O curta-metragem Fome, com direção de Alan Bezerra e roteiro de Ed Lopez, que também interpreta o personagem Francisco, ao lado da atriz Ayala Rossana, a Tereza da trama, é de impressionar e faz o público pensar pois mexe com um assunto que atinge a quase nove milhões de brasileiros de acordo com pesquisa do IBGE deste ano: a Fome.
A atriz Ayala Rossana – que ganhou o prêmio de melhor atriz no Festvial CawCine com Meninos que não vão para o céu – é de uma entrega ímpar, assim como o seu companheiro de cena, Ed Lopez. De curta, Fome virou uma série com dois capítulos, que estreia neste domingo (1 de setembro) e será exibido pelo canal Ed Lopez na plataforma do YouTube. O filme foi gravado durante a pandemia no Centro do Rio de Janeiro.
Em entrevista ao site Sopa Cultural, o diretor Alan Bezerra, o ator e roteirista Ed Lopez e a atriz Ayala Rossana falam um pouco mais sobre a obra, que é necessária nesses tempos tão sombrios.
Sopa Cultural: Como foi para você fazer a construção da personagem Tereza, uma mulher densa que parece ter algum transtorno mental e passa Fome? E para você, Ed Lopez, como foi dar vida ao Francisco?
Ayala Rossana: Para compor a personagem, eu fui buscar esse lugar de empatia com o outro. Fome me sensibiliza muito porque o Brasil tinha saído por um tempo do mapa da miséria, da pobreza, da Fome total, mas com a pandemia volta para esse lugar e hoje, após dois anos do filme pronto, estamos ainda no processo de acabar com a Fome, que é um tema sempre atual.
Eu me baseei muito para fazer a Tereza no documentário da Estamira, em Carolina Maria de Jesus, porque ela era uma catadora de lixo que vivia na extrema pobreza e em um poema de Solano Trindade. Fui buscar um pouco desses lugares e da saúde mental também. O filme fala de uma pandemia atemporal, que pode ser a qualquer momento, podemos viver outra pandemia, quem vai saber? Mas aí eu que te pergunto, como é que a gente fala desse lugar sem a gente entender a saúde mental dessas pessoas? Pessoas que na pandemia ficaram aprisionadas e outras que ainda estão nesse lugar com medo de tudo.
Quando eu lia o roteiro, eu lembrava do poema de Solano Trindade: “Tem gente com Fome, tem gente com Fome, tem gente com Fome, tem gente com Fome” Essa sonoridade ficava na minha cabeça. E isso foi trazendo para mim essa personagem. O amor da parte dela por ele, o companheirismo, a cumplicidade, o olhar deles, o carinho. Sim, isso tinha, mas eu não construí pensando muito nisso.
Ed Lopez: Foi difícil filmar. Eu não achei tão fácil, apesar de ter sido feito em dois dias. Foi um trabalho intenso, mas fácil porque o cenário real era caótico e o que tínhamos à nossa frente. A gente vendo as pessoas passando Fome, o Brasil inteiro sabe, tentando salvar um aqui e outro ali, e aí a minha cabeça foi enchendo de ideias. Para ficar de acordo com o personagem foi bem difícil para mim, porque eu sou e tenho corpo de atleta. Para eu ficar magro foi muito complicado. O meu objetivo era perder pelo menos mais de 15 quilos, mas eu só consegui eliminar 14. E isso me prejudicou muito porque a gente não podia ir ao médico. Enfim, conseguimos. Eu e a Ayala nos esforçamos muito. A gente sempre se dá bem em cena. Temos uma ótima parceria.
Sopa Cultural: Ed, por que você resolveu transformar o filme em websérie?
Ed Lopez: O filme mexeu muito com a minha cabeça e esse ano entrei para o curso de produtores do Sebrae. Eu comecei a perceber essa onda de séries, saí de um dos cursos, liguei pro Alan e falei: o que você acha da gente dividir Fome em dois episódios? Na mesma hora, ele topou porque a série te prende e faz você dar aquela pausa. Quando encerra o primeiro episódio faz você pensar, agora vai começar o próximo e você tem aquela pausa mental onde espera o que vai acontecer.
