Conversas entre coleções

Mostra exibe obras de seis coleções privadas em diálogo com o acervo da Casa. Trabalhos revelam afinação plástica entre o modernismo brasileiro e a produção contemporânea

por Redação

Seleções incluem grandes nomes do Brasil e do exterior, como Abdias do Nascimento, Adriana Varejão, Ai Weiwei, Beatriz Milhazes, Di Cavalcanti, Ernesto Neto, Guignard, Pancetti, Leonilson, Luiz Zerbini, Pierre Soulages, Tarsila do Amaral e Vieira da Silva

A Casa Roberto Marinho anuncia a mostra Conversas entre coleções, que será inaugurada no dia 15 de dezembro de 2023, a partir das 12h. Por sugestão dos irmãos Marinho, o diretor do instituto, Lauro Cavalcanti, convidou seis dos mais importantes colecionadores do país para curarem os espaços expositivos do casarão no Cosme Velho, Zona Sul do Rio, estabelecendo um diálogo artístico entre o acervo da Casa e peças de suas coleções particulares.

“Com enorme alegria recebemos, deste dezembro de 2023 a março de 2024, 256 obras de 127 artistas, que pertencem a colecionadores fundamentais para a criação e memória da arte brasileira atual”, celebram os patronos da Casa.  

A partir da imersão no conjunto reunido pelo jornalista Roberto Marinho, com cerca de 1.400 peças em diferentes suportes, Andrea e José Olympio Pereira, Luciana e Luis Antonio de Almeida Braga, Mara e Marcio Fainziliber, Marcia e Luiz Chrysostomo de Oliveira Filho, Paulo Vieira, Mônica e George Kornis tiveram autonomia curatorial para explorar as possibilidades visuais desse encontro e organizar suas salas. O resultado é uma espécie de ponto de convergência intergeracional do colecionismo brasileiro. 

Entre muitos trabalhos ainda inéditos para o público, as seleções incluem modernistas e contemporâneos de diversas nacionalidades, como Abdias do Nascimento (1914-2011), Adriana Varejão, Ai Weiwei, Alberto Guignard (1896-1962), Anna Maria Maiolino, Beatriz Milhazes, Candido Portinari (1903-1962), Di Cavalcanti (1897-1976), Djanira (1914-1979), Ernesto Neto, Iberê Camargo (1914-1994), Iole de Freitas, Ismael Nery (1900-1934), José Pancetti (1902-1958), Lasar Segall (1889-1957), Leonilson (1957-1993), Lucia Laguna, Luiz Zerbini, Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992), Mira Schendel (1919-1988), Mona Hatoum, Pierre Soulages (1919-2022), Roberto Magalhães, Rubens Gerchman (1942-2008), Sonia Gomes, Tarsila do Amaral (1886-1973), Vik Muniz e outros. 

“Ao reunir centenas de peças de diferentes meios e correntes artísticas, a nova exposição é uma rara oportunidade para o público conferir produções de tempos e geografias díspares. Com ela, encerramos com chave de ouro um ano muito profícuo para a Casa”, afirma Lauro Cavalcanti, que assina a coordenação geral do projeto. 

A mostra sala a sala, conforme o percurso de visitação:

Sala Andrea e José Olympio Pereira | 20 obras (térreo)

Iniciada no princípio dos anos 1990, a Coleção Andrea e José Olympio Pereira concentra-se na expressão da arte brasileira a partir da década de 1950. 

“Começamos nossa jornada com a arte moderna, transitando, em seguida, para a riqueza da abstração geométrica. No final dos anos 1990, mergulhamos de cabeça na produção contemporânea, abraçando artistas de nossa geração e das próximas”, revela José Olympio que, para a exposição Conversas entre coleções, selecionou dez de suas obras.

Entre os nomes consagrados estão Anna Maria Maiolino, Iole de Freitas, Lucia Laguna, Thiago Martins de Melo e Walmor Corrêa. “Nosso compromisso não se limita a reunir trabalhos, mas a mergulhar profundamente na essência de cada artista que nos cativa.”

“As escolhas foram dedicadas a artistas contemporâneos vivos, cujas criações podem ser desconhecidas para muitos. Acreditamos que essa abordagem oferece ao público uma experiência renovadora”, afirma o casal.

