A segunda parte se compõe de ensaios sobre a ascensão da ralécracia, sobre o ocaso das ideias e sobre a dificuldade de se admitir que às vezes não se sabe nada mesmo.
“Vivemos a Era da Crueldade. Não só da violência, da ferocidade, das atrocidades, dos extremos e das incertezas, mas do sadismo que virou lugar comum, não espanta mais e não precisa prestar contas”, pontua a autora.
Já agraciada com dois Jabutis (1981 e 1999) e autora de reportagens que marcaram época, como a capa da Revista Veja que trazia a notícia da volta do jornalista e escritor Fernando Gabeira ao Brasil, após seu exílio político, em 1979, Marilia,
professora aposentada de História de Filosofia Política da USP, hoje se dedica a análises de geopolítica internacional, com um podcast na Rádio USP, “Conflito e diálogo”. Seu livro nos lembra o documentário-memória “Nós que aqui estamos por vós esperamos” (1999), do documentarista Marcelo Masagão, pelo mesmo estilo de montagens sobrepostas, alusivas e nunca explícitas, cujo sentido se completa no conjunto.
Tornou-se corriqueiro falar em crise das democracias, aumento sideral da violência, injustiça a granel. “O que este livro propõe de diferente”, continua a autora, “é a conjugação de crises como da democracia e do aumento sideral da violência com um fenômeno pouco explorado: a apatia de boa parte da população diante do aumento da crueldade, como se isso fosse apenas o novo normal, um novo paradigma que veio para ficar, como a Inteligência Artificial”, dá spoiler.
Para Fiorillo, não adianta apontar o dedo acusatório apenas para maus políticos ou governos e esquecer que o “povo”, ou a massa de pessoas, tem um papel determinante nisso. O tema central deste livro, portanto, é a cegueira seletiva da grande maioria da população diante de aberrações de toda sorte e de crimes hediondos.
Mais uma bala perdida que mata uma criança numa comunidade carioca? Normal, é todo dia. Mais um tiroteio de um maluco em uma escola? Nada de novo. Mais bombardeios letais, refugiados em campos insalubres, tráfico humano, milhares de civis assassinados mundo afora? Notícia velha.
O genial e famosíssimo artista e ativista chinês Ai Weiwei declarou recentemente que o Ocidente vive uma condição de apatia diante da crescente crueldade. Fiorillo mostra como esta indiferença e trivialização são também disfarçadas em atitudes politicamente corretas. E uma prova instigante desta anestesia geral e do embelezamento da morte está na luminária em formato de arma criada pelo designer Phillip Stark. Vende muito bem para clientes endinheirados, fashionistas e exibicionistas. Assim, Kalash meu amor, a começar pela ironia do título, e pelas variadas imagens e ilações escritas pela autora, dá muito pano pra manga. Boa leitura!
A autora
Marilia Pacheco Fiorillo é ensaísta e escritora, professora (aposentada) de ‘História da Filosofia’ e ‘Retórica’ da USP. Colunista da Rádio USP, tem vários livros publicados, de ficção e não-ficção, e inúmeros artigos nacionais e internacionais (destaque para o ensaio The shifting map of religious proclivity in Brazil, and how the media prospect is seemingly unable to deal with it, na coletânea “Religion on the Move”, da centenária e prestigiosa editora de Humanidades Leiden-Brill). Trabalhou como jornalista na Folha de S. Paulo (Folhetim), Veja, Isto É e Isto É/Senhor. Foi agraciada com dois Prêmios Jabuti, em 1981 (Crítica e Noticiário Literário) e em 1999 (Autora Revelação). É doutora em História Social com tese sobre a história dos primórdios do Cristianismo (USP) e pós-doutora em ‘Teoria da argumentação e Análise do Discurso’ (Pompeu Fabra University, Barcelona), com passagens pela FGV (Fundação Getúlio Vargas, SP, Administração de Empresas) e Unicamp (Epistemologia da Psicanálise).
Serviço:
Título: Kalash meu amor
Autor: Marilia Pacheco Fiorillo
Editora: Gryphus
Número de páginas: 128
ISBN: 978-65-86061-57-4
14 x 21 cm.
Brochura
Preço: R$ 49,90
Ebook
ISBN: 978-65-86061-58-1
Preço: R$ 24,90