Dezembro é época de celebrar com parentes e amigos, mas muitas vezes é, também, sinônimo de exageros que podem comprometer a saúde e até colocar a vida em risco. Em 1978, Philip Ettinger descreveu inicialmente a “síndrome do coração pós-feriado” (Holiday Heart Syndrome) pois, na ocasião, o cientista observou casos de arritmias cardíacas severas, associadas ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas, frequentemente em finais de semana prolongados. Desde a descrição original, há 34 anos, novas pesquisas neste campo aumentaram o volume de conhecimentos relacionados a esta síndrome e, atualmente, ela está associada também a efeitos mais graves como derrames e AVCs. “O alerta principal é que a pode acometer não só pessoas pré-dispostas, mas também indivíduos saudáveis e que sequer tenham o hábito de beber”, destaca o neurocirurgião Orlando Maia, membro titular da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia.
Estudos recentes mostram que o abuso agudo do álcool leva a uma série de efeitos nocivos ao organismo que elevam potencialmente o risco de um Acidente Vascular Cerebral. “É um efeito dominó: o excesso de álcool leva a uma desidratação, que leva a um espessamento do sangue que pode causar pequenos trombos nos vasos sanguíneos. Caso um deles se desloque para o cérebro, pode haver um bloqueio do fluxo sanguíneo, que chamamos de AVC isquêmico, que é a maior causa de mortes no mundo, atualmente”, pontua o especialista.
O estudo mostrou também que o consumo agudo do álcool também pode reduzir o fluxo sanguíneo cerebral regional ou levar a uma vasoconstrição das artérias cerebrais, levando a um derrame, que pode ser fatal. O abuso do álcool também aumenta a pressão arterial e pode levar a uma arritmia conhecida como fibrilação atrial, condições associadas ao aumento do risco de AVC, esta última em até 5 vezes. “Essa arritmia cardíaca provoca uma contração ineficiente dos átrios, o que leva à formação de coágulos. Esses coágulos podem se desprender do coração e se fixar em um vaso do cérebro, o que pode causar um AVC”, explica Orlando Maia.
Orlando alerta que mesmo aqueles indivíduos que costumam ter alimentação saudável e consomem álcool apenas em épocas festivas precisam ficar atentos a alguns sintomas e buscar socorro imediato. “As primeiras quatro horas são fundamentais para socorrer alguém que esteja sofrendo um AVC e evitar sequelas incapacitantes”, ensina Maia. “Muita gente negligencia os sintomas por acreditar que é preciso esperar para ‘ver se vai melhorar’. Mas cada minuto pode fazer diferença no tratamento.
Dentre os sintomas que exigem atenção estão: falta de ar, tonturas ou desmaios, dormência em algum lado do corpo ou em algum membro, dificuldade na fala, confusão mental ou perda parcial da visão (em apenas um dos olhos). “Em casos assim, é fundamental procurar uma emergência médica”, afirma Orlando Maia.
AVC aumenta nessa época ligado também a outros hábitos nocivos
Um estudo recente mostra que o número de mortes relacionadas ao sistema cardiovascular aumenta 5% nessa época do ano (publicado em 2024 na Circulation – American Heart Association Journals). “Precisamos destacar que raramente vemos um exagero de bebidas alcoólicas de forma isolada. Geralmente, o indivíduo também abusa de alimentos ricos em gordura saturada, sal, industrializados, cafeína, energéticos, pouca hidratação, aumento do estresse, privação de sono… Ou seja, são excessos que se acumulam e todos são fatores de risco para o AVC”, afirma Orlando Maia, que também é membro da Câmara Técnica de Neurocirurgia do Rio de Janeiro.
O neurocirurgião alerta que exageros podem ser perigosos em qualquer ocasião, mas que nessa época do ano, é preciso redobrar os cuidados pois os excessos podem se prolongar causando danos irreversíveis ao organismo. “As pessoas tendem a achar que podem relaxar durante todo o mês de dezembro e início de janeiro para compensar depois. Mas não é bem assim. O AVC leva a óbito em cerca de 40% a 50% dos casos em até seis meses após o evento. E a fibrilação atrial está ligada justamente aos casos mais graves”, destaca o médico que também é membro titular da World Federation Neurology.
Orlando Maia ressalta que, nessa época do ano, as pessoas também costumam abusar de outros hábitos nocivos que são fatores de risco para AVC como fumar mais, dormir menos e deixar de lado os exercícios físicos. “É preciso lembrar que 90% dos casos de AVC poderiam ser evitados com hábitos saudáveis. Você pode recuperar o peso ou melhorar o cansaço depois de um período de abusos, mas é preciso ter algum controle pois as consequências de um AVC podem ser irreversíveis, seja a morte ou sequelas graves”, alerta o especialista, lembrando que 70% dos sobreviventes a um AVC ficam com alguma sequela funcional e 50% ficam totalmente dependente dos cuidados de outras pessoas.