A diversidade de linguagens artísticas – pintura, escultura, fotografia, vídeo e instalação – reflete-se nos diálogos visuais estabelecidos a partir de obras de Vieira da Silva, Iole de Freitas, Ana Prata, Guignard, Anna Maiolino, Iberê Camargo e outros. De acordo com o colecionador, a harmonia entre a fotografia de Luiz Braga (Esperando o barco, 1987) e a pintura Lagoa Abaeté, 1957, de Pancetti, demonstra como temas artísticos “se entrelaçam de forma magnífica em diferentes meios”.

A intensidade poética das pinturas de Jorge Guinle e Thiago Martins de Melo moveu Olympio a apresentá-las em sua sala. Ele destaca, ainda, a relação entre a escultura em mármore carrara de Sergio Camargo (sem título, 1973), pertencente à Coleção Roberto Marinho, e a obra Pernas de três, 2000, de Afonso Tostes: “Nesse caso, há um diálogo muito interessante de materiais”, observa o colecionador, que é presidente da Fundação Bienal de São Paulo.

Sala Mônica e George Kornis | 72 obras (térreo)

“Com entusiasmo, recebemos o convite da Casa Roberto Marinho. Acreditamos que a disponibilização de obras de arte de coleções privadas para um público mais amplo é um movimento fundamental para a constituição de diálogos plurais e consistentes, no sentido de estimular o pensamento e a disseminação do conhecimento no campo das artes plásticas”, escreveu o casal em seu texto de parede.

Um economista e uma socióloga, ambos professores universitários, tendo o conhecimento como premissa de vida. Mônica e George Kornis iniciaram o colecionismo em 1975 e hoje guardam um dos principais conjuntos de gravuras no Brasil. A coleção progrediu com o propósito de construir um panorama histórico da gravura artística produzida aqui desde sua origem, no início do século 20, até o presente.

“Importante destacar que somos uma coleção e não uma acumulação”, pontua George, informando que um número expressivo de trabalhos tem circulado em mostras de gravuras em capitais do país e no exterior. “Estamos interessados em produzir algum grau de conhecimento em arte, é uma coleção privada com vocação pública.”

“Privilegiamos, nesta exposição, um diálogo fluente entre artistas, temas, linguagens e distintas perspectivas de observação. Sem dúvida, um desafio que envolve a busca simultânea por síntese e pluralidade”, revela.

No exercício curatorial, Mônica e George privilegiaram facetas distintas de artistas presentes em ambas as coleções. “Outra intercessão que observamos entre os dois conjuntos é a referência ao espaço urbano, que também orientou a nossa discussão”, esclarece o colecionador. 

Em sua sala, o casal expõe muitos inéditos: pela primeira vez os artistas estrangeiros presentes na coleção serão mostrados, bem como as pinturas e as esculturas. A seleção inclui trabalhos de Anna Bella Geiger, Antoni Tàpies, Arthur Piza, Di Cavalcanti, Franz Weissmann, Livio Abramo, Lucio Fontana, Mira Schendel, Oswaldo Goeldi, Rossini Perez, Tarsila do Amaral e Yolanda Mohalyi, entre outros. O diálogo com o acervo da Casa amplia a lista de artistas exibidos com obras de Antonio Manuel, Carlos Vergara, Loio-Pérsio e Waltércio Caldas.

Sala Luciana e Luis Antonio de Almeida Braga | 46 obras (1º pavimento)

A curadoria do casal Luciana e Luis Antonio de Almeida Braga – que mantém uma coleção de 300 peças, desde os anos 1990, especializada em modernismo brasileiro – se concentra em dois grandes nomes: Lasar Segall e Rubens Gerchman.

“Fiquei muito feliz em fazer parte do grupo de colecionadores que recebeu de Lauro Cavalcanti o convite para curar a nova exposição. Escolhemos juntar Segall e Gerchman, dois dos nossos maiores artistas, tendo ambos a rara capacidade de mostrar em suas obras a força, tantas vezes claustrofóbica, do destino na vida do homem; ontem, hoje e amanhã”, exalta Luis Antonio.

A tela Kaddish (1917-1918), de Segall, foi o ponto de partida para a primeira seleção. Ao lado de Paisagem brasileira II, pintura que igualmente pertence à Coleção Roberto Marinho, a obra é apresentada em diálogo com um expressivo conjunto de 37 gravuras do artista lituano radicado no Brasil.

“Por afinidade estética, elegemos também a obra de Gerchman. De nossa coleção, selecionamos sete trabalhos em diferentes suportes, que são exibidos em diálogo com a litografia Comunicação (1975), do acervo da Casa Roberto Marinho”, revela Almeida Braga.

