Exposição ‘Corpo Popular’, de Leandro Vieira, chega neste sábado à Central do Brasil

por Redação

Corpo popular é uma exposição multilinguagem, que debate a construção artística de fantasias de Leandro Vieira nos 10 desfiles que criou para o carnaval carioca, enfatizando quem as faz (os trabalhadores dos barracões) e quem as veste (os componentes das escolas de samba). Com curadoria de Daniela Name, a mostra, que será cercada por diversas atividades complementares, acontece simultaneamente em dois lugares do Rio de Janeiro: no Paço Imperial e um trem transformado em galeria, parado na plataforma 13 da Central do Brasil, que abrirá as portas para o público neste sábado (09/12) e permanece em seis sábados de dezembro e janeiro. Na Central, a exposição será montada e desmontada a cada sábado. No Paço, ‘Corpo Popular’ permanece em cartaz até 25 de fevereiro, de terça a domingo.

A produção executiva de ‘Corpo Popular’ é da Museo, com idealização da Caju. O projeto venceu o edital FOCA da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro e recebeu o apoio institucional da Supervia, da Riotur e do Grêmio Recreativo e Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense.

“Conceber visualidade através de uma produção artística que é têxtil, pictórica e resulta num ornamento transformado em vestuário de caráter fantasioso que será performado em desfile, tornou-se não apenas a minha produção artística mais significativa, como também, uma marca que registra meu trânsito visual com os territórios, os anseios e os corpos periféricos que dialogam com a minha experiência suburbana”, diz Leandro. “Assim, a exposição investiga esse processo que é particular, mas também coletivo, ampliando-o para um olhar minucioso que lança luz nas experiências corporais de homens e mulheres no estado pleno de suas performances carnavalescas. Enquanto exibe as minúcias criativas do vestuário fantasioso que produzo como experiência artística, a mostra reflete sobre a participação de outros corpos na elaboração de uma experiência que atinge a plenitude a partir da incorporação ficcional possibilitada pelo traje criado.”

Para a curadoria de Corpo popular, criar módulos distintos no Paço e na Central do Brasil é uma forma de democratizar o acesso ao projeto, além de lembrar a importância histórica e contemporânea do trem para os cortejos. As escolas de samba amadureceram como uma organização social e cultural em comunidades que margeiam a linha férrea. Além disso, os trabalhadores dos barracões, parceiros dos carnavalescos nas execuções de fantasia, são majoritariamente usuários do trem, meio de transporte muito importante para assegurar a circulação de componentes nos dias de folia.

Outro ponto importante do projeto, segundo Daniela Name, é o desejo de mostrar o carnaval como uma espécie de museu em trânsito.

“Corpo popular trata a obra de Leandro Vieira como um vetor para debater a fantasia de carnaval como uma modalidade artística que está em diálogo com uma coletividade de saberes na execução no barracão e também com outras linguagens, como a pintura, a escultura, o desenho e, é claro, a performance de canto e dança dos foliões”, explica a curadora. “A obra de Leandro é importante catalisadora desse debate. Ele sempre esteve atento à importância da fantasia e, apesar de ter apenas 10 desfiles no carnaval carioca, já deu contribuições muito relevantes a essa linguagem. Além da relação com trabalhadores e foliões e com o trem, a mostra procura enfatizar a fantasia como uma reunião de imagens que tanto estão em trânsito no desfile, que tem uma duração no tempo e no espaço, quando são um trânsito no corpo dos componentes. Quando um artista como Leandro desenha uma imagem ou se apropria de outras que lhe são afetivas para criar uma fantasia, transforma o corpo em movimento do folião na galeria de arte onde aquelas imagens podem experimentar, de modo efêmero, o seu apogeu. Um artista do carnaval atento às possibilidades da fantasia pode transformar cada folião em uma galeria de arte viva, que pulsa, se mexe e respira, e que tem sua existência delimitada no tempo do desfile e no espaço da passarela.”

MÓDULOS DEBATEM QUEM VESTE E QUEM FAZ FANTASIA

No Paço, a mostra se dedica ao folião, a quem veste a fantasia. São apresentadas duas instalações, uma videoinstalação, fotos, projetos para fantasia em técnicas distintas (aquarela, hidrocor, nanquim e outras), paletas têxteis, fac-símiles, fotografias, uma maquete e a reprodução em grandes dimensões de um croqui inédito para o desfile da Imperatriz Leopoldinense em 2024, batizado de Com a sorte virada pra lua segundo o Testamento da Cigana Esmeralda.

