Pessoas, principalmente, crianças e adolescentes, começam a ter uma visão distorcida de tempo e realidade por causa do vício em telas

por Redação

Os smartphones e as redes sociais estão longe de serem uma moda passageira. Eles vieram para ficar e vêm impactando na formação e na saúde mental de jovens, crianças e até de adultos. Diversos estudos recentes mostram os efeitos nocivos dos excessos de redes sociais nas estruturas do cérebro e especialistas do mundo inteiro se debruçam sobre o tema, na tentativa de encontrar um meio de frear as consequências negativas do uso desenfreado de telas. “São muitos os impactos negativos do excesso de uso de telas no ser humano. Dificuldade no sono, problemas de foco e concentração, queda no rendimento escolar, dores de cabeça, danos na saúde ocular, transtornos de imagem, ansiedade, depressão, e por aí vai”, lista o neurocirurgião membro da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, Orlando Maia.

O especialista explica que há uma alteração no sistema de recompensas e punições, fazendo com que esses jovens e crianças superexpostos fiquem com cérebros hipersensíveis a respostas sociais. É o que comprova um estudo de longo prazo sobre o desenvolvimento neural de adolescentes e o uso de tecnologia, realizado por pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos.

De acordo com publicação de janeiro de 2023, na revista científica especializada em saúde JAMA Pediatrics, o fluxo constante e imprevisível de feedback social disponível na forma de curtidas, comentários e notificações influência como os jovens reagem às situações sociais da vida real.

“O uso de telas em excesso tamém altera a concentração e foco, já que o os estímulos rápidos provocados por celulares, tablets, TVs, sem interação real, treinam o cérebro a se concentrar por um período menor, fazer menos esforço e automaticamente procurar por algo mais interessante”, acrescenta Maia.

Estudos recentes vêm mostrando, ainda, que o uso de mídias sociais sem orientação ou conscientização, combinado ao tempo de exposição às telas, pode estar relacionado a comportamentos de autoagressão, sintomas depressivos, estresse, baixa satisfação com a vida e baixa autoestima. Dados da Rede de Atenção Psicossocial (RAPSs) do SUS, de 2013 a 2023 mostram que os registros de ansiedade entre crianças e jovens, pela primeira vez em dez anos, superam os de adultos.

Dr. Orlando Maia

Dr. Orlando Maia

As telas estão formando uma geração ansiosa

O assunto está em alta desde o lançamento do livro “Geração Ansiosa: Como a Infância Hiperconectada Está Causando uma Epidemia de Transtornos Mentais”, do psicólogo americano Jonathan Haidt, em meados de julho e que, desde então, está entre os mais vendidos. Em cerca de 400 páginas, Haidt condensa uma série de estudos que mostram que o uso das redes sociais não apenas está correlacionado a transtornos mentais em crianças e adolescentes da geração Z, mas é sua causa.

Segundo ele, a superproteção dos pais no meio offline, aliada à liberdade total no mundo online, ajudaria a formar uma geração ansiosa e com padrões de comportamento muito diferentes dos estabelecidos por centenas de anos no convívio em sociedade. O autor acrescenta que os custos de utilizar redes sociais são particularmente altos na adolescência, em comparação com a vida adulta, e os benefícios são mínimos.

Por que as redes viciam?

“A palavra por trás do vício nas telas é: dopamina. Um neurotransmissor produzido pelo cérebro no sistema mesolímbico, conhecido como ‘circuito de recompensa’, que atua sobre humor, prazer, aprendizado, motivação, coordenação motora, dentre outras funções”, destaca Maia, que é sócio fundador do Instituto Interneuro. “Sua liberação ocorre sempre que um estímulo externo é interpretado como algo prazeroso, como as redes sociais conseguem identificar o que aquele usuário gosta de assitir, ele passa ser bombardeado por conteúdos que geram prazer, tornando a relação com as redes sociais em algo viciante, especialmente para aqueles que ainda estão com o cérebro em desenvolvimento”, completa o especialista.

Muitos estudos confirmam esse processo de dependência química pelo excesso de produção de dopamina é provocado pelo uso excessivo das redes sociais. Isso ocorre porque os estímulos constantes e os reforços positivos — como curtidas, comentários e validações — disparam a produção de dopamina em ritmo acelerado e com pouco esforço cerebral. “É como se perdêssemos a capacidade de gerar essas moléculas em quaisquer outras atividades que demandem mais energia, como uma caminhada ou brincadeiras físicas, por exemplo. Com o tempo, o mundo real vai ficando cada vez menos interessante, menos capaz de gerar prazer ou motivação”, pontua Orlando Maia.

“Como mostra o filme Divertidamente 2, Ansiedade é uma emoção que faz parte do repertório humano, assim como tristeza, raiva, vergonha… Todos nós sentimos ou sentiremos isso em algum nível, em algum momento da vida. O que ocorre é que essa alteração na formação do sistema mesolímbico torna essas crianças e adolescentes hipersensíveis a esses sentimentos. Soma-se a isso, um excesso de proteção no mundo real, como mencionado por Haidt e temos jovens que não sabem lidar com as frustrações reais, querem viver constantemente no mesmo estado de prazer que sentem quando estão navegando nas redes sociais. E isso não é possível, porque a vida também é feita de nãos, de erros e de aprendizados”, ressalta no neurocirurgião.