Ele chama a atenção para algumas curiosidades de sua coleção: “Esses trabalhos do Gerchman não são exibidos publicamente há cerca de 20 anos. E as gravuras do Segall nunca foram emolduradas. Estou na expectativa de vê-las enquadradas, na área expositiva”.

Sala Marcia e Luiz Chrysostomo | 47 obras (1º pavimento)

Iniciada há mais de 25 anos, a coleção de cerca de 1.500 obras privilegia um olhar abstrato geométrico, a partir do final dos anos 1940, com maior foco no Brasil. De acordo com os colecionadores, “ela navega transversalmente por múltiplos meios de expressão como pintura, escultura, desenho, obras gráficas e fotografia”.

Para o economista Luiz Chrysostomo, em um país como o Brasil, com tamanha diversidade cultural e social, colecionar é também preservar histórias não contadas e contextos que podem se apagar.

“Um objeto isolado, presente em uma coleção, perde sua identidade enquanto elemento único: ao ser disposto como conjunto, na presença de outros pares, cria dimensões”, afirma. “No exercício proposto pela Casa, cada colecionador, ao realizar suas escolhas, ressignifica formas, cores ou temas das obras de sua coleção e da de Roberto Marinho. Nessa nova imersão do olhar, formulam-se questões que estavam ausentes, quase como uma nova gênese”.

Em sua curadoria, o casal optou por definir três eixos: ‘Temáticas’, ‘Artistas’ e ‘Narrativas’. 

Em “Temáticas”, são apresentados três núcleos: ‘Natureza’, com dois Portinaris (Flora e Fauna, 1934; e Floresta, 1942); ‘Natureza-morta’, com um trabalho de Di Cavalcanti de 1936; e ‘Fachadas’, com a escolha de dois delicados Roberto Rodrigues, de 1926.

Já o eixo “Artistas” exibe um raro e surpreendente Pancetti (1941) em diálogo com as cadeiras de madeira Fairytale chair (2007), de Ai Weiwei. Inclui também a portuguesa Vieira da Silva (Ópera Bouffe,1968) e uma escultura do baiano Emanoel Araújo.

Em “Narrativas”, Marta e Luis partem de Ismael Nery e Guignard, artistas de grande representatividade na Coleção Roberto Marinho, para dialogar com o íntimo, o etéreo e o subliminar. Dionísio Del Santo, Arnaldo Antunes, Maria Helena Andrés, Luciano Figueiredo e Max Bill, entre outros, compõem a seleção do casal.

Sala Mara e Marcio Fainziliber | 23 obras (1º pavimento)

Mara e Marcio frequentam, com intensa assiduidade, museus, bienais, feiras, ateliês, galerias e as principais mostras no Brasil e no mundo: “Isso fez com que desenvolvêssemos um olhar muito parecido e de muita cumplicidade para a arte”, diz Mara.

“Nos idos dos anos 1980, comprávamos peças de artistas estrangeiros jovens, ainda pouco conhecidos, como é o caso do americano Henry Taylor e da inglesa Lynette Yiadom-Boakye (ambos presentes na mostra), agora consagrados”, relembra Marcio. “Ainda hoje, continuamos nessa busca por jovens artistas, mas com foco nos brasileiros, que integram uma geração incrivelmente talentosa”.

De acordo com o casal, os diálogos foram todos desafiadores e, algumas vezes, poéticos. Um texto de Beatriz Milhazes foi o disparador para a conversa perfeita com Guignard. E a série de litografias de Jean-Baptiste Debret, um destaque da Coleção Roberto Marinho, foi relacionada à obra Polvo, de Adriana Varejão. “Fizemos essa conexão porque Adriana afirma sua intenção de levantar questões relacionadas a raça”, explica Mara. “Para o óleo de Di Cavalcanti, com temática marítima, escolhemos outro trabalho da Varejão, Mãe D’água, que enfoca nossas divindades afrodescendentes”.

Uma relação mais complexa firmada pelo casal de colecionadores é a da artista alemã Iza Genzken com Maria Martins. “Maria rompe com a idealização do humano em suas esculturas de bronze e Iza cria diálogos e ilusões com materiais duros como o concreto. Ambas as obras escolhidas transmitem força, energia, conhecimento e apontam para o divino”, analisa o colecionador.

