O projeto Mulheres Negras Curtindo a Vida é uma iniciativa que convida mulheres negras a partilharem memórias alegres a partir de alguma experiência cotidiana. Idealizado pela artista e psicóloga Natasha Pasquini, a primeira ação será realizada no próximo dia 5 de julho, na Praça da Harmonia, na Gamboa, região Central do Rio de Janeiro.
A iniciativa contempla uma performance a céu aberto que passará por quatro localidades e a partir das entrevistas com essas mulheres será disponibilizado em um site textos, vídeos e composições sonoras para acesso aos resultados da pesquisa. O projeto foi contemplado no Edital Diversidades e Diálogo, da Lei Paulo Gustavo, elaborado pela Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa (Sesec). Além disso, Natasha também foi contemplada no edital de Mobilidade Cultural, da Fundação Palmares e viajará para o Rio Grande do Norte para dar continuidade à pesquisa em outro ambiente, com outras realidades. A produção é da eLabore.Kom.
A ação tem o objetivo de apoiar a disseminação e o registro da memória da negra e registrar os acontecimentos em 1ª pessoa, produzindo memória de uma perspectiva protagonista. Desta forma, serão captadas histórias em regiões da cidade do Rio de Janeiro como na chamada Pequena África, no Centro da Cidade, em Madureira, zona Norte do Rio, e em Realengo, zona Oeste da cidade.
Para Natasha, quando se fala em população negra, a memória tem um lugar simbólico que está relacionado à desfragmentação de sua própria existência. Segundo ela, as mulheres negras sofrem o apagamento de suas potências e, tradicionalmente, a história recontada é a de humilhação, escravização, animalização e coisificação.
“Na primeira etapa de construção da pesquisa eu pedia para as minhas amigas algum arquivo delas curtindo a vida e, de modo geral, elas sempre pareciam não entender de primeira o meu pedido, porque precisavam acessar uma memória interna muito soterrada. Mas quando eu perguntava sobre um caso de racismo que elas sofreram, a experiência da violência estava na ponta da língua, mais à flor da pele que as memórias alegres. Isso me pegou demais” afirma.
Natasha explica que o apagamento das potências negras, principalmente das mulheres, faz parte do esquema colonial de poder/saber que estamos inseridos e o esquecimento é um sintoma desse projeto. Pensando nisso, Mulheres Negras Curtindo a Vida propõe, durante a conversa, três possibilidades para reativação das memórias.
“O que chamo de ativadores da memória são materiais que, em sua composição, auxiliam o movimento de relembrar e elaborar através da fala os momentos de prazer e alegria vividos. Em Mulheres Negras Curtindo a Vida, uso três ativadores de memórias: óleo essencial de alecrim, quando estava triste minha avó me falava para tomar “chá de alegria” e faço essa ligação com a erva; semente de cacau, que tem propriedades que estimulam a produção de serotonina, hormônio da felicidade do bem-estar; e café, que está relacionado ao bate papo, do dia a dia, do relaxar”, explica.
Após ouvir as histórias, em gesto de partilha, as participantes recebem ativadores de memórias alegres, como óleo essencial de alecrim e sementes de girassol para que exerçam o cuidado de si no movimento de germinar e florescer.
PROCESSO DE BUSCA
“A cultura da necropolítica faz com que a história negra seja contada a partir de arquivos de morte, mulheres negras comumente são representadas por violentos estereótipos de dor e sofrimento, como se a gente não tivesse a possibilidade de viver outra experiência. Por isso, em diálogo com Nego Bispo e outros/as pensadores/as contra coloniais, afirmo esse outro modo de agir e pensar políticas de vida, que fissurou a naturalização da necropolítica e nos convidam a fabular a vida e inventar o mundo através de experiências alegres e prazerosas do cotidiano que também constituem quem a gente é, em nossas singularidades”, pontua Natasha.
Um levantamento realizado pelo Instituto Ethos, publicado em dezembro de 2023, mostra que apenas 4,7% das pessoas negras ocupam lugares de liderança e tomada de decisões nas 500 maiores empresas do país. Se for feito um recorte de gênero, esses números caem ainda mais. Natasha lembra ainda que a sociedade não está acostumada a ver pessoas negras em locais de destaque e, por isso, o projeto é tão importante, para mostrar que existem vitórias nas histórias negras.
“O nosso sorriso é extremamente político! E quando nos autorizamos a experimentar a felicidade estamos criando estratégias de fuga contra as opressões de uma sociedade que se alimenta das mortes literais e subjetivas do povo preto e indígena, dos dissidentes sexuais e de gênero e tantas outras categorias que nos marcam como fora da norma branca heterosis patriarcal. E isso às vezes aparece de forma sutil. Na artes cênicas, por exemplo, artistas negres são destaques na cena por falarem de militância a partir de uma perspectiva histórica e pessoal onde só cabem as memórias da plantação, suas dores e mazelas. Entretanto, aqueles que, como eu, buscam se aproximar das memórias do quilombo, falar de afeto, de levezas, conquistas e sonhos para construir seus trabalhos tornam-se desinteressantes no mercado das artes, porque não estão reproduzindo a lógica capitalista que lucra com nossas dores”, reflete.
Ela reforça que as pessoas negras e dissidentes têm muito mais a entregar para a sociedade do que somente histórias tristes, de superação, de violências e racismo. “Não é sobre esquecer aquilo que nos esmaga diariamente, pois isso seria impossível, mas é sobre lembrar que somos muito mais que histórias de sofrimento. Não é a experiência espaço-temporal da colonialidade que legitima a nossa existência. Há outras narrativas e outros arquivos que escapam dessa ordem colonial e nos permitem fabular a existência negra por vias infinitas que fogem das representações e estereótipos da negritude”, aponta
“Esse projeto nasce com o desejo de escutar relatos de sucesso, riqueza e beleza, dos afetos doces experimentados e das miudezas do cotidiano que inspiram vida e exalam esperança”, finaliza.
ACESSIBILIDADE
Pensando em uma forma de universalizar o acesso ao projeto, a organização vai disponibilizar intérprete de Libras junto a mesa para pessoas com deficiência auditiva e que fazem uso da Língua de Sinais Brasileira para a tradução simultânea de suas histórias. Além disso, também haverá audiodescrição nas cenas gravadas e exibidas no produto final.
O projeto prevê em sua equipe técnica diversa e, majoritariamente, composta por mulheres pretas, o que garante que estas pessoas sejam inseridas em lugar de protagonismo e pertencimento, fomentando artistas e a cultura local.
Através da contratação destes profissionais, a proposta garante que todas as etapas do projeto sejam inclusivas e acessíveis a todo o público. Essas ações não apenas eliminam as barreiras físicas e comunicacionais, mas também promovem uma cultura de respeito e igualdade, combatendo atitudes capacitistas e garantindo que todos os indivíduos tenham a oportunidade de participar plenamente desta experiência que é oferecida.
Programação:
05/07 – Praça Coronel Assunção (Praça da Harmonia) – Gamboa, Rio de Janeiro – às 14 horas
12/07 – Centro Coreográfico – R. José Higino, 115 – Tijuca, Rio de Janeiro – às 18 horas
18/07 – Avenida Marechal Fontenelle, 5000, Realengo – Rio de Janeiro – às 18 horas