Teatro contra a misoginia e a violência de gênero

O Anorak - foto: Aloysio Araripe

O que leva um jovem a transformar frustração pessoal em ódio mortal? Este é o tema do espetáculo “O Anorak”, que chega aos palcos do Teatro Ziembinski, no Rio de Janeiro, no próximo dia 2 de maio. Escrito pelo canadense Adam Kelly Morton, o texto narra os acontecimentos que antecederam o ataque que chocou o mundo: o assassinato em massa de 14 mulheres na Escola Politécnica da Universidade de Montreal, em 1989.

Protagonizado pelo ator Daniel Chagas e dirigido por Sueli Guerra, a montagem vai além da reconstituição do crime: investiga as origens do ódio e expõe as fissuras da masculinidade moldada pela rejeição, solidão e um sentimento de inadequação que culmina na violência.

“Quando encontrei esse texto, percebi que tocava em uma ferida que o mundo insiste em ignorar. Infelizmente, o discurso de ódio contra as mulheres não é uma página virada da história, ele persiste, e com força, também no Brasil. O espetáculo é um convite para refletirmos sobre como a misoginia é construída e perpetuada socialmente”, afirma Chagas.

Para a diretora, conhecida por trabalhos que exploram a relação entre corpo, emoção e cena, encarar esta montagem foi um processo delicado e, acima de tudo, necessário. “Tem sido muito difícil encarar esse texto, principalmente para mim e para toda equipe, que é composta por mulheres. Eu sou mãe de menino, então isso pesa ainda mais. É fundamental refletir sobre como, e o quanto nós, como sociedade, somos responsáveis por essa construção: homens misóginos, inseguros, frágeis diante dos seus próprios sentimentos e incapazes de lidar com frustração. Eles se tornam alvos fáceis para pensamentos e atitudes extremas, como os que a peça expõe”, ressalta Sueli.

Além da profundidade do tema, o processo de construção da montagem exigiu de Daniel um mergulho intenso e um cuidado ético redobrado. “Desde o início, eu sabia que essa montagem só poderia ter mulheres conduzindo a criação. A misoginia é um tema que diz respeito a todos, mas são as mulheres que sentem na pele. Ter a Sueli Guerra na direção foi fundamental, porque ela trouxe generosidade e firmeza para atravessar esse território tão delicado.”

O trabalho de encenação apostou no equilíbrio entre texto e fisicalidade, num jogo sutil de presença e ausência. “Digamos que o movimento aqui circula entre o interno e o externo, nas sutilezas da suspensão e do tônus. Não queríamos reforçar estereótipos, mas provocar o público a sentir e refletir profundamente”, completa a diretora.

A arte como provocação social

Além de expor as raízes da misoginia, “O Anorak” também convida à autocrítica social: como os discursos de ódio se formam, se alimentam e ganham espaço, seja em salas de aula, fóruns virtuais ou ambientes de convívio. A montagem não tem como objetivo apontar culpados específicos, mas ampliar a compreensão sobre um fenômeno que atravessa classes sociais, culturas e fronteiras.

Ressalta, Sueli: “A arte, para mim, tem o papel de iluminar o que preferimos manter na sombra. O fato do tema ser mais do que atual, foi o que me motivou a dirigir essa peça.”

Para Daniel, o desejo é que o espetáculo percorra diferentes públicos e territórios. “Eu sonho com esse texto viajando o país, indo não só para os grandes centros, mas chegando também às periferias, às cidades pequenas. A arte precisa alcançar quem mais precisa dela, porque é no encontro com essas histórias que a gente, talvez, consiga mudar alguma coisa.”

Com 90 minutos de duração, “O Anorak” se propõe a ser mais do que teatro: um convite incômodo e necessário para refletir sobre as bases da nossa convivência social.

SERVIÇO

Espetáculo: Anorak

  • Texto: Adam Kelly Morton
  • Atuação: Daniel Chagas
  • Direção: Sueli Guerra
  • Estreia: 2 de maio
  • Sextas e sábados: 20h
  • Domingos: 19h
  • Duração: 90 minutos
  • Teatro Municipal Ziembienski – rua Urbano Duarte, Tijuca (em frente ao metrô São Francisco Xavier)

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