Com peças históricas e obras de artistas contemporâneos, mostra apresenta as origens do pandeiro e os personagens que o popularizaram em todo o país
A ligação com o feminino, a chegada no Brasil e personagens como João da Bahiana e Jackson do Pandeiro estão entre os destaques
Imortalizado em versos como esse, da canção icônica de Assis Valente, consagrada pelos Novos Baianos, o pandeiro é um dos instrumentos mais emblemáticos da música brasileira. Mas poucos conhecem sua história, que atravessa os séculos e chega ao Brasil trazida pelos colonizadores. Contar as múltiplas facetas dessa jornada e aproximar o público do universo do pandeiro é a proposta que guia “Pandeiros do Brasil: História, tradição, inovação”. A mostra permanente será inaugurada na Casa do Pandeiro, localizada próxima à estátua de Pixinguinha, na Travessa do Ouvidor, Centro do Rio de Janeiro. Com entrada gratuita, a abertura acontece sábado, dia 10 de maio, a partir das 15h, com roda de pandeiro, falas de especialistas e grande celebração.
Com curadoria da pandeirista e professora Clarice Magalhães e do pesquisador Eduardo Vidili, autor da tese A vida social do pandeiro no Rio de Janeiro (1900-1939), a exposição se desenvolve em dois eixos principais: histórico-sociológico e artístico. O público poderá explorar uma série de imagens, quatro obras de arte inéditas, incluindo uma escultura e uma instalação, um vídeo interativo e diversas variações do instrumento, que estarão disponíveis para experimentação, promovendo uma experiência interativa e sensorial. Haverá também uma pequena biblioteca com títulos de referência sobre o tema.
“A Casa do Pandeiro materializa um senso de comunidade entre pandeiristas, tanto profissionais como amadores e aprendizes. É comum ouvir percussionistas expressarem gratidão pelo pandeiro. É um instrumento muito generoso! Agora ganha uma casa, uma exposição e uma biblioteca dedicadas a ele. Queremos dar mais visibilidade a quem toca, ensina e constrói o instrumento”, celebra Clarice Magalhães, idealizadora e gestora do espaço, que também oferece aulas, oficinas, debates e rodas musicais.
Com quatro CDs gravados, a artista é profissional do pandeiro desde a década de 1990, e já tocou em centenas de bailes, festivais de música e shows dentro e fora do Brasil. Prima de Cazuza e sobrinha-neta de Nelson Rodrigues, em 2019, Clarice lançou em livro um método de pandeiro chamado “Técnica e levadas para pandeiro brasileiro” (Editora Multifoco) e um canal no YouTube.
Um instrumento ancestral
O eixo histórico-sociológico da exposição percorre a trajetória do pandeiro desde suas origens ancestrais. O primeiro registro iconográfico do instrumento no mundo remete a uma pintura rupestre na Turquia, datada de mais de 5 mil anos. O pandeiro teria sido levado à Europa pelos mouros e, posteriormente, trazido ao Brasil pelos colonizadores portugueses. No Brasil, foi rapidamente adotado pelos escravizados e tornou-se parte fundamental das manifestações culturais afro-brasileiras..
A obra encomendada ao artista plástico Luiz Gustavo Nostalgia ilustra a chegada dos pandeiros ao Novo Mundo.. Não por acaso, o primeiro registro imagético do instrumento no Brasil é um desenho de 1640 do holandês Johan Nieuhof, que também integra a exposição. A imagem mostra uma mulher escravizada com um pandeiro na mão.
A mostra também aborda a relação entre o pandeiro e o feminino. Símbolo de fertilidade, na Europa ele era predominantemente tocado por mulheres, mas essa tradição se perdeu com o tempo. A exposição resgata a importância das mulheres no universo do pandeiro e reflete sobre sua presença na percussão brasileira contemporânea, majoritariamente masculina.
Uma escultura encomendada ao artista plástico Lucas Finonho entrelaça os temas Capoeira, Pandeiro, Perseguição e Portabilidade. Durante o período colonial e a República Velha, práticas culturais negras foram perseguidas, e o pandeiro passou a ser associado à vadiagem: quem os tocava em rodas de samba ou capoeira era alvo frequente da polícia. No entanto, essa marginalização contribuiu para que ele se tornasse parte essencial da capoeira, valorizado por sua portabilidade e sua capacidade de acompanhar os movimentos da luta.
“A exposição trata de personagens, de ontem e de hoje, que contribuíram para o desenvolvimento de técnicas e concepções do pandeiro e para sua respeitabilidade; dos luthiers, as pessoas que constróem pandeiros (e aqui damos atenção também à materialidade do instrumento); da imensa pluralidade de manifestações constatada no Brasil, que nos permite falar em pandeiros brasileiros.”, explica o pesquisador e curador da mostra Eduardo Vidili. Ele falará ao público presente na abertura, assim como o músico Barão do Pandeiro, dois especialistas no instrumento.
Um símbolo fundamental da Música Popular Brasileira
Nos anos 1930 e 1940, o samba, antes perseguido, ganhou status de símbolo nacional. Como o tango para os argentinos, a habanera para os cubanos e o jazz para os americanos, o gênero tornou-se a expressão musical autêntica do Brasil, e o pandeiro consolidou-se como um de seus elementos fundamentais.