SOPA CULTURAL: Como você foi convidada para o papel de Tereza?
AYALA ROSSANA: Fui convidada pelo diretor Alan Bezerra e o roteirista Ed Lopes, para fazer o curta Fome. Estávamos juntos numa premiação Chamada CawCine Vídeo no Shopping Sulacap, por conta da série Meninos que não vão para o céu, participei da terceira temporada e lá ganhei o prêmio de melhor atriz por esse trabalho que também é do roteirista Ed Lopez. Foi um momento muito bacana e eles me chamaram para esse novo desafio e digo, foi um desafio e tanto. Eu gosto muito de trabalhar com os dois. Então passamos a fazer encontros, trocamos muito sobre os personagens e construímos juntos a Tereza, minha personagem no curta-metragem e na Websérie. Eu acredito muito nesse processo de construção, do diálogo entre nós, atores e direção.
Sopa Cultural: O filme foi rodado na pandemia, como foi isso?
Ed Lopez: Quando começou a pandemia, fiquei mais sensível como todo mundo, mas a mente do autor, acho que fica mais. Então, eu comecei a entrar no mundo das séries. O meu primeiro objetivo era fazer série, mas como a gente não tinha tanta história para contar, pelo menos eu não tinha tanta história para contar em relação à Fome, decidi criar um roteiro para curta-metragem, até para a gente sair dessa coisa que prendia a gente, de ficar em casa, e já estava perto do final da pandemia, foi quando eu vi The Walking Dead. The Walking Dead já é após uma pandemia futurista, né? E aquilo me fez observar um outro mundo, o que é o mundo de The Walking Dead, dessa série. Porque não é só sobre zumbis, mas sobre a sobrevivência. Nas séries as pessoas passam muita Fome e vão em busca de comida. Fillmar na pandemia foi um desafio muito grande porque a gente não podia sair de casa, a gente não podia entrar em todos os lugares, mas como já era o finalzinho, a vacina estava sendo descoberta, então a gente gravou com máscara. Eu consegui trabalhos durante a pandemia, bastante trabalho, mas sempre gravava isolado. Já tinha criado outra websérie. Eu falei, vamos criar um curta, eu queria resumir em poucas páginas. Porque eu sei que tem muita coisa para se falar sobre Fome, muita, pode ser que aconteçam mais temporadas, quem sabe?
SOPA CULTURAL: Mas qual a diferença entre o filme e seu curta-metragem que virou websérie?
ED LOPEZ: É diferente do The Walking Dead, que tem várias pessoas. Comecei a pensar nesse homem e nessa mulher, os dois sozinhos praticamente num mundo vazio sem muitas pessoas.
É um mundo isolado ali, só entre eles. Quase não existe proteína. e eles saem em busca de carne, não só do alimento em si, mas o grande objetivo é procurar a proteína. Então, assim, eles não acham, eles têm que procurar em outros seres humanos, já que não tem tanto animais pois eles também morreram de Fome.
SOPA CULTURAL: Alan, como é que vocês conseguiram, durante uma pandemia mundial, gravar um filme tão forte?
ALAN BEZERRA: O processo de gravação se deu justamente porque a gente estava isolado. A gente filmou porque não existia ninguém no Centro da Cidade. Isso facilitou bastante. Em contrapartida, tínhamos a possibilidade de um espaço vazio, e fechado na Praça da Bandeira há anos, isso contribuiu para a gente criar. Quando o Ed me entregou o roteiro e tinha só essa locação e mais a parte externa e dentro da pandemia, eu falei, Ed, eu tenho um local, eu tenho a casa perfeita e uma janela cheia de grades, o que mostrava aquela questão de estar preso, a sensação de estar aprisionado. Esse local passava muito isso, local fechado há quatro anos. A questão da pandemia, do isolamento, a Ayala vivia de máscara, eu e Ed, a gente já tinha feito teste de Covid, mas a gente meio que mantinha um isolamento ficava o máximo possível de máscara, para não ter essa questão de contaminação. Fomos com a cara e a coragem, fizemos a produção toda para poder estar criando, editando e para justamente sair o filme que vocês vão assistir, agora como webssérie. foi maravilhoso! Realmente é muito bonito e muito forte.