Destaque de vendas na 26º Bienal, a literatura feita por mulheres ganha cada vez mais visibilidade no Brasil com projetos e iniciativas que incentivam e estimulam a representatividade
A Bienal Internacional do Livro de São Paulo encerrou sua 26ª edição com um recorde de público: 660 mil visitantes — número 10% superior ao da edição de 2018 e aumento de 40% no ticket-médio, que foi de R$ 226,94, segundo pesquisa realizada pela SMTur – Secretaria Municipal de Turismo, através do Observatório do Turismo, da São Paulo Turismo (SPturis).
Além dos números positivos e do bom resultado com o público, outro destaque foi a procura por obras escritas por mulheres. Na Rocco e na Record, por exemplo, elas dominaram os rankings dos mais vendidos. Na Rocco, as obras de Clarissa Pinkola Estés (Mulheres que correm com os lobos), Alice Oseman (Rádio silêncio), os títulos do personagem Harry Potter, de J.K. Rowling, e o livro A cantiga dos pássaros e das serpentes, de Suzanne Collins, lideraram as vendas. Já no Grupo Editorial Record, que teve um faturamento três vezes maior do que na edição de 2018, as escritoras também dominaram a cena: dos 100 títulos mais vendidos do estande, 92 são de mulheres.
Estes números mostram uma tendência clara: os leitores brasileiros estão mais interessados em diversidade e equidade de gênero, uma mudança grande desde que Regina Dalcastagnè, da Universidade de Brasília, publicou um estudo sobre o tema, em 2015. Na época, a pesquisadora mostrou que, entre 1990 e 2004, de todos os livros nacionais publicados no país pelas grandes editoras, quase 73% eram assinados por homens.
Não há, ainda, pesquisa que aponte números recentes desse cenário, mas sim muitas iniciativas que indicam uma grande transformação. Uma delas foi o evento viral que começou em São Paulo – liderado pelas escritoras Giovana Madalosso, Nathália Timmerman e a jornalista Paula Carvalho – e se espalhou pelo Brasil inteiro: escritoras se reuniram em suas cidades para fotos históricas que retratam a força da literatura feita por mulheres no País. Os registros foram feitos em cerca de 36 cidades (incluindo Lisboa e Londres) com 1.600 mulheres até agora – as fotos continuam acontecendo).
Nathan Matos, da Editora Moinhos, conta que nos últimos cinco anos houve uma mudança mercadológica substancial e fala que as pequenas editoras vêm contribuindo bastante nessa mudança de cenário. Ele lembra que o primeiro livro a ser lançado pela Moinhos foi de uma escritora. “Lembro que durante um pequeno momento, ficou algo entre 40% mulheres e 60% homens. Mas, nos últimos três anos, isso mudou absurdamente. Acho que agora estamos com uma porcentagem de 80% de obras de autoras”, conclui.
Esse movimento mostra que está se abrindo mais portas e oportunidades para as mulheres, dando mais chances para que as escritoras possam mostrar seu trabalho e ganhar espaço nas prateleiras. Hoje, há diversas editoras especializadas em livros escritos por mulheres, como a Quintal e a Bazar do Tempo, e livrarias especializadas em livros de autoria feminina, como a Gato sem Rabo, em São Paulo. Há também, em Curitiba, a Amora Livros, clube de assinatura de livros escritos por autoras contemporâneas que entrega mensalmente livros para os seus assinantes em todo o território nacional. Isso sem falar nos clubes de leitura, coletivos, grupos de discussão e outras iniciativas que têm o objetivo de equilibrar melhor essa balança literária e trazer para a pauta uma reflexão importante: a equidade de gênero na arte.
“A nossa curadoria parte de uma escolha, como são todas as curadorias. Fizemos um recorte para levar ao público – homens e mulheres – livros de escritoras vivas – ou seja, mulheres que nos trazem uma visão do mundo atual sob a perspectiva feminina. Isso não quer dizer que sejam livros ‘para mulheres’ ou sobre temáticas exclusivamente ‘femininas’. Nossa missão é dar espaço a vozes que, historicamente, foram silenciadas, que ficaram fora dos cânones literários, ocupam menos espaço nas bibliotecas, livrarias, listas de livros do vestibular, universidades e nas nossas estantes de casa”, explica Fernanda Ávila, uma das sócias da Amora.
Vicente Frare, também sócio, faz questão de complementar: “a ideia nunca foi excluir os homens. Pelo contrário, queremos que os homens também leiam mais mulheres, pois entendemos que a literatura gera empatia, possibilita um olhar sob outros pontos de vista que pode ajudar a estabelecer relações mais saudáveis e equilibradas. Homens leem poucas mulheres e isso faz com que percam histórias maravilhosas, deixem de conhecer o que e como pensa mais da metade da população mundial”, finaliza.