
De um lado, Petra Costa retorna à competição com Apocalipse nos trópicos. Após a indicação por Democracia em vertigem (2019), a cineasta mineira volta a examinar as feridas institucionais do país, desta vez focando na teologia do domínio e na influência evangélica na política nacional. A familiaridade do nome de Petra entre os documentaristas de Hollywood e a atualidade do tema (o avanço do conservadorismo religioso) são trunfos claros para a vaga final.
Do outro, corre Yanuni, uma coprodução entre Brasil, Áustria, EUA, Alemanha e Canadá, dirigida por Richard Ladkani. O filme traz a ativista indígena Juma Xipaia não apenas como objeto, mas como produtora, narrando sua luta e de seu marido Hugo Loss na defesa da Amazônia. O longa conta com a “máquina de campanha” de Leonardo DiCaprio, creditado como produtor, o que garante visibilidade imediata entre os votantes do setor. Ter dois representantes com DNA brasileiro entre os 15 finalistas (num universo de 201 inscritos) é um cenário sem precedentes recentes.
Identidade nipo-brasileira e o olhar de Adolpho Veloso
Na categoria de Melhor Curta-Metragem em Live Action, o Brasil avança com Amarela, de André Hayato Saito. O filme, que já havia passado pela seleção oficial do Festival de Cannes, aborda as tensões de identidade de uma adolescente nipo-brasileira durante a final da Copa de 1998. A presença em Cannes costuma ser um carimbo de qualidade decisivo para os votantes desta categoria específica, que buscam vozes autorais e narrativas de impacto emocional rápido.
Fechando a lista de pré-indicados, o diretor de fotografia Adolpho Veloso figura na shortlist de Melhor Fotografia pelo filme norte-americano Train dreams. Embora seja uma produção dos EUA (distribuída pela Netflix), a presença de Veloso destaca a exportação de talento técnico nacional de alto nível.
Veloso optou por rodar o drama de época quase inteiramente com luz natural e em formato de aspecto 3:2, utilizando a câmera Alexa 35 para emular a fotografia still do início do século XX. Ele disputa a vaga contra gigantes da indústria que trabalharam em filmes como Dune e Nosferatu, o que torna a menção na shortlist uma vitória profissional maiúscula.
O caminho até 22 de janeiro
A divulgação das shortlists inicia a fase mais agressiva da temporada de premiações. Os membros da Academia terão entre 12 e 16 de janeiro de 2026 para assistir aos selecionados e definir os cinco indicados finais de cada categoria.
Para O agente secreto, a batalha será converter a simpatia da crítica em votos numéricos contra a forte campanha europeia. Para os documentários, o desafio será evitar a divisão de votos entre os entusiastas de temas brasileiros. A lista final de indicados será revelada em 22 de janeiro de 2026.
Resumo das pré-indicações brasileiras:
| Filme | Categoria (Shortlist) | Talento/Direção |
| O agente secreto | Filme Internacional | Kleber Mendonça Filho |
| O agente secreto | Elenco (Casting) | Gabriel Domingues |
| Apocalipse nos trópicos | Documentário (Longa) | Petra Costa |
| Yanuni | Documentário (Longa) | Richard Ladkani / Juma Xipaia |
| Amarela | Curta-Metragem (Live Action) | André Hayato Saito |
| Train dreams | Fotografia | Adolpho Veloso (DP) |
