Em 2013, chegou aos palcos a peça “Aos nossos filhos” , obra de temática LGBT+, estrelada pelas atrizes Maria de Medeiros e Laura Castro , com direção de João das Neves. Em cena, mãe e filha travam um debate geracional, que coloca em discussão famílias formadas por casais homossexuais, memórias da ditadura brasileira e quebra de paradigmas. Indicado a melhor dramaturgia pelo Prêmio APCA, o texto foi adaptado para o cinema em 2022 em produção protagonizada por Marieta Severo e direção de Maria de Medeiros.
Pouco mais de 10 anos depois, Laura Castro desenvolveu a continuidade do espetáculo original, e finalizou um terceiro ato com o desfecho da trilogia dramatúrgica “Contra o Vento”, que coloca novos e antigos dilemas familiares em foco, superando preconceitos a partir do amor de geração em geração. A estreia acontece em 29 de março na Queerioca, às 18h30, comemorando o Dia Internacional da Visibilidade Transgênero, e dando início às produções teatrais originais do centro cultural de referência nas pautas LGBT+ no Rio de Janeiro.
Protagonizada por Sarah Cintra e Felipe Maia – mãe e filho na vida real –, “Por que não cantando?” explora as dinâmicas complexas de facilidade, amor e preconceito dentro de uma família que desafia os padrões heteronormativos. A peça acompanha a história de uma mãe lésbica, Tânia ( Sarah Cintra ), que, apesar de ter enfrentado a discriminação e excluída ao se assumir, nos anos 2000, , se vê reproduzindo com seu filho trans, Davi ( Felipe Maia ), os mesmos julgamentos que sofreram no passado.
A partir da perspectiva da doc-ficção , as experiências vividas na transição do ator Felipe Maia em sua relação com a mãe, Sarah Cintra , deram ainda mais peso para a construção da dramaturgia. Em uma semi-arena, a cena se alterna com o diálogo entre mãe e filho. Diante do debate, surgem os questionamentos: Precisa ser tão difícil se assumir? Será aceito? Ser respeitado? Será que não teria outra forma? Por que não cantando?
“Em um mundo que acaba de eleger Donald Trump como presidente dos EUA e vê os direitos da população LGBT ameaçados, ainda acredito no amor como resposta. O espetáculo após apostas nas relações familiares como espaço para o diálogo e a superação dos preconceitos”, declara Laura, que também já está adaptando o texto para o cinema , novamente em parceria com Maria de Medeiros, numa coprodução franco-brasileira.
Davi está em uma fase decisiva de sua transição de gênero, prestes a completar 16 anos, expõe para a mãe seu desejo de iniciar o tratamento com hormônios e trocar com certeza seu nome nos documentos, o que faz aflorar um turbilhão de emoções, confrontando tabus, traumas familiares e preconceitos internalizados. Entre diálogos curtos e momentos de profunda reflexão e afeto.
“ A peça nasce da força desses laços e de um encontro de vivências. Nasce da urgência de que sejam ouvidas as vozes daqueles que precisam resistir antes de existir. É no íntimo que são vistas as faces mais duras do preconceito e da opressão, mas também os mais delicados atos de amor. A arte é temida por aqueles que não enxergam para além de seu conforto e nela veem uma ameaça, mas persevera por todos que nela têm voz .”, comenta Felipe Maia, ator que interpreta Davi.
A trilha sonora intensa do drama contemporâneo. A musicista e diretora musical do espetáculo, Angeliq Farnochia , de 23 anos, transicionou em 2021 , e levou para a cena suas vivências, acrescentado novas camadas à montagem. A onipresente “Balada de Tim Bernardes” reforça a urgência do debate sobre o respeito verdadeiro, e como isso pode ser tão desafiador quanto libertador, trazendo à tona questões universais sobre identidade, afeto e o que significa realmente apoiar a quem se ama.
Em “Por que não cantando?” , Laura Castro amplia o debate sobre as lutas que desafiam cada geração, chegando aos dias de hoje em um alerta contra a gritante transfobia que domina mundialmente a pauta de costumes. Basta olhar os projetos de lei em trâmite no Brasil e os discursos que se amplificam nos Estados Unidos, minando direitos civis e projetos de inclusão.