Na Central do Brasil, o Estúdio Sauá, que assina a expografia de Corpo popular em seus dois módulos, bolou uma ocupação capaz de ser montada e desmontada no início e no fim de cada sábado da mostra em cartaz. O vagão-galeria na Plataforma 13 é dedicado aos trabalhadores e artífices dos barracões, parceiros de Leandro na realização dos figurinos que o artista imagina. Serão apresentados depoimentos de costureiras, aderecistas e da assistente do carnavalesco; um “vocabulário visual” de Leandro; uma fotogaleria comentada de seus 10 desfiles no Rio; um segundo croqui inédito para o carnaval 2024; e uma versão em menor escala de Corpo em desfile.

ATIVIDADES PARALELAS E SITE PARA CATALOGAÇÃO

Corpo popular conta ainda com um conjunto de ativações. No Paço, vão acontecer dois debates. No dia 9 de dezembro, às 15h, Leandro Vieira e Daniela Name conversam com a historiadora Raquel Barreto, presente nas curadorias das mostras sobre Heitor dos Prazeres e Carolina Maria de Jesus. No dia 6 de janeiro, às 15h, a equipe do projeto celebra o Dia de Reis com o público recebendo a rainha de bateria da Estação Primeira de Mangueira, Evelyn Bastos, e a costureira da ala das baianas na equipe de Leandro, Sirley Martins, para um debate.

No trem-galeria da Central, Penha Maria Lima, integrante da equipe de barracão de Leandro, oferece duas oficinas de adereços para o público jovem e adulto, nos dias 16 de dezembro e 13 de janeiro, sempre às 15h e com inscrições prévias e gratuitas divulgadas pelas redes sociais do projeto e seus realizadores. Uma terceira oficina de Penha acontece no Centro de Artes Calouste Gulbenkian, no Centro, em data a ser confirmada.

Corpo popular vai gerar um hotsite (www.corpopoular.com.br) com a catalogação virtual do projeto e tem uma rede dedicada no Instagram (@corpopopular).

AS EXPOSIÇÕES PONTO A PONTO:

PAÇO IMPERIAL
Visitação: de 3 de dezembro a 25 de fevereiro, das 12h às 18h, de 3as feiras aos domingos.
Praça XV de novembro, 48 – Centro – Rio de Janeiro – RJ
Entrada gratuita

A não ser pela presença da costureira Sirley Martins no vídeo de arte site specific Baianas, a mostra no Paço se dedica a quem veste fantasia, sugerindo ao visitante que os foliões de uma escola são responsáveis pela concretização do projeto artístico que se inicia na criatividade do carnavalesco, é atravessado pelos saberes de quem costura e realiza o adereço de cada figurino, que deságua na performance de canto e dança em desfile.

PROCESSOS: Fazem parte desse módulo croquis originais; bibliotecas com todos os tecidos correspondentes a um determinado figurino; fac-símiles de croquis e dos cadernos do artista; um croqui inédito do enredo de 2024 da Imperatriz Leopoldinense, Com a sorte virada para a lua segundo o testamento da cigana Esmeralda; e a maquete de uma fantasia de São Jorge do desfile mangueirense Só com a ajuda do santo. Este último item já esteve no Paço, na exposição realizada por Leandro em 2017, e a curadoria resolveu reexibi-lo como uma homenagem à relação entre o artista e a instituição.

BAIANAS: A videoinstalação em dois canais celebra a ala mais importante e ancestral de uma escola de samba, pondo dois saberes em diálogo: o de Sirley Martins, coordenadora da bancada de costura que realiza as fantasias de baiana de Leandro Vieira desde o primeiro desfile do artista, em 2015, pela Caprichosos de Pilares, e o de Carla Maria Copecriovon, baiana da Imperatriz. Ambas foram captadas pelo olhar de Tiago Morena e as entrevistas foram realizadas por Daniela Name e Thales Valoura.

CORPO EM DESFILE: Com o objetivo de mostrar um número significativo de fantasias concebidas por Leandro Vieira nos 10 desfiles que assinou entre 2015 e 2023, a curadoria tira partido do monóculo, pequeno dispositivo fotográfico capaz despertar memórias afetivas em muitos visitantes. Na mostra do Paço, cerca de 250 unidades formarão uma espécie de mar ou galáxia de pontinhos coloridos. Circulando entre os fios de onde pendem os monóculos, o visitante poderá ver imagens realizadas por cerca de 20 fotógrafos, entre eles Diego Mendes, Fernando Grilli, Gabriel de Paiva, Léo Queiroz e Rafael Catarcione. Todas as imagens mostram closes, conjuntos ou vistas aéreas desse “corpo em desfile”, isso é, dos foliões dando sentido e conclusão aos projetos de fantasia de Leandro Vieira ao botá-los em movimento e animá-los com canto e dança na avenida.