É nesse período que o pandeiro passa a ser reconhecido por seu sofisticado alcance rítmico e harmônico, e aparece em versos como “Ôi, esse Brasil lindo e trigueiro / É o meu Brasil brasileiro / Terra de samba e pandeiro / Brasil! Pra mim!”, de Aquarela do Brasil, de Ary Barroso, quase um hino não-oficial do país.
No eixo artístico, a mostra homenageia figuras fundamentais na consolidação desse símbolo da música brasileira. São apresentadas imagens como uma foto e um desenho em quadrinhos de João da Baiana, um dos percussionistas pioneiros do rádio e da fonografia no Brasil. No áudio de uma entrevista concedida a Hermínio Bello de Carvalho, em 1966, ele conta que foi responsável por introduzir o pandeiro no samba. Também são lembrados figuras centrais como Jackson do Pandeiro, Jorginho do Pandeiro, Bira Presidente e Larissa Umaytá.
Uma instalação assinada por Bete Esteves e Luciana Maia faz homenagem a Marcos Suzano, um dos grandes inovadores do pandeiro brasileiro, responsável por sua internacionalização. “A Casa do Pandeiro é um espaço muito importante no Rio de Janeiro, porque lá se faz arte, se ensina música, convivemos com gente do mundo todo, trocamos experiências. Por isso, já nasceu fundamental”, celebra Suzano.
O público também poderá explorar um mapa interativo, que apresenta as diversas manifestações culturais que utilizam o pandeiro pelo Brasil, além de uma biblioteca especializada, batizada em homenagem a Alfredo de Alcântara, pandeirista-malabarista do célebre grupo Oito Batutas. Inclusive, é dele o primeiro registro do pandeiro na imprensa brasileira, numa matéria sobre a banda publicada pelo jornal Correio da Manhã, em 1927.
Os braços do virtuoso Barão do Pandeiro serviram de molde para a escultura que Natália Gerschcovich produziu especialmente para o espaço. E, para ampliar a experiência sensorial, a exposição contará com instalações interativas, como um conjunto de platinelas de diferentes materiais, permitindo aos visitantes explorarem suas sonoridades, e um monitor vertical exibindo tutoriais e performances de grandes pandeiristas.
A exposição “Pandeiros do Brasil: História, tradição, inovação” permanecerá em cartaz na Casa do Pandeiro, que integra o projeto Reviver Centro, da Prefeitura do Rio. A programação paralela contará com rodas de choro e samba, encontros e debates, oferecendo ao público a oportunidade de mergulhar na riqueza e na diversidade desse verdadeiro patrimônio musical brasileiro.
SERVIÇO
Estreia da exposição “Pandeiros do Brasil: História, tradição, inovação”:
Sábado 10 de maio a partir das 15h. Evento com roda de choro e samba, presenças do pesquisador Eduardo Vidili, de artistas expositores e contação de histórias com Barão do Pandeiro.
Casa do Pandeiro: Tv. do Ouvidor, 36 – Centro, Rio de Janeiro – RJ, 20040-040
Horário de funcionamento: segunda a sábado, das 10h às 17h, exceto quarta; das 10h às 20h.
Programação da Casa do Pandeiro:
Aulas regulares semanais com Clarice Magalhães, Netinho Albuquerque e Éber de Freitas.
A partir de maio, aulas regulares do Rio Pandeiro e da oficina de percussão Batucada de Roda. Sábados de maio e junho, oficinas de pandeiro aos sábados de manhã com o percussionista e cantor Lucas Ferraz, Pandeiradas Brasileiras.
Sábado, 17 de maio, oficina de pandeiro com Negadeza, Ritmos pernambucanos.
14h às 16h, R$60 antecipado
Segundas-feiras, aula de pandeiro com Netinho Albuquerque
11:30h (nível iniciante) e 12:30h (nível intermediário). Mensalidade R$250
Segundas-feiras, 16h às 17h, aula de pandeiro com Georgia Câmara (iniciante).
Mensalidade R$ 250.
Segundas-feiras de maio, aula de pandeiro com o mestre Marcos Suzano
18h às 19:30h, todos os níveis. Aula avulsa R$80 | 4 aulas por R$280
Terças-feiras, aula de pandeiro com a professora Clarice Magalhães
12:30h e 17h (iniciante), 18h (intermediário), 19h (avançado). Mensalidade R$230
Quartas-feiras, aula de pandeiro com o professor Éber de Freitas
12:30h (iniciante). Mensalidade R$200
Quartas-feiras, Xirê – aula de congas com ogan Douglas Moraes e Luiz Augusto
17:30h às 19h.
Quintas-feiras, Batucada de roda – aula de instrumentos da roda de samba com o professor Fabiano Salek 17:30 (iniciante) 19h (intermediário/avançado)
Sábados de Maio e Junho, Pandeiradas Brasileiras, aula de pandeiro com
Lucas Ferraz 10h a 12h, valor colaborativo.