“Spectrum”: o teatro que escuta, acolhe e transforma a presença em poesia​

Spectrum - Foto: Caio Lírio_@caiolirio

Em um mundo em que a pressa dita o ritmo e a norma define o padrão, há um projeto que desacelera o tempo, abre espaço para o silêncio e para a escuta genuína — escuta do corpo, do olhar e até das pausas. Spectrum (@spectrum_teatro), criado por Paula Gotelip, Cristiane Muñoz, César Rossi e Cézar de Castro em novembro de 2024, é mais do que um espetáculo: é uma vivência cênica que nasce do respeito radical à singularidade de cada participante.

No Festival Acessa BH, dia 26 de setembro, às 16h, na Funarte MG (Belo Horizonte), o público poderá conhecer gratuitamente essa experiência sensorial que reposiciona o teatro como lugar de pertencimento e criação coletiva, especialmente voltado para crianças neurodivergentes — em especial, aquelas dentro do espectro autista.

Um palco que se molda às pessoas, e não o contrário

A força do Spectrum está na metodologia Relaxed Performance (entenda mais clicando AQUI), uma abordagem de apresentação teatral criada originalmente para acolher pessoas que, por questões sensoriais, cognitivas ou emocionais, não se adaptam aos moldes rígidos de um espetáculo tradicional.

Nela, o ambiente e a condução da cena são ajustados para oferecer segurança e conforto: luzes menos intensas, sons controlados, liberdade para se movimentar, falar ou se ausentar durante a sessão. Não há imposição de silêncio absoluto ou imobilidade; o público é livre para reagir no seu tempo e da sua maneira.

No Spectrum, essa metodologia ganha forma por meio de plateias reduzidas, comunicação não verbal, ritmo desacelerado e espaço de regulação sensorial. Aqui, é o espetáculo que se adapta às pessoas — e não o contrário.

Guiadas pelos bonecos Verdam e Nhoque — mestres de cerimônia que acolhem com humor e delicadeza —, as crianças exploram luzes, sombras, sons e objetos do cotidiano, criando narrativas próprias ou coletivas. Cada gesto, olhar ou toque pode se transformar em cena, e cada apresentação é única, pois nasce da interação com quem está presente.

A estética da inclusão

O projeto rompe barreiras estruturais da produção cultural: 75% da equipe artística é formada por pessoas com deficiência, incluindo artistas autistas, neurodivergentes e com deficiência visual. Essa representatividade não é apenas simbólica, mas prática: toda a concepção foi pensada por quem vive, na própria pele, os desafios e potencialidades da neurodivergência e da acessibilidade.

O cuidado está em cada detalhe — até a transição final, com borboletas em neon conduzindo suavemente as crianças para o encerramento, foi desenhada para evitar qualquer ruptura brusca que pudesse gerar desconforto ou crise.

Impactos que ecoam além da cena

Desde a estreia, Spectrum tem gerado relatos emocionantes. Crianças dizendo “hoje foi o melhor dia da minha vida”, adultos autistas compartilhando que a vivência lhes ofereceu algo que faltou na infância, professores repensando práticas escolares.

A proposta também se expande para rodas de conversa com educadores, abordando saúde mental, artes e neurodivergência, fortalecendo pontes entre a criação artística e a educação inclusiva.

Para a autora, atriz, performer, professora e pesquisadora Patricia Ragazzon, o Spectrum é um dos espetáculos mais sensíveis e delicados que assistiu e participou. “Os artistas-criadores Paula Gotelip, Cristiane Muñoz e César Rossi e Cesar de Castro criaram para meus alunos um ambiente rico de possibilidades de criar e sonhar junto com eles. A saber: meus alunos são jovens e adultos identificados com deficiência intelectual e/ou neurodivergência, geralmente, não são convidados para ir ao teatro, pois podem “não se comportar adequadamente” e desde a mais tenra infância foram afastados da participação em atividades artísticas e sociais. Mas na sessão do dia 20 de março, no SESC-SENAC Pelourinho, foi diferente, pois a convite do Observatório Nacional do Teatro para a Infância e Juventude, nossas turmas da APABB BA e do Projeto Incluir foram com suas mães e cuidadoras assistir ao espetáculo. Eu esperava uma atmosfera de acessibilidade, e tivemos muito mais que isso, tivemos acolhimento, ludicidades e possibilidade de inventar mundos. Meu aluno S. tem 52 anos de idade, é muito criativo e adora as aulas de teatro, ele me emocionou profundamente quando viu sua sombra projetada na parede do teatro com um par de asas. S. voou, não apenas com seus braços que fizeram o movimento de voar, mas ele alçou voo em sua imaginação. Todas as pessoas gostaram demais, elogiaram muito e não queriam ir embora, queriam ficar na cena, brincando, fazendo”, relata.

Arte como direito e não privilégio

O Spectrum defende que o acesso pleno à arte é um direito de todos. Ao criar um espaço em que o espectador é agente, em que cada tempo e forma de presença são respeitados, o projeto reafirma que inclusão não é um favor — é a base para uma sociedade mais justa e plural.

Para editores, produtores e repórteres, há aqui múltiplos ganchos: inovação cultural, representatividade na equipe, impacto social mensurável, metodologia inédita no Brasil e uma estética que nasce do encontro entre arte e cuidado. É pauta para cultura, educação, comportamento e direitos humanos.

Acompanhe o projeto no instagram: @spectrum_teatro

Ficha Técnica

  • Concepção: Paula Gotelip
  • Pesquisa: Paula Gotelip, Cristiane Muñoz, Cesar Rossi, Cezar de Castro, Araís Bernardo e Vitoria Borin
  • Elemento de sombra, bonecos e iluminação: Cesar Rossi
  • Sonoplastia e trilha sonora: Cezar de Castro
  • Produção: Paula Gotelip
  • Assistente de Produção: Vitória Borin
  • Coordenação de Acessibilidade: Cristiane Muñoz.
  • Assessoria de acessibilidade para deficientes visuais: Natalia Rocha
  • Assessoria de Acessibilidade para surdos: Adriana Somacal
  • Designer: Daniel Olivetto

A equipe do projeto tem pessoas com deficiência:

  • Cristiane Muñoz: autista
  • Cesar Rossi: Deficiência física
  • Paula Gotelip: neurodivergente.
  • Araís Bernado: autista
  • Adriana Somacal: neurodivergente
  • Natalia Rocha: deficiente visual

Serviço:

26 de setembro — 16h no Festival Acessa BH
Funarte MG — Rua Januária, 68, Belo Horizonte
Entrada gratuita — reservas pelo e-mail festival.acessa@gmail.com
Mais informações: Instagram @acessabh | acessabh.com.br

Obs: A plateia é reduzida, a reserva de ingresso deve ser feita antecipadamente entre 10/09 e 20/09 pelo email festival.acessa@gmail.com

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