MOTRIZ: Na instalação, Leandro Vieira reúne cerca de 120 matrizes utilizadas como moldes para as figuras de acetato de chapéus, golas, costeiros e outros adereços de seus figurinos. No Paço, duas paredes formam uma espécie de museu desses personagens e elementos visuais – pretos velhos, cangaceiros, palhaças, búzios, peixes, carrancas, crucifixos – e sobre os dois conjuntos de matrizes é projetado um vídeo dirigido e roteirizado pelo artista e filmado por Léo Queiroz. O filme foi realizado nas comunidades da Mangueira e da Serrinha e em regiões da Zona Norte vizinhas a Ramos e à Penha e mostra os moradores dessas localidades com seus trajes comuns e suas atividades do dia-a-dia, além de elementos gráficos e culturais dessas partes da cidade. Ao sobrepor as figuras das matrizes às dos moradores dos territórios de Imperatriz Leopoldinense, Império Serrano e Mangueira, Leandro evidencia como os corpos dos foliões são ao mesmo tempo vetores e inspiração para seu museu de imagens.

TREM-GALERIA NA CENTRAL DO BRASIL

  • Inauguração: dia 9 de dezembro, sábado, às 11h com conversa com artista e curadora
  • Trem na Plataforma 13 da Central
  • Visitação: sempre aos sábados
  • 9 e 16 de dezembro de 2023
  • 6, 13, 20 e 27 de janeiro de 2024
  • Das 9h às 18h
  • Praça Cristiano Ottoni, s/n Centro – Rio de Janeiro – RJ
  • Acesso pelas roletas de passageiros da Supervia

Se o Paço Imperial é dedicado a quem veste fantasia, o trem-galeria que estará na Plataforma 13 da Central do Brasil em seis sábados de dezembro e janeiro tem como eixo os trabalhadores de barracão que catalisam o processo criativo de Leandro Vieira e materializam desenhos, propostas conceituais e estudos de cor no conjunto de figurinos (fantasias e seus adereços) de um enredo. O ambiente com expografia desenvolvida pelo Estúdio Sauá lembra ainda os 10 desfiles concebidos por Leandro Vieira, analisados pelo próprio artista sob a perspectiva da criação em fantasia. Uma versão de Corpo em desfile especialmente pensada para o trem leva para a Central um vestígio do módulo expositivo que está no Paço.

TECER A IMAGINAÇÃO: Cinco trabalhadores do barracão da Imperatriz Leopoldinense, alguns deles na equipe de Leandro Vieira desde o início de sua trajetória, dão seus depoimentos sobre o processo de construção de fantasias e sobre como se dá o diálogo entre o processo criativo do carnavalesco e os saberes de costura e adereçamento. Participam as costureiras Sirley dos Santos Martins e Cris Machado, os aderecistas Augusto César e Gustavo Abreu; e Dandara Vital, assistente de Leandro. As entrevistas foram realizadas pela curadoria, com câmera e edição de Tiago Morena, que também realizou retratos de cada um dos entrevistados.

VOCABULÁRIO VISUAL: Desde 2015, Leandro Vieira tem desenvolvido, com a parceria de execução de suas equipes de costura e adereços, um conjunto de práticas no uso de tecidos, aviamentos e outros materiais, formas de arremate, de acabamento e de desenvolvimento de estampas que se caracterizam como uma espécie de vocabulário plástico, de inventário visual. O que chama a atenção, na análise plástica e visual das fantasias criadas pelo artista, é que ele se apropria de materiais corriqueiros do carnaval (como o viés, a passamanaria e o tarucel, além de espelhos e fitas), mas os utiliza de maneira absolutamente singular e subversiva, a favor da construção de um resultado artístico que é atravessado pelas linguagens da pintura, do desenho, da escultura e até mesmo da gravura, mas também por inquietudes oriundas do inventário de imagens e do campo simbólico que tem lhe afetado desde o início da carreira.