De fato, é amplamente divulgado como as redes sociais têm mecanismos designados para viciar. No mundo inteiro, já se discute mecanismos para minimizar esses efeitos nocivos. Na Flórida, nos Estados Unidos, já existe lei para proibir o uso dessas plataformas antes dos 14 anos e, em São Paulo, deputados estaduais discutem a concessão de celulares nas escolas.

Medidas para não se tornar refém dos transtornos

Segundo Haidt, a “infância baseada no brincar” entrou em declínio na década de 1980 e fui substituída pela “infância baseada no celular”, acompanhada por uma hiperconectividade que alterou o desenvolvimento social e neurológico dos jovens e tem causado privação de sono, privação social, fragmentação da atenção e vício.

Para combater os efeitos nocivos, especialistas propõem algumas medidas que podem ser eficazes e impactar positivamente na saúde mental ddas crianças e jovens dos dias de hoje.

1- Não oferecer smartphones às crianças antes dos 14 anos. Antes disso, os pais devem optar por celulares mais básicos, com aplicativos e acesso à internet limitados. “O uso de telas não é apropriado para crianças muito pequenas, pois transmitem estímulos sensoriais intensos e absorventes. Ao mesmo tempo, incentivam o comportamento passivo e o consumo de informações, o que pode retardar o aprendizado”, argumenta Orlando Maia.

2- Nada de redes sociais antes dos 16 anos. As crianças devem passar pelo período mais vulnerável do desenvolvimento cerebral sem ter acesso a um fluxo sem filtro de comparações sociais e influenciadores escolhidos por algoritmos.

3- Escolas não devem permitir celulares. Durante todo o período de aula, em todas as escolas, desde o ensino fundamental até o médio, os alunos devem deixar trancados celulares, smartwatches e quaisquer outros dispositivos pessoais que enviem ou recebam mensagens, atrapalhando a capacidade de concentração.

4- As crianças devem brincar mais, NO MUNDO REAL, de maneira não supervisionada e independente na infância. Dessa maneira, desenvolvem naturalmente habilidades sociais, superam a ansiedade e se tornam jovens adultos autônomos.

“Crianças prosperam quando têm raízes em comunidades do mundo real, não em contatos virtuais. Crescer no mundo virtual promove ansiedade, desordem e solidão. A Grande Reconfiguração da Infância tem sido um fracasso catastrófico. É hora de dar fim a esse experimento. Vamos trazer nossas crianças de volta para casa”, afirma Haidt em seu livro.

OUTROS PONTOS NEGATIVOS IMPORTANTES NAS REDES

Padrões ideais e inalcançáveis

As redes sociais são um recorte da realidade. Quando já estamos em alguma fase mais delicada da saúde mental, temos a impressão de que a vida de todos é muito melhor do que a nossa.

Rostos, corpos, rotinas, trabalhos, viagens e relacionamentos perfeitos, como aparecem nas postagens, aumentam a sensação de desvalor. Isso colabora com autocobranças em excesso, que podem somar quadros de estresse, desmotivação e autodepreciação.

Cyberbullying

Se por um lado a internet conecta pessoas, por outro, há quem abuse da maior liberdade, nas redes sociais, para propagar opiniões e comentários inapropriados, prejudicando terceiros. As redes são um terreno fértil para o cyberbullying, isto é, a violência psicológica e a perseguição de pessoas por meio da internet, o que é ainda mais delicado no caso de crianças e adolescentes.

Danos ao sono

Antes de dormir, é comum muitas pessoas darem uma rápida consulta no Instagram — que pode virar minutos de rolagem de tela — esse hábitos eleva as chances de insônia, já que os estímulos impedem o cérebro de entrar no modo de desaceleração para o descanso.

Além disso, a própria iluminação da tela faz com que o cérebro não entenda que é noite. Assim, reduz ou até inibe a produção de melatonina, um dos hormônios responsáveis pela indução e manutenção do sono.

Impulsividade

Os prejuízos para o funcionamento do sistema de recompensa elevam o imediatismo — a necessidade de ter gratificação imediata. Assim, no dia a dia, podemos ter uma dificuldade maior para lidar com frustrações, intercorrências ou mesmo com a espera.

Ansiedade

Os fatores citados elevam o risco de desenvolver um transtorno de ansiedade, tanto pelo excesso de estímulos como pela comparação com outras pessoas e até mesmo pelos prejuízos no ciclo de sono.

Perda de interações presenciais

O vício nas redes também prejudica a manutenção de relações interpessoais saudáveis no mundo offline. É comum que as pessoas percam a oportunidade de estabelecer contato com o outro ou de passar um tempo de qualidade sem estarem conectadas.

Transtornos de autoimagem

Os padrões de beleza inalcançáveis gerados por edições exageradas, têm um impacto enorme na autoestima. Isso pode gerar efeitos dramáticos no esforço de se adaptar a eles, como perda da autenticidade, distúrbios alimentares e depressão.

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