Um ponto de cura. É como Alva, cantora carioca que desponta na cena pop brasileira, define
Trago, seu disco de estreia que chega hoje (31) em todas as plataformas digitais via SoundOn. Compostas por ela mesma entre 2019 e 2023, em parceria com nomes como Vitão, Day Limns e Laysa, as faixas expõem feridas emocionais da artista, como uma forma de exorcizar essas dores. Tudo isso marcado pela mistura do dark pop com ritmos da cultura urbana brasileira.
Curto e simples, o título do álbum tem significado duplo, que faz referência às reflexões da artista sobre o seu lugar nos espaços, o que ela tem a oferecer ao mundo e as aflições que fazem parte da experiência humana (mesmo que contra a nossa vontade). “Trago, de trazer, mas também de tragar, numa alusão ao que se consome, ao que inspiramos e colocamos nos nossos pulmões. Movimento inconsciente vital que nos faz humanos, mas também pode nos conectar com o divino”, explica Alva.
Ou seja, o ouvinte pode esperar um mergulho nas vivências, reflexões, triunfos e derrotas da cantora carioca. E esse mergulho é feito de cabeça por meio da faixa de abertura do LP, “TOKITO”, que emulsiona elementos do dark pop – subgênero mais obscuro, soturno e dramático do pop – com batuques de Iemanjá, típicos das religiões de matriz afro brasileiras.
Na letra, surge o convite para adentrar no mundo de Alva: “Pode chegar que eu tô, que tô, que tô”, ela chama, sob produção musical comandada pelo time dos Los Brasileros (que já assinou já assinou trabalhos de Anitta, Luísa Sonza e Jão), em colaboração do Dmax. “Essa música é uma porta de cura, abre o álbum com o minimalismo e a força dessa nova era”, ela divide.
DISCO IMERSIVO
Já submerso no universo do álbum, o ouvinte entra, então, em contato com uma coleção visceral e bastante honesta de canções sobre experiências emocionais de sua intérprete. É como acontece em “AMAR SEM DEPOIS”, canção que canta sobre o desejo de um amor marcante, mas que não machuque.
Faixa dois do projeto, exemplifica a dança harmoniosa entre interferências digitais do dark pop e a beleza acústica (aqui representada pelo piano). “As decisões de arranjo eram sempre feitas por mim e pelo Dmax, produtor do álbum, depois da narrativa poética, como uma forma de acentuar dinâmicas e a construção da história”, a cantora e compositora recorda.
Outros momentos da primeira metade do LP se aprofundam cada vez mais em experiências de dor, rejeição e solidão. Em “TRAGO”, é perceptível a resiliência do eu-lírico em insistir em um relacionamento que até tem amor, mas vem acompanhado de um “gosto de ressaca, sem ter algo pra beber”, como ela canta. Por sua vez, “HEAVEN” revela um grito de basta – sob batidas distorcidas de funk carioca – contra esse amor cheio de obstáculos aparentemente insuperáveis. Chega de choro.
Importante salientar que, embora experiências pessoais de Alva sejam parte importantíssima do que inspirou “Trago”, a temática do álbum não se resume a desilusões amorosas. A verdade é que desilusões da artista com o próprio mercado fonográfico também podem ser encontradas aqui.
“Em algum momento questionei continuar, me vi morta em todos os sentidos, destruída, culpada, carregando violências. Já perdi muito nesse mercado por estar em frente a um homem e expor o que realmente estava sendo feito; assédio, gaslighting, violências”, ela explica.
RESILIÊNCIA FEMININA
Mas, mesmo ferida por uma indústria que ainda hoje é dominada por homens, Alva ainda recorre à arte como forma de cura. “Muitas vezes essas faixas foram o meu ponto de cura, lucidez e sanidade”, conta. É a partir do lado B do novo disco, inclusive, que esse contra-ataque mais arde.
“MEDUSA”, por exemplo, traz a explosão a potência da mensagem do registro. Ao fazer referência à figura mitológica que foi punida após sofrer um abuso e tornou-se uma mulher temida pelo homem, Alva entrecruza a narrativa da mitologia clássica grega com as opressões que ela mesma já viveu, principalmente no mercado da música, em busca por sua própria liberdade artística.
Já conhecida pelos fãs, “FLIPADA” conta com a colaboração de Chameleo nos vocais e canta sobre um homem covarde, que tem medo dos próprios sentimentos e, por isso, responde amor com desrespeito.
O tempero latino da sonoridade de “ARDE”, por sua vez, se destaca na tracklist. Em colaboração com CLEO e a rapper Laysa, Alva transforma uma troca de experiências entre mulheres artistas em hino de união e fortalecimento feminista. “Feminino é chama e arte / Feminino é chama e arde”, cantam, na canção que deve ganhar um videoclipe dirigido por Felipe Ribeiro em junho.
É perceptível também que, além da luta, a vulnerabilidade emocional aqui também tem poder de cura. Em “MAIS UMA BALADA TRISTE”, por exemplo, a carioca disseca o processo de culpa e as perguntas sem resposta que vêm de uma separação difícil, com o piano dominando a paisagem, apenas com interferências de reverb, simbolizando “o molhar do choro e o seco da solidão”, como ela mesma define.
A partida ainda não foi superada em “NUNCA MAIS”, mas é encarada de frente na faixa de encerramento do trabalho, “ERA EU”. “Vai se confundir até / Tentar entrar e destruir minha mente”, Alva canta, acusando o gaslight presente em uma relação que oferecia pouca estabilidade emocional.
“Esse álbum é muito importante para minha história como mulher. Ele é uma forma de ouvir a minha própria voz e força. Estamos todas vivendo muitas violências e a sociedade ainda não entendeu a urgência da expansão deste assunto. É questão de vida ou morte”, ela conclui, ao refletir sobre as experiências que inspiraram seu processo criativo.
ENCONTROS E REFERÊNCIAS
Artista de muitas referências, em seu álbum de estreia Alva conjura muitas delas na construção do seu universo musical. Começando pela capa do álbum, composta por uma peça em 3D produzida pela própria cantora, em parceria com o laboratório criativo INCAL art. A obra toma inspiração das esculturas humanas da antiguidade, em sua maioria figuras femininas simbolizando a fertilidade. Aqui, a arte de capa pretende exaltar a força do matriarcado.
Musicalmente, Alva promove o encontro entre diversos sons, ritmos e vozes que inspiram seu fazer artístico. Além do dark pop e da sonoridade latina, nomes como La Lupe e Buena Vista Social Club influenciam seu som. Vocalmente, os timbres marcantes de Amy Winehouse, Ella Fitzgerald e Elis Regina constam dentre as referências principais da artista.
SOBRE ALVA
Carioca natural do bairro de Botafogo, ALVA é uma cantora, compositora e pianista, que desponta na cena pop brasileira como um dos nomes mais interessantes da contemporaneidade. Estudou trilha sonora na Berklee College of Music, nos Estados Unidos, onde aperfeiçoou sua autoralidade. Lançou-se na carreira musical oficialmente em 2020, com o single inaugural “Honestamente”. De lá para cá, já colocou na rua um EP, chamado “De Onde Eu Vim o Amor Não Acaba” (2020), além de outros diversos singles. “Trago” é seu primeiro álbum.