FANTASIAR OS ENREDOS: A engenhosa proposta expográfica do Estúdio Sauá, tira partido dos bancos e de outros elementos arquitetônicos do vagão do trem para montar uma vitrine usando tirantes e madeira. Nela, Corpo popular apresenta uma fotogaleria comentada dos 10 desfiles de Leandro Vieira para o carnaval carioca. Além de imagens-sínteses dos enredos, escolhidas a partir do quesito fantasia, o público vai poder ouvir o próprio Leandro comentando o projeto criativo que alinhavou para cada desfile, tanto na escolha de materiais quanto ao que diz respeito de construção cromática ou pensamento conceitual sobre imagem.

CORPO EM DESFILE: Uma seleção reduzida e especialmente adaptada ao vagão da Central da instalação que ganha versão maior no Paço Imperial.

LEANDRO VIEIRA

Com os dez desfiles que levam a assinatura de Leandro Vieira para o carnaval carioca entre os anos de 2015 e 2023 o artista consagrou-se campeão em cinco ocasiões. Da estreia vitoriosa na Mangueira em 2016, até o seu último campeonato com a Imperatriz Leopoldinense, em 2023, Vieira viu seu trabalho ocupar o primeiro lugar no pódio da folia em mais três oportunidades: uma em 2019 – em sua segunda vitória com a verde e rosa; outra em 2020 – com a Imperatriz Leopoldinense em seu desfile de acesso ao grupo especial e, em 2022 – com a apresentação que marca a mais recente ascensão do Império Serrano ao grupo especial.

O rendimento no que diz respeito as vitórias conquistadas na histórica competição entre as escolas de samba talvez fosse o suficiente para destacar os atributos da produção do carnavalesco. Porém, a quantidade de campeonatos não dá conta de um aspecto singular de sua trajetória no que diz respeito ao interesse por sua produção visual e o fato é que o trânsito de suas criações no universo da arte contemporânea parece ter se tornado um apêndice de sua trajetória marcada pelo interesse de curadores, críticos e instituições de arte por sua produção.

Desde 2017, Leandro é uma referência quando o assunto é o escasso olhar dos envolvidos com os meios tradicionais do sistema artístico contemporâneo para a produção visual associada aos desfiles carnavalescos. Ao ocupar o Paço Imperial com uma exposição individual onde exibiu croquis originais e parte do vestuário que cria como material para a performance de seus componentes em desfile, o trabalho de Vieira passa a despertar irremediável interesse do circuito das artes. Já no ano seguinte (2018), recebeu o primeiro convite para produzir e expor uma obra no Museu de Arte do Rio (MAR) e os trajes que concebe para a performance carnavalesca em desfile foram exibidos no Centro Cultural Hélio Oiticica como obra de criação contemporânea inclusa em exposição coletiva ao lado de nomes da cena artística.

Suas propostas extrapolam a avenida carnavalesca e sua produção visual para os desfiles tornaram-se emblemáticas bandeiras de pensamento crítico traduzidas em visualidade. De sua produção surgem imagens icônicas que sobrevivem ao período da folia, caso de sua mais famosa obra, Bandeira Brasileira, que ainda hoje, quatro anos depois de sua primeira exibição pública, é a criação carnavalesca de maior exibição em museus brasileiros após ter sido selecionada por inúmeros curadores para estar em exibição no MAM (Hélio Oiticica – A dança na minha experiência, 2021), no MASP (Histórias Brasileiras, 2022) e na exposição itinerante Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros que esteve no Instituto Moreira Salles, no SESC Rio Preto, no SESC Sorocaba e no MAR.

Pelo caráter transgressor de seu trabalho, e pela forma particular como pensa seus figurinos e propostas carnavalescas, o artista é o primeiro criador do carnaval a ser indicado por um grupo de críticos, curadores e dirigentes de instituições de arte à mais importante premiação de arte contemporânea brasileira, o Prêmio PIPA.

Com a curadoria de Daniela Name, o artista volta ao Paço Imperial em exposição individual chamada CORPO POPULAR. Para a curadora, impressiona o modo como o Leandro concebe sua produção carnavalesca para vestir seus componentes ao fazer uso de atributos próprios do desenho, da pintura, ou ainda, da escultura, mas encontra na performance dos corpos que desfilam a grande aliada da concretização dos princípios simbólicos ativados pelo artista. A partir da observação do vocabulário visual e do modo como Vieira realiza seu trabalho, a fantasia é apresentada como uma espécie de pele ficcional que recobre os corpos.

“Leandro pensa o figurino carnavalesco como pintura, desenho e multilinguagem. Ele trata cada fantasia como um museu de imagens ao tempo em que reverencia o corpo do componente como instrumento onde se dá o apogeu de sua potência plástica”- avalia Daniela Name.

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