Shakespeare é um vespeiro: Daniela Stirbulov fala sobre os desafios de dirigir “O Mercador de Veneza”

Daniela Stirbulov por Ronaldo Gutierrez

Daniela Stirbulov é quem assina a direção do clássico “O mercador de Veneza”, estrelado por Dan Stulbach. A peça está em cartaz em SP até março depois de rodar o país. Ela ainda é diretora residente e codiretora “Ney Matogrosso – Homem com H”, também atualmente encenado até o fim do primeiro trimestre de 2026 nos palcos paulistanos, e assistente de direção e diretora assistente do musical “Jersey Boys”, que encerrou temporada em setembro.

Mestre em Direção Teatral pela University of Essex (Londres), graduada em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo e formada pelo Núcleo Experimental de Artes Cênicas do SESI, Daniela Stirbulov ainda tem em seu currículo trabalhos como diretora dos espetáculos “O mágico di Ó”, “João e Maria – o musical”, “It’s me: Elton”, “Heathers” e “Menino Maluquinho – o musical”. Já em “Tom Jobim Musical” foi diretora assistente, em “Cabaret – Kit Kat Club” foi assistente de direção e diretora residente e em “Silvio Santos Vem Aí – Uma Comédia Musical” foi codiretora e diretora residente .

Com 38 anos de idade e 18 de profissão, Daniela Stirbulov já recebeu prêmios como o ACESC (de Melhor Direção e Melhor Espetáculo por “Loucas de pedra” e APCA de Melhor Elenco por “A odisseia de arlequino”. Recentemente, recebeu o prêmio CENYM de Melhor Direção por “O mercador de Veneza”.

ENTREVISTA

Daniela Stirbulov está dirigindo “O mercador de Veneza”, em cartaz em SP. O que pode contar dessa montagem? E como é trabalhar num clássico?

Dirigir O Mercador de Veneza foi um desafio e um privilégio. Trabalhar com Shakespeare exige mergulho, escuta e coragem para lidar com suas múltiplas camadas. O texto é um verdadeiro “vespeiro”: fala de poder, dinheiro, preconceito e humanidade. Minha intenção foi aproximar essa complexidade do público de hoje, criando um espetáculo que fosse compreensível, esteticamente contemporâneo e capaz de provocar reflexões, a essência do teatro de Shakespeare.

Acredito que o teatro não deve entregar respostas prontas. É contar uma história através de uma “tese” e permitir que o público tire suas próprias conclusões. A multiplicidade de interpretações é o que me interessa. Shakespeare permanece vivo justamente porque nos obriga a olhar para o humano e suas contradições.

A peça, inclusive, já lhe rendeu prêmios. Como é ver um projeto sendo aclamado pela crítica? É mais difícil agradar o público ou a crítica?

O Mercador de Veneza mobilizou muita gente e foi feito com entrega, coragem e uma enorme dedicação coletiva. Receber esse retorno do público e da crítica é significativo. Esgotamos os ingressos em todos os teatros por onde passamos, o que, nos dias de hoje, é algo extraordinário. Teatro só acontece com o público, e ver as casas cheias é a maior prova de que a obra está viva. 

A crítica, por sua vez, prolonga esse diálogo. Ela registra, interpreta e tensiona a obra dentro de um contexto histórico, contribuindo para o pensamento sobre o teatro e para a construção da memória cultural. 

O Mercador de Veneza não é uma peça confortável. É áspera, cruel e mostra o que há de mais contraditório no ser humano. Não sei se conseguimos agradar (talvez nem devêssemos). Mas algo certamente acontece. Há sempre um desconforto, uma inquietação no ar. E, se o público sai com mais perguntas do que respostas, e os críticos desenvolvem novas leituras, então Shakespeare cumpriu seu papel (e nós também… risos). 

Você tem no currículo o trabalho de direção em diversos musicais. Por que fazer um clássico agora? E o que é mais desafiador: montar um clássico ou criar um musical que é sempre tão grandioso? 

O teatro é teatro, não me classifico como diretora de uma coisa ou de outra. Cada obra, seja musical ou de prosa, exige um desenvolvimento específico da linguagem e a sensibilidade para entender qual é a melhor estratégia para o processo e para as necessidades da produção. Criar é desafiador por si só, independentemente do gênero. É um equilíbrio constante entre intuição, estratégia e estudo. 

Montar um clássico, no entanto, tem uma dimensão particular: é lidar com uma memória viva, com um passado que nos atravessa. O texto traz camadas de tempo, e o desafio é descobrir como fazê-lo reverberar no presente, o que ainda pulsa, o que precisa ser questionado, o que pode ser reinventado. No fim, o essencial é criar um espaço de encontro, entre passado e presente, entre artista e público, em que algo potente possa aconteça. 

Como você observa o espaço para mulheres diretoras de teatro? 

É um processo em construção. Durante muito tempo, a direção foi associada a um modelo de autoridade masculina, e talvez o grande desafio seja desconstruir essa ideia. Sou inspirada por outras mulheres diretoras, e, quem sabe, possa inspirar alguém também.

Conduzir um processo é um gesto de escuta, cuidado e firmeza. Procuro criar um ambiente em que o pensamento circule e todos se sintam parte da criação. Isso não significa ausência de rigor ou de escolhas, mas uma outra forma de pensar a liderança artística. Estar nesse lugar com consciência é, pra mim, um modo de afirmar que há muitas maneiras possíveis de dirigir e de fazer teatro.

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