O casal aproximou Sonia Gomes e Sonia Delaunay que, além do nome, têm outros pontos em comum: “As duas são artistas vanguardistas em suas pesquisas e representam uma ruptura em seus tempos, com 60 anos entre uma e outra. O Orfismo de Delaunay, com forte uso de cores e formas geométricas, aparece espelhado nos tecidos e torções de Sonia Gomes”, analisa Mara.

A escultura de um nu feminino deitado, da fase figurativa de Bruno Giorgi, é ladeada por uma obra desconstruída em seis fragmentos moldados no corpo do sobrinho do artista vietnamita Dahn Vo.

Para Mara e Marcio, a junção mais perfeita talvez tenha sido entre Abdias do Nascimento e Rubem Valentim, contemporâneos que trataram da mesma temática: a sagrada mitologia das religiões de matriz africana. Já a obra do francês Pol Taburet, a mais recente aquisição dos Fainziliber, é apresentada em diálogo com a representação de Cristo de Emeric Marcier.

Sala Paulo Vieira | 48 obras (1º pavimento)

A Coleção Paulo Vieira, iniciada nos anos 1980 com foco em arte brasileira, sobretudo paisagens, reúne hoje cerca de 700 obras de 200 artistas de mais de 40 nacionalidades. 

“Com o tempo, o conceito de paisagens foi ampliado para imagens políticas. Mais tarde, a coleção se internacionalizou e somaram-se trabalhos de artistas contemporâneos que abordam as temáticas do deslocamento, das fronteiras, cartografias e mapas mentais”, detalha o advogado e colecionador carioca.

“No início dos anos 2000, aceitei o convite do querido Gilberto Chateaubriand para presidir a Associação de Amigos do Museu de Arte Moderna do Rio. Ali, aprendi que um colecionador pode ser, também, um agente cultural. Mais tarde, vieram a Tate e a Escola de Artes Visuais do Parque Lage. A possibilidade de trabalhar com curadores de grandes instituições me abriu novos horizontes”, relembra Paulo, que é o atual diretor-executivo do MAM Rio e presidente do Conselho Internacional da Tate. “Tenho certeza de que essas experiências informam a coleção. A partir de um certo momento, toda essa trajetória passou a compor uma grande paisagem.”

A visão de Paulo se expressa na seleção apresentada nas duas salas que encerram a mostra, com muitos inéditos. Nas paredes, chama a atenção o tríptico de grandes dimensões Pictures of Junk: WWW (World Map), 2008, de Vik Muniz. O diálogo foi estabelecido com a pintura monumental Rio de Janeiro, 1993, de Luiz Zerbini, da Coleção Roberto Marinho.

Entre os 48 trabalhos apresentados, constam peças em diferentes formatos de artistas estrangeiros, como o inglês Jonathan Callan, a eslovena Marjetica Potrc, os argentinos Jorge Macchi e Nicolás Robbio, a norte-americana Jennifer Bolande e o canadense Marcel Dzama. Outro destaque são as obras da palestina Mona Hatoum. Entre os brasileiros, há trabalhos de Leonilson, Rivane Neuenschwander e Rodrigo Andrade.

SERVIÇO:

CONVERSAS ENTRE COLEÇÕES

Coordenação geral: Lauro Cavalcanti

Curadoria: Andrea e José Olympio Pereira, Luciana e Luis Antonio de Almeida Braga, Mara e Marcio Fainziliber, Marcia e Luiz Chrysostomo, Mônica e George Kornis, Paulo Vieira

Abertura pública: 15 de dezembro de 2023, das 12h às 18h

Encerramento: 24 de março de 2024

Instituto Casa Roberto Marinho
Rua Cosme Velho, nº 1105 – Rio de Janeiro | RJ
Tel: (21) 3298-9449Visitação: terça a domingo, das 12h às 18h

(Aos sábados, domingos e feriados, a Casa Roberto Marinho abre a área verde e a cafeteria a partir das 9h.)

Ingressos à venda exclusivamente na bilheteria:
R$ 10 (inteira) / R$ 5 (meia entrada)

Às quartas-feiras, a entrada é franca para todos os públicos. 

Agendamento de grupos em agendamento@casarobertomarinho@org.br, com a equipe de Educação da Casa.

Aos domingos, “ingresso família” a R$ 10 para grupos de quatro pessoas.

A Casa Roberto Marinho respeita todas as gratuidades previstas por lei e é acessível a pessoas com deficiência física.

Estacionamento gratuito para visitantes, em frente ao local, com capacidade para 30 carros.

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