“ A arte sempre asssustou aqueles que querem importar formas únicas de existir. Justamente por isso precisamos falar sobre a importância de respeitar as diferenças, de reconhecer a dignidade de cada pessoa em sua singularidade e garantir que ninguém precisa explicar ou lutar pelo direito de ser quem é. Em um mundo onde discursos autoritários ganham força, reafirmar esses valores não é apenas necessário – é um ato de resistência ”, afirma a atriz Sarah Cintra.
O preâmbulo “Aos nossos filhos” tem como centro narrativo a personagem Vera, que se vê diante de um abalo existencial ao saber que sua filha Tânia pretende ter um filho por inseminação artificial com sua companheira, Vanessa. Mas a história familiar, na verdade, começa antes, durante os anos de 1960. Vera havia participado da luta armada contra a ditadura militar brasileira, foi presa, exilada, casou-se três vezes e teve dois filhos .
Desta vez, o eixo se desloca. Aos 50 anos e entrando na menopausa, Tânia é mãe, e teme o futuro de seu filho Davi, prestes a completar 16 anos. Davi transitou durante a pandemia e a vida em casa foi turbulenta. Tânia errou o pronome ao dirigir o filho, sente medo, culpa e mergulha na depressão. A cena se forma ao redor do palco, como um grupo de apoio. “O tempo é todo junto, sem separação” , diz Davi, assim como se apresenta as lutas pregressas e as vindouras, o pêndulo dos ventos da história e a urgência de cada indivíduo na busca por ser o que se é. É preciso estar atento e forte.
Selo de obras teatrais LGBT+ contemporâneas
O texto da peça será publicado na íntegra pela Editora Candido, responsável pela livraria La Lorca (de temática LGBT+, e que ocupa a Queerioca), em um livro com o programa da peça. Esse será o primeiro exemplar da coleção Queerioca que promete publicar todas as dramaturgias inéditas com estreia no espaço criando um selo de obras teatrais LGBT+ contemporâneas.
Corpo em travessia
O cenário de Cristina Flores é utilizado por uma obra do renomado coletivo de artistas plásticos, Opavivará, o Remo Tupy. A canoa com rodas, que em cena é o quarto de Davi, remete à travessia da população trans, conforme conceito de Paul Preciado do corpo em travessia.
História de família
Laura Castro é madrinha de Felipe Maia (16 anos), ator trans protagonista da montagem e mãe de rcn zbr (14 anos), pessoa transgênero e baixista do espetáculo. Laura e Sarah Cintra conheceram ainda estudantes na CAL, durante a juventude. A peça que coloca os 4 trabalhadores juntos é também um encontro de gerações na vida real.
Teatro da Queerioca
Laura Castro e Cristina Flores, gestoras do espaço, têm sua trajetória artística no teatro com periodicidade e premiações relevantes na cena como Prêmio Shell, APCA, APTR, Questão de Crítica e realizações constantes como atrizes, produtoras, dramaturgas e diretoras desde o final do século 20. Neste ano de 2025, a Queerioca pretende se firmar na cena teatral com inéditas produzidas pelo espaço, realizando cursos e publicações que fomentam a presença da cultura queer no teatro carioca.
FICHA TÉCNICA:
- Dramaturgia e Direção: Laura Castro
- Elenco: Sarah Cintra e Felipe Maia
- Direção Musical: Angeliq Farnocchia
- Banda: Angeliq Farnocchia (teclados) e rcn zbr (baixo)
- Cenografia: Cristina Flores com obra de Opavivará (Remo Tupy)
- Figurinos: Sarah Cintra
- Iluminação: Dani Sanchez
- Assessoria de Imprensa: Rafael Millon e Felipe Maciel
- Programação Visual: Vit.
- Realização: Queerioca
SERVIÇO:
Peça teatral “Porque não cantando?”
- Local: Queerioca – Travessa do Comércio, n.16 (Arco do Teles), Centro, Rio de Janeiro
- Datas: de 29 de março a 22 de junho (de quinta a domingo)
- Horário: 18h30
- Entradas: R$ 40,00 IR$ 20,00 (meia entrada)
- Bilheteria eletrônica: Sympla
- Duração: 60 minutos
- Capacidade: 30 lugares
- Classificação indicativa: 12 anos
- E-mail para contato: [email protected]
- Instagram: @queerioca
- Site: www.queerioca.com